quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

Lu Aiko Otta - Vitória do ano é volta à normalidade, diz Haddad

Valor Econômico

Avanço do país rumo à normalidade institucional foi vitória maior do que a longa lista de propostas aprovadas no Congresso, segundo ministro

“Estou precisando cortar o cabelo”, brincou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na manhã da última sexta-feira. Foi uma forma de expressar como havia sido intensa a rotina dos dias anteriores, no esforço de aprovar propostas até o último minuto antes do início do recesso do Legislativo.

O ministro da Fazenda estimou que, naquela semana, havia telefonado para “uns 40” senadores para explicar a Medida Provisória (MP) 1.185, a das subvenções, com a qual pretende reforçar o caixa em R$ 35 bilhões no ano que vem. São recursos decisivos para o objetivo de alcançar o déficit zero nas contas públicas em 2024.

Depois que a medida provisória foi aprovada, na quarta-feira (20), alguns especialistas refizeram suas projeções para o resultado fiscal do ano que vem, comentou e repetiu Haddad com uma ponta de satisfação. Não contavam que passaria.

A negociação da MP foi tão difícil que não deixou tempo para celebrar a promulgação da reforma tributária, possivelmente o maior feito econômico deste mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. Logo após a cerimônia, Haddad e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), saíram às pressas para se reunir. Pouco depois, o ministro estava no plenário do Senado ajudando nas articulações finais.

Havia discussões sobre pontos técnicos, mas um negociador que trabalhou contra a MP comentava que a motivação para a resistência era outra: senadores queriam a liberação de mais recursos de suas emendas ao Orçamento.

A aprovação da MP 1.185, por difícil e importante que tenha sido, não é o principal saldo do ano, na visão do ministro.

Para ele, a grande vitória de 2023 é o avanço do país rumo à normalidade institucional. Mais do que a longa lista de propostas aprovadas no Congresso, que buscam modernizar a economia, ele considera que a marca deste ano foi a reconstrução de pontes. “Termino o ano olhando para trás e dizendo: poxa vida, nós avançamos.”

Nunca será demais lembrar que na véspera do Natal de 2022 um apoiador do então presidente Jair Bolsonaro tentou explodir um caminhão de combustível nas proximidades do aeroporto de Brasília. Outros integrantes do grupo tentaram derrubar torres de transmissão de energia. No dia 8 de janeiro, invadiram e depredaram o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e a sede do Supremo Tribunal Federal.

Houve o risco de Lula “não levar” a Presidência da República, comentou o ministro. Hoje, porém, o Brasil é “um país normal”.

As pontes criadas com o Legislativo abriram caminho para a aprovação das reforma tributária, do arcabouço fiscal e de outras propostas. Com o Judiciário, foi possível desatar nós bilionários.

A pacificação ocorreu também na relação com o Banco Central, que começou o ano tensionada.

Roberto Campos Neto, que em fevereiro foi chamado por Lula de “esse cidadão”, chegou ao fim de dezembro comendo churrasco na Granja do Torto, integrado aos demais convidados, segundo relatos colhidos pelo repórter Renan Truffi, deste jornal.

“Herdamos uma institucionalidade desafiadora”, comentou Haddad, referindo-se ao fato de o atual presidente do Banco Central, escolhido pelo governo anterior, ter mandato até o fim de 2024. Na sua visão, o relacionamento evoluiu porque houve diálogo respeitoso e os argumentos do Ministério da Fazenda puderam sensibilizar a diretoria da autoridade monetária.

“Não significa convergência de perspectivas teóricas”, ressalvou. “Talvez a gente se mantenha diferente.”

Por exemplo: o ministro pontuou na sexta-feira que o único indicador negativo da economia ao final de 2023 é a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF). O investimento privado seguiu negativamente influenciado pelos juros elevados. A Fazenda era de opinião que os cortes na taxa Selic podiam ter começado em junho, logo após a aprovação do arcabouço pela Câmara, e não em agosto.

Por outro lado, dizer que os cortes na Selic poderiam ter começado há mais tempo não é crítica à autonomia do Banco Central, disse Haddad. Da mesma forma, os alertas do Comitê de Política Monetária (Copom) quanto à necessidade de avançar no ajuste fiscal não são ataque direto a ele.

A relação do Executivo com o Congresso, por sua vez, vive um “novo normal”, comentou o ministro. Ele avaliou que a aprovação de sua pauta ocorreu com base em explicações e bons argumentos. Reconheceu, porém, que foi necessário fazer concessões.

Não é questão de dizer se é bom ou ruim, mas uma realidade com a qual será necessário lidar “com sensibilidade”, comentou.

Um sinal do crescimento do poder do Congresso é o volume recorde de R$ 53 bilhões destinados a emendas de parlamentares ao Orçamento. A margem de manobra do Executivo é cada vez menor.

Tal como ocorreu neste ano, não serão poucos os desafios a serem enfrentados por Haddad e sua equipe em 2024. Sobretudo, será necessário reafirmar o compromisso do governo com o arcabouço fiscal e prosseguir com reformas. O fato de esses debates ocorrerem em um ambiente democrático e institucional é algo a ser celebrado.

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