Valor Econômico
Crise de insegurança é democrática, alcança
ricos e pobres
Milhões de brasileiros celebravam o Natal,
quando surgiu, por volta das 22h30 do domingo (24), a notícia de que o líder da
maior milícia do Rio de Janeiro havia se entregado para a Polícia Federal.
Estava preso, finalmente, Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho.
Um presente para os que haviam perdido as
esperanças de que seria cumprido pelo menos um dos 12 mandados de prisão contra
ele. Já para as autoridades federais, o episódio foi uma oportunidade para
mostrar ações concretas no combate ao crime organizado.
Há uma estratégia de comunicação em curso.
Duas horas antes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estava em rede
nacional de rádio e TV para passar sua mensagem de fim de ano. “Aumentamos os
investimentos em saúde e educação, e estamos apoiando os Estados no combate ao
crime organizado. Além de armamento pesado, apreendemos R$ 6 bilhões de reais
em bens do narcotráfico, entre dinheiro vivo, apartamentos, mansões, automóveis
de luxo e até aviões e helicópteros”, disse, logo no início do pronunciamento.
Mas Lula precisará continuar dando explicações. O sentimento de insegurança é presente em todas as regiões. As mais recentes pesquisas de avaliação de governo mostram a insatisfação da população com os serviços prestados pelo Estado nesse campo.
Não cola mais o argumento segundo o qual a
segurança pública é um problema dos Estados e das prefeituras. Esse tema
receberá atenção dos eleitores na campanha municipal de 2024, sim, porém Lula
permanecerá exposto às cobranças.
Segundo o Datafolha, a saúde é o tema que
traz maior preocupação dos brasileiros entre as áreas que são consideradas sob
responsabilidade do governo federal. Em setembro, 17% dos entrevistados diziam
estar preocupados com a saúde. O percentual subiu para 23% em dezembro. Mas, na
sequência, três temas semelhantes ficam em segundo lugar na lista, com 17% das
respostas: segurança pública, violência e polícia.
Ainda de acordo com o instituto, 50% avaliam
como ruim e péssima a gestão Lula na segurança, frente a 29% que a consideram
regular e 20% ótima ou boa. As ações da administração Jair Bolsonaro (PL) eram
aprovadas por 27% neste mesmo período de 2019, primeiro ano de mandato.
Quem está à frente dessa área no governo sabe
que é grande o desafio. Desde a transição, um intenso debate interno no
Executivo se instalou sobre a abordagem que deveria ser adotada, uma vez que
Lula disse durante a campanha eleitoral que iria recriar o Ministério da
Segurança Pública. Optou-se por ignorar essa promessa, mas, por outro lado,
evitar o discurso de que a segurança pública é um problema dos Estados.
Em paralelo, o Ministério da Justiça e
Segurança Pública intensificou os esforços de coordenação nacional no combate
às facções. Um exemplo é a estruturação pela Polícia Federal do Grupo de
Investigação de Casos Sensíveis (Gise), que tem um trabalho de combate ao crime
organizado e é citado como um dos grupos responsáveis pela prisão de Zinho.
Fontes do governo também destacam a expansão
dos trabalhos da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (Ficco), cuja
missão é combater em conjunto com os Estados, sob a coordenação da PF, a
prática de ilícitos como o tráfico de drogas, armas, assaltos e homicídios
praticados por organizações criminosas.
As forças federais têm aumentado a
fiscalização de portos. As apreensões de drogas nos navios são medidas em
toneladas e não são de quilogramas, como as de aeroportos. O intuito é tirar o
dinheiro das facções, inclusive em criptomoedas.
Há problemas na interlocução com secretários
de Segurança de Estados governados pela oposição, queixam-se autoridades da
administração federal. Elas reconhecem, também, que essas não são soluções
definitivas para um problema estrutural. Mas, ao menos, o argumento é que se
começou a dar à segurança o mesmo tratamento da saúde.
“É a lógica do SUS [Sistema Único de Saúde],
de que saúde é de todo mundo. Ou seja, segurança é de todo mundo”, diz um
ministro, citando todas as esferas do poder público.
O setor privado também tem a contribuir.
Antes de deixar a pasta da Justiça e Segurança Pública para assumir uma cadeira
no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Flávio Dino lançou o aplicativo
que agiliza o bloqueio de aparelhos celulares furtados. A iniciativa é uma
parceria com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), bancos e
operadoras de telefonia para combater o maior crime patrimonial do país e que
atinge todos os níveis sociais.
Este é, aliás, um ponto de atenção do
governo. Diferentemente da prisão de Zinho, alguns resultados demorarão a ser
percebidos pela sociedade. E a crise de insegurança é democrática, alcança
ricos e pobres.
Há de se questionar o argumento de que a
cisão do Ministério da Justiça e Segurança Pública transformaria o governo
federal em destinatário preferencial das insatisfações da população. Não se viu
preocupação semelhante quando outras pastas foram criadas apenas para acomodar
partidos aliados.
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