Correio Braziliense
O Brasil precisa de uma agenda de proteção ao
Estado Democrático de Direito. Um norteador de ações nos Três Poderes da
República que responda aos novos paradigmas que vivemos. E estamos atrasados
No evento de lançamento do programa para
pessoas em situação de rua, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral,
ministro Alexandre de Moraes, foi ovacionado com gritos de "Xandão!".
Coro que foi rapidamente sucedido por outro que dizia "Sem anistia!".
Este último já havia sido entoado durante o discurso de outro presidente —
dessa vez, o da República, em sua posse no primeiro dia do ano —, mas sofreu
uma mudança de alvo frente ao protagonismo de outras lideranças no combate aos
ataques à democracia.
Se por um lado o presidente Lula disse no 8 de janeiro que o governo não daria trégua na investigação dos atos golpistas, bastou a nova legislatura do Congresso ser empossada para que as prioridades mudassem. Houve uma grande movimentação para o convencimento de deputados e senadores de que uma Comissão Parlamentar de Inquérito não seria a melhor alternativa para a investigação dos ataques. Lideranças parlamentares ligadas ao Planalto chegaram a dizer que a instalação de uma CPI iria na contramão do que acabara de ser concretizado — a recondução do Presidente, se referindo, dessa vez, a Arthur Lira. E, infelizmente, a avaliação não se mostrou equivocada.
A partir dessas considerações, em fevereiro
deste ano, o direcionamento se voltou em torno da consolidação de uma dita
"normalidade democrática", em que as negociações entre a coalizão de
forças no Legislativo e a responsabilização dos presos nos ataques aos prédios
dos Três Poderes, no Judiciário, poderiam ser lidas como sinais de uma boa
resposta para o flerte com o autoritarismo que havíamos vivido. Nada poderia
simbolizar melhor esse momento do que o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro,
relançar seu álbum de MPB nas plataformas de streaming poucos dias depois de
uma operação da Polícia Federal realizar buscas na casa de membros da elite do
Exército. Prioridades em meio à calmaria democrática.
Evidentemente, podemos citar uma série de
ações tomadas pelo governo federal como medidas para o combate às ameaças
autoritárias, tais como: a articulação, mesmo que tardia, para formar uma
maioria na CPMI dos atos golpistas, a criação da Procuradoria Nacional em
Defesa da Democracia na AGU e a criação da Comissão de Direitos e Democracia no
Conselhão. Medidas importantes e concretizadas já no primeiro ano de governo.
Entretanto, o governo federal não pode se furtar em ser protagonista na defesa
da democracia.
O presidente também anunciou, recentemente,
que gostaria de fazer um grande ato no próximo dia 8 de janeiro com
governadores, parlamentares e empresários. Há um risco muito grande de que a
foto desse ato tenha o mesmo perfil masculino e branco que vem se repetindo em
outros eventos. Sem a participação da sociedade civil e a apresentação de uma
agenda contundente de defesa da democracia, o primeiro aniversário da tentativa
de golpe pode virar uma caricatura dos modelos de mobilização política que têm
falhado nos últimos anos: uma câmara de eco sem representatividade e nem
respostas aos desafios que enfrentamos.
O Brasil precisa de uma agenda de proteção ao
Estado Democrático de Direito. Um norteador de ações nos Três Poderes da
República que responda aos novos paradigmas que vivemos. E estamos atrasados.
As eleições de 2022 foram um plebiscito entre a democracia e o autoritarismo. A
democracia venceu por muito pouco e por meio de uma grande mobilização
envolvendo toda a sociedade civil. O que demonstra que a democracia resistiu,
mas existem fissuras.
Desse modo, precisa imperar em todas as áreas
de atuação do governo a proteção e o aprimoramento do sistema democrático. A
união e a reconstrução se darão a partir da soma de esforços dos poderes
constituídos, da cooperação da sociedade civil e da imprensa. Ainda há tempo e
vontade política para a construção e implementação da agenda permanente pela
democracia. Parte considerável do eleitorado espera essa mudança institucional,
que é necessária para a manutenção do Estado Democrático de Direito. A resposta
aos gritos por justiça não pode ser taciturna. O Brasil voltou, mas os perigos
do autoritarismo nunca foram embora.
* Arthur Mello é coordenador de advocacy
do Pacto pela Democracia
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