Congresso assume protagonismo na agenda
nacional
O Globo
Apesar de senões no Orçamento e na pauta
ambiental, avanço econômico revela compromisso com o país
Tem sido notável o protagonismo do Congresso
na condução da agenda nacional ao longo dos últimos anos, sobretudo no campo
econômico. Se outrora todos olhavam para o Executivo como força condutora das
transformações, esse papel foi progressivamente partilhado com um Legislativo
cioso de seu compromisso com o país. O movimento começou no governo Michel
Temer, com destaque para a reforma trabalhista, se consolidou na gestão Jair
Bolsonaro, com a reforma da Previdência, e alcançou um marco simbólico na promulgação
da reforma
tributária, que reuniu os presidentes da República, Luiz
Inácio Lula da
Silva; do Senado, Rodrigo
Pacheco (PSD-MG); da Câmara, Arthur Lira (PP-AL);
e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso.
A aprovação, um dos atos derradeiros em meio ao esforço de fim de ano, é a maior evidência de como o Legislativo não tem evitado encarar temas difíceis e promover reformas necessárias. A tributária vinha sendo discutida havia quase quatro décadas sem que se chegasse a consenso. É verdade que o texto aprovado não é perfeito e que ainda há um longo caminho para regulamentar tudo. Mas o país enfim conseguiu encontrar um rumo para modernizar o caótico sistema tributário que penaliza empresas, atormenta contribuintes e degrada o ambiente de negócios.
O feito é singular também porque o Parlamento
se uniu em torno de um objetivo comum, fato raro nestes tempos de polarização.
Deputados e senadores souberam pôr os interesses do país acima das diferenças
ideológicas. Não faltará quem reivindique para si o sucesso da empreitada, que
certamente teria sido impossível sem a determinação do ministro da Fazenda,
Fernando Haddad. Mas o papel de Lira, de Pacheco e dos demais congressistas foi
fundamental. Não há como deixar de reconhecer o esforço coletivo necessário
para promover uma mudança que vinha amadurecendo havia anos — mas todos os
governos anteriores haviam preferido deixar para depois.
A reforma tributária não foi o único episódio
recente em que os parlamentares agiram com espírito republicano, sintonizados
com os anseios do país. O Parlamento soube conter os exageros que a própria
bancada governista queria instaurar no novo arcabouço fiscal defendido por
Haddad e, novamente alinhado com o Ministério da Fazenda, aprovou uma regra que
— ainda que inferior ao teto de gastos — foi recebida com alívio pelo mercado,
como sinal de compromisso com o controle da dívida pública. Ainda nesse capítulo,
o Congresso tratou de aprovar em seu esforço de fim de ano uma série de medidas
que a Fazenda julga necessárias para cumprir a meta de zerar o déficit fiscal
no ano que vem. Vale registrar, ainda, a aprovação do projeto que regulamenta
as apostas esportivas e os jogos on-line no país, com que a Fazenda estima
arrecadar cerca de R$ 2 bilhões em 2024.
O Legislativo também se encarregou de
desarmar iniciativas do governo Lula que trariam danos evidentes à economia. Na
tentativa de beneficiar concessionárias estaduais, o Executivo tentou mudar
trechos do Novo Marco do Saneamento Básico aprovado no Congresso, importante
conquista da sociedade para alcançar as metas de universalização dos serviços
até 2033. Teve de voltar atrás ao vislumbrar iminente derrota no Senado, onde
se articulava um projeto de decreto legislativo para anular os efeitos da
mudança. Em dezembro, os parlamentares derrubaram o veto de Lula ao projeto que
prorroga até 2027 a desoneração da folha salarial de 17 setores da economia que
mais empregam, evitando pôr em risco emprego e renda, num momento em que o país
colhe avanços em ambos.
A diligência do Legislativo não está,
contudo, à prova de críticas. Também houve momentos em que o Congresso preferiu
privilegiar interesses paroquiais ou ceder a grupos de pressão. Nenhum exemplo
é mais eloquente que a aprovação de um Orçamento para 2024 repleto de
distorções. A começar pelo valor recorde para emendas parlamentares (R$ 53
bilhões) e pela definição de regras que obrigam o pagamento de acordo com o
interesse eleitoral dos congressistas. As emendas privilegiam critérios
políticos em detrimento dos técnicos, deterioram a qualidade do gasto e das
políticas públicas. Para piorar, os senadores e deputados ainda inflaram o
fundo eleitoral de 2024 para quase R$ 5 bilhões, o dobro do valor de 2020 (R$
2,5 bilhões em valores corrigidos) e o quíntuplo do estipulado pelo governo (R$
939 milhões).
A pauta ambiental tem sido outra fonte de
frustração no Legislativo. Os parlamentares parecem ter pouca consciência da
relevância da preservação das florestas e da urgência na redução das emissões
dos gases de efeito estufa. Só isso explica que, na semana passada, a Câmara
tenha introduzido, no projeto que regulamenta o mercado de carbono no Brasil,
mudanças que obrigarão o Senado a reexaminá-lo, retardando sua implementação.
Teria sido mais produtivo aprová-lo, ainda que com imperfeições, para acelerar
a cultura da negociação de créditos de carbono, essencial para o Brasil cumprir
as metas do Acordo de Paris.
Tudo somado, é positivo o saldo do Congresso em 2023. Não só em termos de produtividade — o volume de trabalho neste segundo semestre impressiona —, mas também pela relevância das propostas aprovadas. A agenda econômica, vitrine desse esforço, revela que, mesmo nos projetos mais complexos, é possível alcançar um consenso democrático. Fica claro que, a despeito da polarização política, o Brasil avança em temas prioritários.
Com urgência climática, país tem de regular
mercado de carbono
Valor Econômico
Sem o mercado regulado, a descarbonização
andará bem mais lentamente do que exige a urgência climática
As mudanças introduzidas pela Câmara dos
Deputados no projeto de lei que cria um mercado de carbono regulado no Brasil
frustraram a expectativa de que a legislação saísse do papel ainda neste ano.
Agora, a proposta terá que voltar ao Senado e será votada em 2024. A regulação
do mercado de carbono vai ser um passo importante para preservar as áreas
florestais, combater o desmatamento e a degradação das áreas verdes, ajudar a
enfrentar as restrições comerciais da União Europeia a produtos brasileiros por
conta da suspeita de procedência e criar fonte de receita para incentivar a
defesa do ambiente.
Após 10 anos de discussão, o Senado aprovou
no fim de outubro o PL 412/22, que criou o Sistema Brasileiro de Comércio de
Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), inspirado no modelo de “cap and
trade”, adotado em muitos outros países, que define o limite de emissão de
poluentes e a comercialização de créditos de carbono para a compensação.
O projeto de lei foi então para a Câmara,
onde o relator, o deputado Aliel Machado (PV-PR), acrescentou outras medidas,
constituindo o PL 2148/15, aprovado na quinta-feira por 299 votos a favor e 103
contra. Como nessa manobra houve mudanças, o texto volta ao Senado. Se lá
houver alterações, ainda retorna à Câmara.
A expectativa do governo e do presidente da
Câmara, Arthur Lira, era que o projeto tivesse sido aprovado a tempo da COP28,
encerrada a 12 dezembro, em Dubai. O texto fazia parte da pauta de
sustentabilidade aprovada neste ano, que inclui a exploração de energia eólica
no mar e a produção de hidrogênio verde. Agora, a torcida é que entre em vigor
a tempo da COP30, que será realizada no Brasil, em 2025.
O projeto de lei aprovado na Câmara mantém a
criação do SBCE e o modelo de “cap and trade”, pelo qual empresas que emitem de
10 mil a 25 mil toneladas de carbono equivalente por ano devem fazer um plano
de monitoramento e enviar relatório anual ao Sistema. Acima de 25 mil toneladas
anuais é preciso adotar medidas para reduzir emissões ou adquirir os créditos
compensatórios.
Os créditos serão originados de atividades
que favorecem o ambiente: recomposição, manutenção e conservação de áreas de
preservação permanente (APPs), de reserva legal ou de uso restrito e de
unidades de conservação; de unidades de conservação integral ou de uso
sustentável com plano de manejo; e de projetos de assentamentos da reforma
agrária. Um ponto importante a ser cuidado pelos legisladores é a credibilidade
dos créditos gerados, tema debatido na COP28.
Nas discussões finais foi incluída a previsão
de compensação ambiental de emissão de gases por veículos automotores, com a
compra de créditos de carbono pelos proprietários de veículos, uma exigência
absurda que não é feita pelos países que estão na vanguarda da luta contra o
aquecimento.
Um ponto polêmico para os ambientalistas foi
a exclusão da agropecuária da obrigatoriedade de se submeter aos limites de
emissão de carbono, vantagem que já havia sido garantida pelo Senado.
Calcula-se que a agropecuária é responsável por um quarto das emissões
brasileiras, e o desmatamento, uma das principais causas, responde por quase
metade das emissões. No entanto, a agropecuária está fora também da grande
maioria dos sistemas adotados no exterior. O relator acolheu pedido da Frente
Parlamentar Agropecuária para excluir da regulação setores do agronegócio, como
a produção de insumos ou matérias-primas da atividade, por exemplo
fertilizantes.
O relator estendeu os efeitos da lei também a
mercados voluntários, como os existentes em vários Estados, que hoje podem
receber créditos por projetos de preservação em seus territórios, o que não
estava previsto na proposta do Senado. O tema chegou a paralisar
temporariamente a votação porque o relator queria estabelecer que os Estados só
poderiam vender créditos de carbono gerados em terras públicas, mas
governadores da Amazônia não concordaram.
O fato é que já existe um mercado voluntário
ativo; e muitas empresas vêm fazendo seus relatórios anuais de emissões por
pressão dos acionistas, do mercado financeiro e para antecipar como podem ser
atingidas pela nova regulamentação. A Microsoft vai comprar 1,5 milhão de
créditos de remoção de carbono até 2032 da startup Mombak Gestora de Recursos,
que está plantando mais de 100 espécies de árvores nativas em terras agrícolas
desmatadas na Amazônia. O governo do Pará vai lançar até o fim do primeiro trimestre
do ano que vem o edital de concessão para reflorestamento de uma das áreas de
proteção ambiental mais ameaçada pelo desmatamento da Amazônia, a Triunfo do
Xingu, no sudeste do Estado.
Há mais falhas: preservação de APAs e de reserva legal são obrigações exigidas por lei, e não poderiam ser usadas no mercado, que premia esforços adicionais para conter emissões. Esses erros podem ser corrigidos pelo Senado, que deveria colocar regras límpidas sobre as relações do mercado regulado com o voluntário. E, se o Senado corrigir os erros, a Câmara, tendo tomado para si a palavra final, não deve insistir neles. Sem o mercado regulado, a descarbonização andará bem mais lentamente do que exige a urgência climática.
Apetites moderados
Folha de S. Paulo
Pautas da direita e da esquerda se mexem
devagar, o que pode incentivar diálogo
A legislação e a jurisprudência brasileiras
eximem de punição o aborto realizado em fetos anencéfalos ou gerados por
estupro. Tampouco há pena para a interrupção de gravidez que ameace a vida da
mãe.
Há no país quem, como esta Folha,
considere esses casos ainda restritivos demais e desalinhados do direito da
mulher de dispor de seu próprio corpo. Também existem os grupos que julgam
excessivamente liberais as regras vigentes e propugnam por apertá-las.
Para o alívio de uns e a frustração de
outros, e vice-versa, a depender do vetor da notícia, a inércia
político-institucional do Brasil tem dificultado bastante seja a
flexibilização, seja o endurecimento da lei.
Não foi por outra razão que o presidente do
Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, decidiu
não pautar já a ação que poderia descriminalizar até determinado prazo de
gravidez todos os abortos, a despeito da motivação. A reação na
sociedade e no Congresso Nacional seria duríssima.
Essa espécie de moderador do apetite político
vale em geral para os demais temas da chamada pauta de costumes. Ela raramente
dá ensejo a uma nova legislação ou súmula judicial. Nas poucas vezes em que a
barreira é rompida, a mudança tende a ser modesta.
Registre-se, a propósito, a fraca produção
legislativa da nova direita brasileira nesse capítulo. O movimento logrou
eleger o presidente da República em 2018 e multiplicar sua bancada parlamentar
em 2022, mas nada de
relevante aprovou de sua agenda retrógrada de valores.
A gritaria contra direitos de minorias e pelo
armamentismo tem ficado restrita a comissões temáticas da Câmara. O centrão
reprimiu a ascensão ao plenário de proposições dessa natureza, repetindo no
primeiro ano da gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT) o que fizera na quadra de
Jair Bolsonaro (PL).
A força que inibe conversões radicais na
política também pode
atuar no outro polo do espectro ideológico. Grupos de esquerda que
dão primazia a identidades baseadas em gênero, cor e orientação sexual viram-se
contrariados por nomeações de Lula no Executivo, Judiciário e Ministério
Público.
Por mais exasperante que a tendência à
manutenção do statu quo possa parecer aos militantes, ela age ao mesmo tempo
como um desestimulador dos atalhos —perigosos na política— e um incentivo à
tarefa de convencer os não convertidos, o que requer abertura ao diálogo e à
negociação.
Diálogo e negociação têm sido mais frequentes
na economia, a ponto de este mesmo Congresso ter aprovado a reforma tributária,
superando um impasse de décadas. Nada impede que outros temas possam avançar
pelo método do debate e do compromisso.
Carga pesada
Folha de S. Paulo
Investigação escassa sobre roubos a caminhões
em SP é prejuízo social e econômico
Estima-se que cerca de 75% das mercadorias
que circulam no Brasil sejam escoadas por meio da malha rodoviária —não há
paralelo entre as maiores economias globais. Num país de dimensões
continentais, não raro com patrulhamento insuficiente nas estradas, o roubo de
carga tornou-se alvo fácil de quadrilhas especializadas.
Além de contribuir para o aumento da violência e
da insegurança nas regiões afetadas, o delito impacta diretamente a economia formal,
com prejuízos financeiros e logísticos para empresas, que são obrigadas a
investir em escoltas armadas e, por vezes, a elevar o preço do produto ao
consumidor.
A atividade criminosa teve queda de 4,4% em
2022, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, mas ainda assim foram
contabilizados mais de 13 mil roubos, quase a metade em São Paulo.
Pois é justamente no estado líder em
ocorrências do tipo —e onde pelo menos 20% dos fretes nacionais têm a sua
origem ou destino— que pouco se
investigam os ataques a caminhões e carretas.
De acordo com dados da Secretaria da
Segurança Pública paulista, foram 4.424 roubos de carga de janeiro a setembro
deste ano, mas apenas 494 inquéritos foram instaurados. Conclui-se, portanto,
que apenas 11,2% dos casos são apurados formalmente pela polícia.
Apenas um motorista dos Correios relatou
à Folha que foi assaltado 25 vezes; em uma delas, acabou espancado.
Com uma coleção de boletins de ocorrência em mãos, ele disse ter notícia da
elucidação de apenas uma das investidas.
Um delegado especializado chegou a declarar
em palestra que 70% dos roubos de carga são falsos registros. Numa fraude
batizada de "chave na mão", motoristas se aliam aos criminosos para o
desvio da carga e, depois, registram a ocorrência como se fossem vítimas. O
alto percentual é refutado por especialistas do setor e representantes de
caminhoneiros.
De uma forma ou de outra, espanta saber que,
no estado que dispõe da maior e mais equipada força policial, apenas 1 em cada
10 roubos de carga é agraciado com o devido processo investigatório.
Diante do equívoco
histórico de negligenciar o modal ferroviário, ainda mais em país
exportador de commodities, resta às autoridades investir pesado em tecnologias
de rastreio, parcerias com transportadoras e Polícia Rodoviária e inteligência
para identificar os receptadores dos produtos roubados.
Estado de eleição permanente
O Estado de S. Paulo
Pesquisas recentes reafirmam a cristalização
da polarização entre petistas e bolsonaristas e a importância de líderes que se
dediquem a deslegitimar a intolerância na política
Duas pesquisas divulgadas recentemente
registraram o mesmo patamar de solidez das preferências do eleitorado em
relação ao presidente Lula da Silva e ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Tanto o
Datafolha quanto a Quaest mostraram que a esmagadora maioria diz não ter se
arrependido do voto dado no 2.º turno de 2022 (90% segundo o Datafolha, 88% de
acordo com a Quaest). O Datafolha também reafirmou o tamanho de cada grupo
vinculado ao lulismo e ao bolsonarismo: 30% se identificam como petistas,
enquanto 25% se apresentam como bolsonaristas, mesmos índices registrados em
dezembro do ano passado. Até aí, os números garantem o mérito das duas
principais lideranças políticas do País e das forças que os apoiam. Goste-se ou
não, o fato é que ambos os polos vêm conseguindo galvanizar o eleitorado em
torno de si, calcificando as preferências a tal ponto que parece haver menos
chance de que eventos novos e até dramáticos possam mudar as escolhas das
pessoas nas urnas.
O problema, no entanto, vai muito além do que
ver um Brasil cindido ao meio. Questionar a polarização a que temos assistido
nos últimos anos não significa apenas pensar numa terceira via, buscar um
caminho do meio ou desejar uma suposta neutralidade diante dos polos mais
visíveis. Criticar a polarização não é nem mesmo negar a existência de polos ou
buscar eliminá-los. Despolarizar a política não significa esfriar o debate ou
desaquecer as diferenças; é mostrar que o problema começa quando liberdade e pluralidade
são sufocadas por uma mentalidade que deslegitima as diferenças e transforma os
adversários no próprio problema a ser combatido.
O perigo da preservação desses números em
torno de Lula e Bolsonaro, ou entre lulopetismo e bolsonarismo, é aquilo que os
acompanha e sustenta a vida dos extremos: cisão, dissolução de grupos, abalo ou
ruptura de amizades e relações, interdição de debates públicos e privados,
demonização do adversário. Diferenças políticas são saudáveis, e conflitos são
parte de uma democracia funcional. Mas não parece nada saudável que se repitam
gestos e atos tóxicos movidos por hostilidades, extremismos, disseminação ou acolhimento
de desinformação e discursos de ódio deformadores da realidade, ou simplesmente
a demonstração de incapacidade de lidar com diferenças.
Reconhecer os problemas da polarização parece
mais fácil, porém, do que identificar responsabilidades para esse estado de
coisas. E um papel fundamental para aprofundar ou conter as divisões nacionais
tem nome: liderança. Líderes populistas – como Lula, Bolsonaro ou Donald Trump,
que agora tenta voltar à presidência dos EUA – costumam recorrer a gatilhos da
polarização para manter suas bases mobilizadas e engajadas. Alimentam-se do
adversário. Estimulam a demonização e a deslegitimação do inimigo. Naturalizam
o ódio e a violência política, que passam a ser justificados e aceitos como
defesa à identidade pessoal e de grupo entre aqueles que os apoiam.
Elites políticas podem, ao contrário, ajudar
a moldar a visão dos grupos que os apoiam e legitimar as diferenças – sem que
isso se converta em redução do seu papel. Podem conter, e não ampliar, a
proliferação de discursos perigosos e comportamentos violentos. Tais atributos,
no entanto, têm faltado a boa parte das lideranças petistas e bolsonaristas.
Segundo a pesquisa Quaest, significativos 58% dos entrevistados afirmam, por
exemplo, que o presidente Lula ajudou a desunir o País (35%, algo próximo do seu
eleitorado mais fiel, acreditam que ele ajudou a unir). Entre os eleitores
bolsonaristas, previsivelmente 89% consideram que Lula ajudou a desunir. Mas,
quando presidente, era Bolsonaro um dos principais artífices da desunião. Em
outra pesquisa recente do mesmo instituto, mais da metade (54%) afirmou
conhecer alguém que já rompeu relações por causa da política. E quando
perguntados se se sentiam mal por ter rompido relações por esse motivo, nada
menos do que 75% afirmaram que não.
O Brasil está a um passo de virar um país da
intolerância política, tisnado pela sensação de que estamos diante de uma
eleição permanente – e uma eleição na qual o objetivo não é apenas vencer, mas
obliterar o adversário.
A indignidade do trabalho infantil
O Estado de S. Paulo
Quase 2 milhões de crianças e adolescentes
estavam expostos a atividades laborais danosas em 2022, um retrocesso
inaceitável que expõe a omissão do poder público em várias dimensões
Em sua mais recente pesquisa sobre o trabalho
infantil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) expôs a
cruel e vexaminosa omissão do poder público diante de uma parcela expressiva de
crianças e adolescentes. Mais de 1,9 milhão de brasileiros de 5 a 17 anos –
4,9% dessa faixa etária – exerceram atividades laborais em 2022, em prejuízo de
seu desenvolvimento, de sua saúde e de sua escolarização. Desse universo, 756
mil estavam sujeitos às “piores formas de trabalho”, proibidas desde 2008 pelo
Decreto 6.481. A estatística não poderia ser mais brutal e menos ofensiva ao
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Um único caso já seria motivo para
preocupação e alerta às autoridades públicas. Quase 2 milhões é uma ofensa de
múltiplas dimensões.
Os dados da Pnad Contínua do IBGE indicam a
debilidade da aplicação da legislação brasileira e a ausência de políticas
públicas efetivas para reverter acentuadamente um quadro que não condiz de
nenhuma maneira com um país que se pretende desenvolvido. Ao iniciar a
pesquisa, em 2016, o instituto constatou que 5,2% das crianças e adolescentes
trabalhavam em condições não autorizadas pela lei. Houve recuo lento e gradual
até 2019, quando esse universo baixou para 4,5% – ainda assim, inaceitável. Nos
dois anos de pandemia, as estatísticas foram suspensas. Uma vez retomadas,
verificou-se que, no último ano de mandato de Jair Bolsonaro, o Brasil
retrocedeu ao patamar de 2017.
Não chega a causar surpresa a piora do
trabalho infantil ao longo de uma gestão federal disruptiva tanto no
enfrentamento da crise sanitária como na redução de níveis de pobreza e de
desigualdade social e no impulso do ensino fundamental. A recente pesquisa do
IBGE, no entanto, expõe o grau extremo de irresponsabilidade social e de
desleixo bolsonarista com as futuras gerações. As provas estatísticas sobre o
trabalho infantil somam-se à sua extensa lista de afrontas ao interesse
nacional.
Nos detalhes, as estatísticas do IBGE revelam
um contexto ainda mais grave. Mostram que, de 2019 a 2022, enquanto a população
brasileira de 5 a 17 anos recuava 1,4%, mais 100 mil crianças e adolescentes,
em sua maioria pretos e pardos, foram incorporados ao mercado de trabalho ou a
atividades para consumo próprio – ambas não consentidas pela legislação. Dos
estudantes nessa faixa etária, 87,9% foram enquadrados no conceito aceito
internacionalmente de trabalho infantil. Receberam salários quase um terço menor
do que ganhavam aqueles que haviam concluído ou abandonado os estudos. Ou seja,
o mercado laboral para essa faixa incentiva a evasão escolar. Também replica os
costumes consagrados no mercado de trabalho dos adultos: meninas receberam
menos do que meninos; pretos e pardos, menos do que os brancos.
Igualmente avilta os direitos da criança e do
adolescente o fato de que 449 mil, na faixa entre 5 e 13 anos de idade,
exerceram atividades econômicas no ano passado e até mesmo as piores formas de
trabalho – todas proibidas, em razão dos sérios perigos envolvidos. É certo que
mais da metade dos brasileiros enquadrados nos critérios de trabalho infantil
está na faixa de 16 a 17 anos. Tampouco se esperaria desses 988 mil
adolescentes mais do que a conclusão do ensino médio, a possível adesão ao
programa Jovem Aprendiz e trabalhos domésticos sem riscos. Para a maioria
deles, no entanto, o caminho é outro: a informalidade, em geral longe da lei.
Pode-se até entender que parte das famílias
vulneráveis ainda veja suas crianças e adolescentes como pequenos adultos. Por
mais baixa que seja a idade, segundo essa lógica de sobrevivência, estariam
aptos a trazer os rendimentos de seu trabalho para o lar. Mas não há como
desculpar o poder público, a quem cabe adotar políticas públicas voltadas à
melhoria das condições de vida dos mais pobres e das perspectivas futuras das
atuais crianças e jovens brasileiros. Para crianças e adolescentes, não pode
haver brecha para o trabalho espúrio e ilegal. Apenas o digno caminho da
educação e da cidadania.
Lula detesta a realidade
O Estado de S. Paulo
OCDE mostra trajetória insustentável da
dívida brasileira, mas presidente da República rejeita ‘palpite’
Mesmo com a aprovação da reforma tributária e
com o novo arcabouço fiscal, dois triunfos alcançados em 2023 à custa de muito
esforço em direção a um equilíbrio mínimo das contas públicas, a trajetória da
dívida pública brasileira exibe viés de alta e pode levar a uma situação
“claramente insustentável”. Eis o importante alerta emitido recentemente pela
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), no seu
relatório bianual sobre a economia do País.
Apresentado no Ministério da Fazenda, o
relatório foi classificado como “muito bom” pelo secretário de Política
Econômica, Guilherme Mello, porque, em sua opinião, captou o esforço do governo
para recompor a base fiscal e, assim, estabilizar a trajetória da dívida. Já o
presidente Lula da Silva, na sua parolagem semanal na internet, se disse “muito
irritado” com o relatório e criticou o que chamou de “palpite” da entidade,
reconhecida pela seriedade de seus estudos. Logo se vê que Lula e seu
Ministério da Fazenda não estão falando a mesma língua.
Lula não gostou do relatório porque a OCDE
mostrou que a dívida pública não só segue elevada na comparação com outras
economias emergentes, como vai beirar os 90% do PIB em pouco mais de 20 anos –
e será ainda pior em caso de menor consolidação fiscal. O descumprimento das
metas fiscais – desprezadas explicitamente por Lula – pode levar o País a uma
trajetória insustentável da dívida, alcançando 100% já em 2037. Não custa
repetir: 100% do PIB.
Uma dívida de tal tamanho tem pouco paralelo
entre países emergentes. O setor público gasta algo em torno de 40% do PIB, um
dos maiores patamares do planeta. Há um desconhecimento na Esplanada dos
Ministérios sobre os grandes desequilíbrios que em algum momento precisarão ser
encarados. E, como lembrou recentemente o ex-presidente do Banco Central
Armínio Fraga, as metas são apertadas para cumprir e, ao mesmo tempo, não
deixam margem de segurança. Se com a reforma tributária houve avanços na coluna
da arrecadação, o governo ainda deve muito no controle de gastos. Para não
falar do mais perturbador: os sucessivos ataques lulopetistas à racionalidade
do controle das contas públicas e a pregação ilusória e irresponsável de que
gasto é vida.
Lula parece não ter percebido que, apesar dos
recentes esforços da equipe econômica, está construindo uma herança difícil
para seu sucessor – que pode ser ele mesmo, diga-se. Não é exagero pensar que o
próximo mandato enfrentará a necessidade, por sobrevivência da economia, de uma
agenda fiscal pesadíssima por quatro anos. Foi o que aconteceu no segundo
mandato de Fernando Henrique Cardoso. A diferença é que, em 2003, FHC entregou
a Lula um superávit primário estrutural em torno de 3% do PIB. Hoje temos um déficit
estrutural na casa de 1%.
Adotar políticas responsáveis e, mais do que isso, pensar em reformas estruturais são dois dos principais lenitivos para conter o descontrole da dívida. Mas, para tanto, o governo precisa conter o descontrole da sua mentalidade expansionista.
Segurança digital em risco
Correio Braziliense
Enquanto a LGPD estabeleceu princípios gerais
de proteção de dados, ela não abordou as complexidades específicas das
interações on-line e as particularidades das redes sociais
Promulgada em 2018, a Lei Geral de Proteção
de Dados (LGPD) surgiu como uma medida para proteger as informações sensíveis
das pessoas e aumentar a segurança nos ambientes digitais. Cinco anos depois,
porém, não foi possível ainda perceber uma melhoria na privacidade e na
confiabilidade dos serviços on-line. Pelo contrário. A sensação é de que a
vulnerabilidade e os golpes só aumentaram. Que o diga a primeira-dama,
Rosângela Lula da Silva, a Janja, que teve as contas pessoais invadidas no
último dia 11. No X, antigo Twitter, foram feitas diversas publicações de cunho
ofensivo contra ela, contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e contra o
ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes.
O autor da invasão foi um adolescente de 17
anos, que afirmou, em depoimento à Polícia Federal, que também acessou o e-mail
e o perfil no LinkedIn de Janja. Durante uma edição do programa Conversa com o
presidente, na última semana, a primeira-dama criticou o bilionário Elon Musk,
proprietário do X, lamentou a demora na tomada de providências pela rede social
e sugeriu que o governo precisa não só regulamentar a atuação dessas empresas,
mas também o meio como elas se financiam.
O cerne do problema reside justamente na
ausência de uma regulamentação específica para plataformas digitais e redes
sociais. Enquanto a LGPD estabeleceu princípios gerais de proteção de dados,
ela não abordou as complexidades específicas das interações on-line e as
particularidades das redes sociais. O modelo atual mostra-se inadequado para
lidar com os desafios únicos apresentados por essas plataformas, o que cria
brechas significativas na segurança cibernética.
A situação também abre espaço para ações como
a da plataforma de apostas Blaze. Ela oferece jogos de azar que se tornaram
populares pela divulgação de influencers digitais, mas não tem representação
nenhuma no país — ou seja, flutua acima das leis locais, cometendo um crime
evidente e escapando com relativa tranquilidade de qualquer punição.
Por isso, é fundamental que o país discuta
uma legislação específica para plataformas digitais e redes sociais. Essas
medidas devem não apenas reforçar os princípios da LGPD, mas também adaptar-se
à dinâmica e à natureza das interações digitais. Além disso, é urgente a
inclusão, nesse debate, de medidas robustas de segurança cibernética, com a
responsabilização das plataformas e das redes sociais pelos crimes cometidos
por meio delas.
Afinal, a exposição descontrolada de dados
pessoais não apenas compromete a privacidade individual, mas também alimenta um
mercado clandestino de informações. A venda ilegal de dados tornou-se uma
indústria lucrativa para criminosos, ampliando os riscos e agravando as
consequências das invasões. Uma regulamentação direcionada pode desempenhar um
papel crucial na contenção dessas práticas, impondo sanções mais severas e
medidas preventivas específicas.
Outros países e territórios avançaram nesse debate. Na União Europeia, regulamentações são fiscalizadas por uma agência criada exclusivamente para monitorar o ambiente digital e exige-se, cada vez mais, transparência das big techs — como são chamadas as gigantes da tecnologia — sobre os dados coletados e eventuais vazamentos ou brechas. Estados Unidos e China também discutem avanços em suas legislações. É preciso que sociedade, governo e empresas se engajem em uma conversa necessária e urgente para formular novas regras que sejam boas para todos — principalmente para as pessoas que usam essas plataformas.
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