quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

Fernando Exman - Criação de ministério só se for para afagar aliado

Valor Econômico

Crise de insegurança é democrática, alcança ricos e pobres

Milhões de brasileiros celebravam o Natal, quando surgiu, por volta das 22h30 do domingo (24), a notícia de que o líder da maior milícia do Rio de Janeiro havia se entregado para a Polícia Federal. Estava preso, finalmente, Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho.

Um presente para os que haviam perdido as esperanças de que seria cumprido pelo menos um dos 12 mandados de prisão contra ele. Já para as autoridades federais, o episódio foi uma oportunidade para mostrar ações concretas no combate ao crime organizado.

Há uma estratégia de comunicação em curso. Duas horas antes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estava em rede nacional de rádio e TV para passar sua mensagem de fim de ano. “Aumentamos os investimentos em saúde e educação, e estamos apoiando os Estados no combate ao crime organizado. Além de armamento pesado, apreendemos R$ 6 bilhões de reais em bens do narcotráfico, entre dinheiro vivo, apartamentos, mansões, automóveis de luxo e até aviões e helicópteros”, disse, logo no início do pronunciamento.

Mas Lula precisará continuar dando explicações. O sentimento de insegurança é presente em todas as regiões. As mais recentes pesquisas de avaliação de governo mostram a insatisfação da população com os serviços prestados pelo Estado nesse campo.

Não cola mais o argumento segundo o qual a segurança pública é um problema dos Estados e das prefeituras. Esse tema receberá atenção dos eleitores na campanha municipal de 2024, sim, porém Lula permanecerá exposto às cobranças.

Segundo o Datafolha, a saúde é o tema que traz maior preocupação dos brasileiros entre as áreas que são consideradas sob responsabilidade do governo federal. Em setembro, 17% dos entrevistados diziam estar preocupados com a saúde. O percentual subiu para 23% em dezembro. Mas, na sequência, três temas semelhantes ficam em segundo lugar na lista, com 17% das respostas: segurança pública, violência e polícia.

Ainda de acordo com o instituto, 50% avaliam como ruim e péssima a gestão Lula na segurança, frente a 29% que a consideram regular e 20% ótima ou boa. As ações da administração Jair Bolsonaro (PL) eram aprovadas por 27% neste mesmo período de 2019, primeiro ano de mandato.

Quem está à frente dessa área no governo sabe que é grande o desafio. Desde a transição, um intenso debate interno no Executivo se instalou sobre a abordagem que deveria ser adotada, uma vez que Lula disse durante a campanha eleitoral que iria recriar o Ministério da Segurança Pública. Optou-se por ignorar essa promessa, mas, por outro lado, evitar o discurso de que a segurança pública é um problema dos Estados.

Em paralelo, o Ministério da Justiça e Segurança Pública intensificou os esforços de coordenação nacional no combate às facções. Um exemplo é a estruturação pela Polícia Federal do Grupo de Investigação de Casos Sensíveis (Gise), que tem um trabalho de combate ao crime organizado e é citado como um dos grupos responsáveis pela prisão de Zinho.

Fontes do governo também destacam a expansão dos trabalhos da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (Ficco), cuja missão é combater em conjunto com os Estados, sob a coordenação da PF, a prática de ilícitos como o tráfico de drogas, armas, assaltos e homicídios praticados por organizações criminosas.

As forças federais têm aumentado a fiscalização de portos. As apreensões de drogas nos navios são medidas em toneladas e não são de quilogramas, como as de aeroportos. O intuito é tirar o dinheiro das facções, inclusive em criptomoedas.

Há problemas na interlocução com secretários de Segurança de Estados governados pela oposição, queixam-se autoridades da administração federal. Elas reconhecem, também, que essas não são soluções definitivas para um problema estrutural. Mas, ao menos, o argumento é que se começou a dar à segurança o mesmo tratamento da saúde.

“É a lógica do SUS [Sistema Único de Saúde], de que saúde é de todo mundo. Ou seja, segurança é de todo mundo”, diz um ministro, citando todas as esferas do poder público.

O setor privado também tem a contribuir. Antes de deixar a pasta da Justiça e Segurança Pública para assumir uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Flávio Dino lançou o aplicativo que agiliza o bloqueio de aparelhos celulares furtados. A iniciativa é uma parceria com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), bancos e operadoras de telefonia para combater o maior crime patrimonial do país e que atinge todos os níveis sociais.

Este é, aliás, um ponto de atenção do governo. Diferentemente da prisão de Zinho, alguns resultados demorarão a ser percebidos pela sociedade. E a crise de insegurança é democrática, alcança ricos e pobres.

Há de se questionar o argumento de que a cisão do Ministério da Justiça e Segurança Pública transformaria o governo federal em destinatário preferencial das insatisfações da população. Não se viu preocupação semelhante quando outras pastas foram criadas apenas para acomodar partidos aliados.

 

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