Valor Econômico
A conta vai chegar e, em algum momento no
futuro, será preciso cortar despesas
Uma eventual mudança da meta de déficit
primário zero para 2024 estaria longe de ser o fim do mundo aos olhos dos
investidores, acreditam até mesmo os integrantes mais fiscalistas da área
econômica. Contudo, pontuam esses interlocutores, o governo precisaria ter
feito esse movimento antes e de maneira mais assertiva.
Uma questão central é como a decisão seria comunicada ao mercado. Em outras palavras, o ideal era ela ser acompanhada por uma mensagem, firme e transparente, de que o governo estaria assumindo o compromisso de reduzir despesas.
Mas esse é um cenário pouquíssimo provável.
Praticamente todos os dias o governo emana algum sinal de que trabalhará, isso
sim, para aumentar gastos e investimentos. Existe uma fixação no governo Lula
3, antecipada durante toda a campanha, de retomada do papel indutor do Estado
na geração de empregos e promoção do crescimento da economia. Não se pode falar
em estelionato eleitoral, a despeito da legítima preocupação de especialistas
com a trajetória das contas públicas.
Nessa terça-feira (29), por exemplo, o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva confirmou que pretende criar mais um
ministério, o 38º: vem aí a pasta da Pequena Empresa, das Cooperativas e dos
Empreendedores Individuais, cuja função primordial será viabilizar a reforma
ministerial discutida há meses. Não é algo barato.
Pode-se afirmar, também, que os indicados
do Centrão para a Esplanada não irão anunciar em seus discursos de posse nenhum
plano de contenção de despesas. Pelo contrário, assumirão com a missão de
acelerar a liberação de emendas parlamentares e turbinar seus partidos nas
próximas eleições municipais. Isso custa.
Diante desses fatos, e das dificuldades do
governo em aprovar no Parlamento medidas que elevem a arrecadação, o mercado
trabalha com um cenário bem diferente do que aquele desenhado pelo governo.
Segundo o Relatório Focus divulgado pelo Banco Central (BC) na segunda-feira,
por exemplo, a mediana das projeções dos economistas consultados é de um
déficit de 0,75% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2024. Um número bem distante
do “equilíbrio” que constará da proposta de lei orçamentária a ser enviada para
apreciação de deputados e senadores.
Nesse sentido, uma saída debatida nas
últimas semanas contemplava a fixação da meta de déficit primário do ano que
vem em 0,4% do PIB. Não seria o mundo ideal pintado pelo Ministério da Fazenda,
mas ainda assim haveria algum tipo de sinalização voltada a tentar ancorar as
expectativas no campo fiscal.
Porém, o que se viu nas últimas horas em
Brasília foi o oposto. Primeiro, circularam informações de que integrantes do
Executivo cogitavam alterar a meta de déficit primário zero para 2024, mas para
algo entre 0,5% e 0,75% do PIB. Na sequência, desenvolvimentistas do PT e do
governo passaram a argumentar mais abertamente que o plano de aumento de
receitas idealizado pela equipe econômica estava enfrentando severas
dificuldades no Congresso e, portanto, algo precisava ser feito para evitar que
investimentos públicos fossem sacrificados em um possível contingenciamento
orçamentário no futuro.
Coube ao próprio ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, sair a público para negar uma mudança de rota. Afinal, o
desmantelamento da estrutura da proposta de Orçamento horas antes de expirar o
prazo de envio da peça ao Congresso inevitavelmente geraria dúvidas em relação
ao respaldo dado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao chefe da equipe
econômica.
É grande a pressão sobre o ministro da
Fazenda para que o crescimento da economia supere 2% no ano que vem, quiçá
ultrapasse o patamar de 2,5% e beire os 3%. Atualmente, a mediana das
expectativas de mercado está em 1,33%, de acordo com o Focus.
Entre integrantes da ala política, circulam
pesquisas de opinião segundo as quais menos da metade da população já percebe
alguma melhora na situação financeira familiar. Por outro lado, existe uma
expectativa majoritária na população de que o cenário econômico irá melhorar
nos próximos meses. E esse sentimento não pode piorar, afirmam integrantes da
ala política, pois é inevitável que o eleitor compare a situação do Brasil
atual com aquela vivida nos dois primeiros mandatos do petista.
Nas últimas semanas, o governo enfrentou
dificuldades para aprovar o marco fiscal em um formato que ampliaria o manejo
do Orçamento do ano que vem em mais de R$ 30 bilhões. Ainda assim, o sinal
emanado da capital federal é que mesmo com o novo arcabouço as despesas terão
crescimento real em 2023 e 2024, num ritmo três vezes maior que o restante do
mundo emergente e da América Latina.
Some-se a isso o alerta feito no Congresso
de que esta legislatura terá dificuldades de aprovar medidas impulsionadas pelo
discurso de que está em curso uma batalha tributária travada entre ricos e
pobres. A conta vai chegar e, em algum momento no futuro, será preciso cortar
despesas. É nesse contexto que se vê uma crescente defesa, no Congresso e no
setor privado, da reforma administrativa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário