quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Cristiane Schmidt* - Desafios do Senado na reforma tributária

Valor Econômico

Pedidos de exceções tem causa estrutural. A carga tributária no Brasil é elevada (34% PIB), mas, para reduzi-la, os gastos públicos têm que diminuir

O Brasil não cresce de forma adequada e sustentável desde 2011. A produtividade é baixa há mais de 20 anos e o bônus demográfico está se exaurindo, o que torna as condições para o crescimento mais adversas. Pelo último “Doing Business”, o Brasil ficou em posição 124 entre 190 países e, no quesito pagamento de tributo, obteve colocação 184. Com esta baixa performance, a China, que já foi par, agora é potência, e Índia vem na mesma velocidade. O Brasil ficou para trás, logo suas debilidades estruturais precisam ser endereçadas.

O Poder Executivo e o Congresso Nacional, desde 2019, têm feito a leitura correta e têm agido. Dentre as modificações para recolocar o Brasil no mapa do crescimento, há três reformas emblemáticas: a da previdência, aprovada em 2019; a tributária, em tramitação no Senado; e a administrativa, que urge ser enfrentada.

A reforma da previdência, a despeito de não ter sido a ideal, foi a politicamente possível. A reforma tributária, conquanto o texto precise ser lapidado no Senado, foi a redação que garantiu a sua aprovação na Câmara, refletindo o que a população, os governadores e os prefeitos desejam, com raras exceções.

Esta reforma não altera a carga tributária do consumo de 12,5% do PIB. Esta, porém, simplifica e desburocratiza o processo de pagamento do tributo, devolve o crédito em base ampla à empresa (o ICMS tem base restrita), é não-cumulativo (diferentemente do ISS), não distingue bens e serviços, garante 100% a devolução do crédito ao empresário com a criação do Conselho Federativo (evitando que Tesouros não devolvam ditos créditos) e elimina distorções que impactam negativamente no crescimento econômico, uma vez que hoje os investimentos e a exportação são onerados.

O IVA também é neutro. Tributo neutro é aquele que não afeta as decisões empresariais quanto ao seu locus produtivo e logístico, que devem primar, por sua vez, por critérios de eficiência econômica. O IVA, apesar de estar sujeito a fraudes e arranjos que comprometem a neutralidade1, é o melhor modelo. Por isso é adotado em 174 países. Além disso, embora a discussão sobre uma possível diminuição da carga deva se realizar (face aos pedidos do setor privado), o objetivo da PEC 45 é o de facilitar a vida de quem emprega e gera riqueza. A PEC 45 é, assim, neutra e pró-investimento.

Em vez do contribuinte ter que lidar com 5568 legislações municipais, 27 estaduais e mais as federais, haverá apenas um marco legal e com interpretação única em nível nacional. Os litígios, por isso, despencarão. São R$ 7,5 tri de recursos gastos em contenciosos e 1,5 mil horas pagando imposto. Um absurdo.

Reduzir a carga para uns e deixar a conta para os demais necessitará de justificativas deveras convincentes

Além disso, os empresários terão seus incentivos fiscais resguardados até 2032, respeitando a LC 160, e o Simples Nacional (que alcança 90% dos serviços) seguirá valendo. Como educação e saúde (ambos do setor de serviços) terão alíquotas reduzidas, é possível que um médico prefira migrar do Simples para o novo regime, ficando a critério dele.

Não que as exceções em saúde e educação sejam socialmente justas. Nem mesmo o caso da cesta básica é. De fato, a maior parte da população brasileira faz uso desses serviços de forma pública e não parece razoável o rico pagar menos imposto, lembrando que 70% da população tem rendimento de menos de dois salários mínimos. Ao menos o cashback - mecanismo que pode trazer maior justiça social - está contemplado. Quem sabe mais à frente o Brasil não copia o que o Rio Grande do Sul já faz hoje.

Como as exceções fazem onerar o resto da sociedade, que suportará uma alíquota-padrão maior, caberá ao Senado adequar o texto. Este é o seu primeiro desafio. Pode-se, por exemplo, rever a redução dos 60% para 50% e retirar do texto setores como os de turismo e de bar e restaurantes.

Esse problema dos pedidos de exceções tem causa estrutural. A carga tributária no Brasil é elevada (34% PIB), mas, para reduzi-la, os gastos públicos têm que diminuir. Não adianta o contribuinte suplicar no Parlamento para pagar menos imposto, pois a conta dos Tesouros precisa fechar. Se a sociedade quer redução de carga, então que exija dos governos maior eficiência e diminuição de despesas.

A discussão é complexa: embora inúmeras associações clamem por diminuição de carga, governadores inseriram um fundo que onera o contribuinte. Há, assim, que aceitar a carga atual e pleitear para que esta querela seja debatida logo. Reduzir a carga para uns e deixar a conta para os demais necessitará de justificativa deveras convincente.

Os outros dois desafios do Senado tocam às burocracias. Um se refere à regra de repartição entre os 27 Tesouros estaduais dos R$ 120 bilhões do Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR, art. 159-A) distribuídos em 5 anos. Atualmente há dois critérios sob a mesa: um, pelo inverso do PIB per capita e, outro, por este indicador multiplicado pela população. Para além do FDR, haverá um Fundo de Compensação, para preservar os benefícios fiscais, na monta de R$ 160 bilhões, repartidos em 8 anos. A monta de transferência federal é expressiva.

O outro desafio concerne ao quórum de votação do Conselho Federativo (CF), disposto no parágrafo 4º do art. 156-B, em conjunto com os parágrafos 2º (incisos I e II) e 3º. Como o CF proporá leis acerca do IBS (art. 61 da CF), é desejável que, no seu desenho, ainda que seja por maioria, duas regiões não possam aprovar uma certa proposta. Na versão inicial, a votação seria por maioria simples, como ocorre no Comsefaz.

Como a experiência ensina que as regiões NE e N se juntam e ganham, na versão final outro critério foi inserido para as deliberações: um, por maioria simples e outro, por representatividade de 60% da população, lembrando que S + SE somam 54%. Poder-se-ia pensar, ainda, em uma terceira forma: a de 2/3 dos votos, sendo 1/3 por região, regra da LC 160. Seja a diretriz que for, o importante é garantir a representatividade de todas as regiões.

Em suma, a reforma tributária (PEC 45), após vigoroso debate desde 2019, é calcada nas melhores práticas e objetiva fomentar o crescimento econômico, mas precisa ser polida. Na esperança de que o Senado tenha o mesmo afinco que a Câmara e que a matéria seja aprovada até dezembro/23. O Brasil agradece.

1. O texto “Em busca da neutralidade na tributação do consumo no Brasil”, de Ângelo de Angelis e Rodrigo Frota, traz sugestões para três possíveis problemas do IVA.

*Cristiane Alkmin Junqueira Schmidt, mestre e Doutora em Economia pela EPGE/FGV, Visiting Scholar em Columbia, ex-secretária-Ajunta da SEAE/MF, ex-conselheira do Cade e ex-secretária da Economia de Goiás, é professora, consultora e colunista do Instituto Millenium.

 

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