Valor Econômico
Pedidos de exceções tem causa estrutural. A
carga tributária no Brasil é elevada (34% PIB), mas, para reduzi-la, os gastos
públicos têm que diminuir
O Brasil não cresce de forma adequada e
sustentável desde 2011. A produtividade é baixa há mais de 20 anos e o bônus
demográfico está se exaurindo, o que torna as condições para o crescimento mais
adversas. Pelo último “Doing Business”, o Brasil ficou em posição 124 entre 190
países e, no quesito pagamento de tributo, obteve colocação 184. Com esta baixa
performance, a China, que já foi par, agora é potência, e Índia vem na mesma
velocidade. O Brasil ficou para trás, logo suas debilidades estruturais
precisam ser endereçadas.
O Poder Executivo e o Congresso Nacional,
desde 2019, têm feito a leitura correta e têm agido. Dentre as modificações
para recolocar o Brasil no mapa do crescimento, há três reformas emblemáticas:
a da previdência, aprovada em 2019; a tributária, em tramitação no Senado; e a
administrativa, que urge ser enfrentada.
A reforma da previdência, a despeito de não ter sido a ideal, foi a politicamente possível. A reforma tributária, conquanto o texto precise ser lapidado no Senado, foi a redação que garantiu a sua aprovação na Câmara, refletindo o que a população, os governadores e os prefeitos desejam, com raras exceções.
Esta reforma não altera a carga tributária
do consumo de 12,5% do PIB. Esta, porém, simplifica e desburocratiza o processo
de pagamento do tributo, devolve o crédito em base ampla à empresa (o ICMS tem
base restrita), é não-cumulativo (diferentemente do ISS), não distingue bens e
serviços, garante 100% a devolução do crédito ao empresário com a criação do
Conselho Federativo (evitando que Tesouros não devolvam ditos créditos) e
elimina distorções que impactam negativamente no crescimento econômico, uma vez
que hoje os investimentos e a exportação são onerados.
O IVA também é neutro. Tributo neutro é
aquele que não afeta as decisões empresariais quanto ao seu locus produtivo e
logístico, que devem primar, por sua vez, por critérios de eficiência
econômica. O IVA, apesar de estar sujeito a fraudes e arranjos que comprometem
a neutralidade1, é o melhor modelo. Por isso é adotado em 174 países. Além
disso, embora a discussão sobre uma possível diminuição da carga deva se
realizar (face aos pedidos do setor privado), o objetivo da PEC 45 é o de
facilitar a vida de quem emprega e gera riqueza. A PEC 45 é, assim, neutra e
pró-investimento.
Em vez do contribuinte ter que lidar com
5568 legislações municipais, 27 estaduais e mais as federais, haverá apenas um
marco legal e com interpretação única em nível nacional. Os litígios, por isso,
despencarão. São R$ 7,5 tri de recursos gastos em contenciosos e 1,5 mil horas
pagando imposto. Um absurdo.
Reduzir a carga para uns e deixar a conta
para os demais necessitará de justificativas deveras convincentes
Além disso, os empresários terão seus
incentivos fiscais resguardados até 2032, respeitando a LC 160, e o Simples
Nacional (que alcança 90% dos serviços) seguirá valendo. Como educação e saúde
(ambos do setor de serviços) terão alíquotas reduzidas, é possível que um
médico prefira migrar do Simples para o novo regime, ficando a critério dele.
Não que as exceções em saúde e educação
sejam socialmente justas. Nem mesmo o caso da cesta básica é. De fato, a maior
parte da população brasileira faz uso desses serviços de forma pública e não
parece razoável o rico pagar menos imposto, lembrando que 70% da população tem
rendimento de menos de dois salários mínimos. Ao menos o cashback - mecanismo
que pode trazer maior justiça social - está contemplado. Quem sabe mais à
frente o Brasil não copia o que o Rio Grande do Sul já faz hoje.
Como as exceções fazem onerar o resto da
sociedade, que suportará uma alíquota-padrão maior, caberá ao Senado adequar o
texto. Este é o seu primeiro desafio. Pode-se, por exemplo, rever a redução dos
60% para 50% e retirar do texto setores como os de turismo e de bar e
restaurantes.
Esse problema dos pedidos de exceções tem
causa estrutural. A carga tributária no Brasil é elevada (34% PIB), mas, para
reduzi-la, os gastos públicos têm que diminuir. Não adianta o contribuinte
suplicar no Parlamento para pagar menos imposto, pois a conta dos Tesouros
precisa fechar. Se a sociedade quer redução de carga, então que exija dos
governos maior eficiência e diminuição de despesas.
A discussão é complexa: embora inúmeras
associações clamem por diminuição de carga, governadores inseriram um fundo que
onera o contribuinte. Há, assim, que aceitar a carga atual e pleitear para que
esta querela seja debatida logo. Reduzir a carga para uns e deixar a conta para
os demais necessitará de justificativa deveras convincente.
Os outros dois desafios do Senado tocam às
burocracias. Um se refere à regra de repartição entre os 27 Tesouros estaduais
dos R$ 120 bilhões do Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR, art. 159-A)
distribuídos em 5 anos. Atualmente há dois critérios sob a mesa: um, pelo
inverso do PIB per capita e, outro, por este indicador multiplicado pela
população. Para além do FDR, haverá um Fundo de Compensação, para preservar os
benefícios fiscais, na monta de R$ 160 bilhões, repartidos em 8 anos. A monta
de transferência federal é expressiva.
O outro desafio concerne ao quórum de
votação do Conselho Federativo (CF), disposto no parágrafo 4º do art. 156-B, em
conjunto com os parágrafos 2º (incisos I e II) e 3º. Como o CF proporá leis
acerca do IBS (art. 61 da CF), é desejável que, no seu desenho, ainda que seja
por maioria, duas regiões não possam aprovar uma certa proposta. Na versão
inicial, a votação seria por maioria simples, como ocorre no Comsefaz.
Como a experiência ensina que as regiões NE
e N se juntam e ganham, na versão final outro critério foi inserido para as
deliberações: um, por maioria simples e outro, por representatividade de 60% da
população, lembrando que S + SE somam 54%. Poder-se-ia pensar, ainda, em uma
terceira forma: a de 2/3 dos votos, sendo 1/3 por região, regra da LC 160. Seja
a diretriz que for, o importante é garantir a representatividade de todas as
regiões.
Em suma, a reforma tributária (PEC 45),
após vigoroso debate desde 2019, é calcada nas melhores práticas e objetiva
fomentar o crescimento econômico, mas precisa ser polida. Na esperança de que o
Senado tenha o mesmo afinco que a Câmara e que a matéria seja aprovada até
dezembro/23. O Brasil agradece.
1. O texto “Em busca da neutralidade na
tributação do consumo no Brasil”, de Ângelo de Angelis e Rodrigo Frota, traz
sugestões para três possíveis problemas do IVA.
*Cristiane Alkmin Junqueira
Schmidt, mestre e Doutora em Economia pela EPGE/FGV, Visiting Scholar em
Columbia, ex-secretária-Ajunta da SEAE/MF, ex-conselheira do Cade e
ex-secretária da Economia de Goiás, é professora, consultora e colunista do
Instituto Millenium.
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