Falta planejamento para enfrentar a tragédia das chuvas
O Globo
Dificuldade de prever o impacto de eventos
climáticos extremos justifica precaução maior, não o despreparo
Oito meses depois das enchentes que arrasaram
cidades do Vale do Taquari, em setembro do ano passado, provocando a morte de
pelo menos 50 pessoas, o Rio Grande do
Sul se vê novamente às voltas com os efeitos de eventos
climáticos extremos. Com cerca de 150 municípios afetados por inundações, o
governador Eduardo Leite (PSDB)
declarou estado de calamidade pública na última quarta-feira. As imagens de
pontes, estradas e casas destruídas pela força das águas não deixam dúvidas
sobre a gravidade da tragédia, que já deixou pelo menos 32 mortos e 60
desaparecidos.
Era, como costuma ser em casos assim, impossível prever os efeitos das tempestades. Embora existisse previsão de chuvas fortes para o Sul do país, não havia como saber exatamente as áreas que seriam afetadas nem o impacto sobre a população. Por isso mesmo, era preciso estar preparado. A dificuldade de prever uma tragédia é motivo para adotar precauções maiores, não para o descaso e o despreparo. Eventos dessa natureza têm se tornado — e se tornarão — cada vez mais frequentes e intensos em consequência das mudanças climáticas.
Ponto fundamental é retirar a população das
áreas mais vulneráveis, como encostas e imediações de rios, e levá-la a locais
seguros. É certo que, sob volumes de chuva excepcionais, os rios transbordarão,
causando estragos, dificultando o escape de moradores e a ação da Defesa Civil para
socorrer as vítimas. A água costuma subir rapidamente, sem dar tempo para que
se planeje uma rota de fuga de improviso. O plano precisa estar pronto antes.
Na própria quarta-feira, Leite pediu que
moradores deixassem suas casas. Reconheceu que seu governo não conseguirá
socorrer todas as vítimas diante da dimensão do desastre, que acredita ser o
mais grave já registrado no estado. “Não teremos capacidade de fazer todos os
resgates, porque está muito mais disperso neste evento climático”, disse.
Compreende-se que moradores resistam a deixar
suas casas, por medo de saques ou por não ter para onde ir. Mas as autoridades
precisam estar prontas a orientá-los e oferecer abrigos, pois permanecer em
área suscetível a inundação significa correr risco de morte. A todo momento,
surgem imagens de resgates dramáticos de cidadãos isolados em telhados ou
arrastados pela correnteza.
Em todo o país, há uma dificuldade crônica de
tomar ações preventivas para salvar vidas e atenuar os efeitos de desastres
naturais. É verdade que, nas últimas décadas, houve progressos. Depois do
dilúvio na Serra Fluminense em 2011 que deixou mais de 900 mortos,
multiplicaram-se os sistemas de sirenes em encostas com alerta aos moradores
quando a chuva atinge níveis perigosos. Mas é preciso mais. União, estados e
municípios devem ter mapas de risco e protocolos prontos para situações de
emergência.
O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva esteve em Santa Maria
(RS) e se reuniu com Leite. O governo federal precisa mesmo se
envolver mais. Ações coordenadas são fundamentais não só para dar assistência
às vítimas, mas também para promover a reconstrução das áreas atingidas. Os
planos de contingência não podem ficar só no discurso. Tudo fica pior sem
planejamento.
Declaração de presidente do Fed traz alívio
para economia global
O Globo
Cenário de juros menores lá fora não exime,
porém, o governo de promover ajuste fiscal aqui dentro
Os Estados
Unidos são a maior economia do planeta, com 22% da produção
global, 20% do estoque de investimento estrangeiro direto e 10% do fluxo de
comércio. Como o dólar é a moeda mais usada em transações financeiras, mudanças
na política de juros americana reverberam por todos os continentes. Pelos
cálculos do Fundo Monetário Internacional (FMI), o aumento de 1 ponto
percentual na taxa de juro de longo prazo nos Estados Unidos tende a provocar
nos meses seguintes a mesma alta em países emergentes e de 0,9 ponto percentual
noutras economias avançadas. Por isso, quando o presidente do banco central
americano — o Fed — fala, as autoridades monetárias de todo o mundo param para
ouvir.
Jay Powell, atual presidente do Fed, fez
nesta semana uma declaração que terá impacto nas perspectivas econômicas de
todo o mundo. Primeiro, ele reconheceu o que todos já imaginavam: afirmou que o
objetivo de levar a inflação americana para a meta de 2% levará mais tempo que
o previsto. Isso significa que a atual taxa de juros praticada pelo banco para
tomar dinheiro emprestado, entre 5,25% e 5,5% desde o ano passado — a maior dos
últimos 23 anos —, será mantida por mais tempo, até mais perto do final do ano.
Não chegou a ser novidade. Os mercados
financeiros já haviam percebido que os cortes não viriam no primeiro semestre,
como se imaginava no final do ano passado (foi essa, por sinal, a principal
causa para a valorização do dólar diante do real e de outras moedas). O trecho
mais importante da entrevista de Powell veio depois. Ele afirmou ser improvável
novo aumento dos juros. A redução prevista para novembro iniciará, portanto,
novo ciclo de queda. Apenas essa frase acalmou quem previa mais aperto e despertou
otimismo.
No caso do Brasil, isso não significa que o
governo possa ser mais leniente do que tem sido. Com a ajuda do Congresso, o
Executivo tem o dever de promover o ajuste fiscal necessário, adotando um
programa robusto e consistente de corte de gastos. Só cumprindo as metas
fiscais será possível recobrar a confiança do mercado e deter a trajetória de
alta na dívida pública. Se a atitude de Executivo e Legislativo fosse outra,
levando em conta todas as circunstâncias comerciais e financeiras, economistas
estimam que o dólar estaria cotado ao redor R$ 4. A incúria fiscal tem custado
25% do valor do dinheiro que o brasileiro carrega no bolso.
Executivos de diferentes setores tomam
decisões de investimento levando em conta projeções dos juros de longo prazo.
Trabalhar para baixar essas taxas, mudando a trajetória de alta da dívida
pública, está ao alcance do Executivo e do Legislativo. O governo deve
reafirmar o compromisso com as metas fiscais a partir de atos concretos. No
Congresso, as lideranças podem convencer a opinião pública de que não são
favoráveis ao déficit desarmando “pautas-bombas”, destinadas a favorecer grupos
específicos. O investimento no Brasil depende não apenas do cenário lá fora,
mas acima de tudo da confiança no que se faz aqui dentro.
Lula e os fósseis do sindicalismo
Folha de S. Paulo
Ou as forças em torno do PT se atualizam nos
temas do trabalho, ou correrão mais riscos de ser derrotadas nas eleições
Mostrou-se um fiasco a comemoração do Dia do
Trabalho patrocinada pelas centrais sindicais governistas na
capital paulista, que contou com o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT).
No ato em que afrontou a lei eleitoral
e pediu votos
para o pré-candidato a prefeito Guiherme Boulos (PSOL), o mandatário
mal disfarçou seu incômodo com a meia dúzia de gatos pingados que se dispôs a
compor a plateia no feriado ensolarado. Lula reclamou da falta de mobilização
do governo para atrair mais público.
O desabafo, como num ato falho psicanalítico,
revela o mecanismo por trás da ruína do sindicalismo brasileiro. Não cabe
teoricamente a governos cooptar associações representativas dos trabalhadores
quando elas são o resultado da livre organização da sociedade civil.
Mas no Brasil, desde o varguismo, a simbiose
entre Estado e sindicatos tem
sido uma regra duradoura.
A Constituição de
1988 estabeleceu monopólios setoriais e territoriais para a atuação de
sindicatos. Nos primeiros mandatos, Lula estendeu o imposto sindical para as
centrais. Em 2023, o Supremo Tribunal Federal facilitou o desconto de
contribuições assistenciais na folha salarial dos trabalhadores.
Ao longo de décadas, o artifício serviu para
enriquecer e proteger as oligarquias que se apoderaram dos cartórios de
representação oficial dos trabalhadores, mas fracassou, por obsolescência, no
objetivo de representar de fato as aspirações de milhões de brasileiros que
atuam num mercado de
trabalho que passa por intensas transformações desde o final do
século 20.
O ato desta quarta-feira (1º) foi um
resultado anedótico desse esvaziamento. A bisonha
proposta do governo petista de regular o trabalho por aplicativos pelo
molde varguista —repelida fortemente pela própria categoria que pretende
proteger— atesta a permanência da dissonância cognitiva.
Pesquisas começam a indicar que a reforma
trabalhista aprovada na gestão de Michel Temer (MDB), atacada
pela retórica ultrapassada do esquerdismo, pode ter contribuído para a queda
do desemprego no
Brasil. O clamor pelo desembaraço das amarras da burocracia nas relações de
trabalho tornou-se uma plataforma popular.
Também por explorar esse flanco dos anseios
do eleitorado, a direita se apresenta como a única corrente no Brasil atual
capaz de mobilizar multidões espontaneamente em suas manifestações. A esquerda
perdeu as ruas, e isso deveria soar como alerta máximo nas hostes do lulismo.
Ou as forças políticas em torno do PT se
atualizam, inclusive nos temas relacionados ao trabalho, ou correrão mais
riscos de ser derrotadas nas próximas eleições.
A nota do Brasil
Folha de S. Paulo
Moody's mostra que país precisa avançar nas
reformas e no ajuste orçamentário
O governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
faz o que lhe cabe ao faturar
politicamente a elevação, de estável para positiva, da perspectiva para a nota
de crédito do Brasil pela Moody’s. Propaganda à parte, as
observações integrais da agência são menos confortáveis para o mandatário e seu
partido.A
Moody’s mantém a nota do país no mesmo
patamar fixado por suas congêneres S&P e Fitch, a dois passos do desejável
grau de investimento —o
que não é pouco.
Conforme o relatório divulgado na
quarta-feira (1º), a agência considera que as perspectivas de crescimento do
Produto Interno Bruto brasileiro são maiores hoje do que no período anterior à
pandemia, o que atribui em
parte a reformas estruturais promovidas por "sucessivas
administrações".
As reformas citadas foram objeto de oposição
feroz por parte de Lula e do PT: a flexibilização da CLT, a autonomia formal
do Banco Central e
a Lei das
Estatais, que o governo hoje dribla com a ajuda de uma liminar do
Supremo Tribunal Federal para fazer indicações políticas nas empresas.
Quanto à atual gestão, a Moody’s destaca a
importância do novo sistema tributário, embora ressalvando que ele demorará a
entrar em vigor, e considera positiva a regra fiscal instituída em 2023, que
permitirá uma redução gradativa do déficit das contas do Tesouro.
Justamente por ser de —muito— longo prazo, o
plano de ajuste do Orçamento está sujeito a riscos, avalia o relatório. A
dívida pública é elevada, está em alta e levará alguns anos até se estabilizar,
o que a mantém em grau especulativo.
O Brasil conquistou o ambicionado grau de
investimento em 2008, no segundo governo Lula, graças a um vigoroso crescimento
do PIB que
facilitava o equilíbrio fiscal. Perdeu-o a partir de 2015, na esteira do
desastre econômico promovido por Dilma
Rousseff (PT).
A atividade retomou alguma força após a pandemia, mas nada que permita leniência com o Orçamento, muito menos retrocessos nas reformas dos últimos anos. Se ao governo agradam as melhoras das avaliações das agências de rating, o caminho a seguir é bem diferente do pensamento petista.
A imagem do fracasso
O Estado de S. Paulo
Foto de Lula diante de uns gatos-pingados em
pleno 1.º de Maio revela que a agenda do PT é vazia como aquela plateia e que o
presidente não tem conexão com os trabalhadores do século 21
É histórica, desde já, a constrangedora foto
do presidente Lula da Silva discursando para um punhado de gatos-pingados em
pleno 1.º de Maio. A imagem não deixa margem para dúvida: a agenda política da
esquerda – e a do PT, em particular – se desvela hoje tão vazia quanto a
minguada plateia reunida anteontem no estacionamento do estádio do Corinthians,
em Itaquera, zona leste da capital paulista. Pouca gente se abalou a ouvir o
que Lula tinha a dizer no Dia do Trabalho porque o próprio presidente não consegue
se conectar com os trabalhadores do século 21.
Em cima do palanque, confrontado por tantas
clareiras diante de seus olhos mal-acostumados com aquela cena desoladora,
especialmente no Dia do Trabalho, Lula se exasperou. “O ato está mal
convocado”, resmungou o petista. “Nós não fizemos o esforço necessário para
levar a quantidade de gente que era preciso levar”, reclamou, dirigindo a
bronca ao secretário-geral da Presidência, Márcio Macedo, a quem Lula atribuiu
a missão de ser o “responsável pelo movimento social brasileiro”, seja lá o que
isso signifique.
Não se sabe qual foi a estratégia de
comunicação do governo para a celebração do Dia do Trabalho, um marco
importante para a construção da persona pública de Lula, por razões óbvias. O
fato é que, por mais brilhante que essa estratégia tivesse sido – e ainda por
cima contando com recursos dos contribuintes, por meio da Lei Rouanet, de
patrocínio da Petrobras e de filmagem da estatal Empresa Brasileira de
Comunicação (EBC) –, o ato não poderia ser diferente do fiasco que foi por uma
razão fundamental: o Brasil é governado por um presidente que não viu o tempo
passar.
Lula ainda pensa como o sindicalista que
eletrizava os trabalhadores com seus discursos na Vila Euclides, São Bernardo
do Campo (SP), no fim dos anos 1970. Não apenas o País não é o mesmo no qual
Lula ascendeu como uma liderança política popular, como o mundo mudou por
completo desde que o petista chegou à Presidência pela primeira vez, há mais de
20 anos. Ao longo desse tempo, houve transformações profundas não só das
relações de trabalho – outrora baseadas na oposição entre patrões e empregados
–, mas também, e principalmente, na visão que os próprios trabalhadores
passaram a ter de seus meios de subsistência.
Fortíssimos durante décadas, até por força de
imposição legal, os sindicatos e as centrais sindicais, que tradicionalmente
enchiam as ruas no 1.º de Maio, hoje não passam de um decalque esmaecido de uma
representação profissional que no auge do sindicalismo já era passível de
críticas por suas vinculações partidárias. De uns anos para cá, as guildas
estão irremediavelmente desacreditadas por uma massa de trabalhadores que não
se sentem representados nem querem sê-lo, muito mais interessados que estão em
empreender por conta própria.
Nem Lula nem o PT enxergam isso. Basta dizer
que reduziram o fiasco do 1.º de Maio a um problema de “comunicação”. Tanto não
compreendem a transformação da realidade que os cerca que, dia sim e outro
também, insistem em condenar a reforma trabalhista aprovada pelo Congresso em
2017. Ao contrário de “precarizar” o mercado de trabalho, como acusam esses
ditos “progressistas”, a reforma se impôs pela realidade de milhões de
trabalhadores autônomos que já eram precarizados e, portanto, precisavam de um
marco legal para protegê-los – e proteger, sobretudo, sua liberdade de tomar as
rédeas da própria vida.
O mercado de trabalho está aquecido e a renda
média aumentou, ainda que pouco. Mas nem assim os trabalhadores, ao que parece,
conseguem vincular esse cenário menos adverso à figura do presidente da
República. Decerto porque, como ficou claro em seu discurso em Itaquera, Lula
não tem qualquer projeção de futuro mais auspiciosa a lhes oferecer. E,
ademais, porque o petista insiste em uma agenda econômica fracassada, baseada
no intervencionismo e no desbragado gasto estatal, que, ao longo dos governos
petistas, prejudicou justamente a chamada classe trabalhadora.
Lula pode não ter visão sobre o novo mundo do
trabalho. Mas os trabalhadores têm memória.
Panela de pressão indígena
O Estado de S. Paulo
A lentidão na demarcação de terras envolve um
governo inerte, um STF que revê o próprio entendimento e um Legislativo que se
sente abalado. Nessa confusão só há um vencedor: o crime
O ruidoso grito de organizações indígenas
reunidas recentemente no Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília, o tom e a
intensidade das críticas e a crescente frustração de lideranças com o que
consideram letargia na demarcação de terras são três dos sinais mais evidentes
de uma bomba-relógio já armada: há um clima cada vez mais generalizado de
insatisfação dos movimentos indígenas. Incomodados com a distância que separa
aquilo que o candidato Lula da Silva prometeu do que efetivamente foi cumprido,
indígenas divulgaram um duro documento e, recebidos no Palácio do Planalto,
fizeram cobranças diretas. Queixosos, mas preocupados em aliviar a barra
presidencial, responsabilizaram ministros pelos problemas. Como é seu hábito ao
sentir-se confrontado por descumprir promessas, justificar a inépcia do governo
e resumir o mundo entre bons e maus, Lula transferiu a culpa para governadores
e fazendeiros.
Como em muitas outras agendas relevantes, na
eleição Lula havia prometido aos indígenas o paraíso na terra caso retornasse
ao Palácio do Planalto. Aos movimentos indígenas parecia um triunfo ainda mais
inevitável depois de quatro anos precisando lidar com um governo que só
enxergava entre os povos originários verdadeiros inimigos a combater, e via o
perigo brotar das árvores da floresta. Ocorre que o então candidato lulopetista
os fez acreditar que tudo seria luminosamente distinto: indígenas seriam protegidos,
terras seriam homologadas e demarcadas nos primeiros 100 dias de mandato e os
conflitos enfim cessariam. A realidade, no entanto, desabonou tais promessas.
Antes fosse um risco político restrito a
líderes lulopetistas. A questão se torna mais grave quando uma soma de
equívocos pode converter a frustração indígena num ambiente de guerra.
“Declaração de guerra” contra os povos indígenas e seus territórios, a propósito,
foi a expressão não aleatoriamente usada pelas organizações que assinam o
documento no qual condenam as recentes decisões que suspendem as demarcações de
terras. Pesa, para essa avaliação, tanto a tibieza da política indigenista do
governo Lula – hoje não muito mais do que simbologias, materializadas na pouca
ou nenhuma força prática do Ministério dos Povos Indígenas e no fracasso, por
exemplo, na tentativa de salvar os yanomamis da tragédia humanitária – como
também as erráticas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) no trato da
matéria.
No ano passado, ao rejeitar a tese do chamado
marco temporal, o STF julgou contra a Constituição e a própria jurisprudência
definida em 2009 – aquela segundo a qual os povos indígenas só poderiam
reivindicar as terras que ocupavam na data de promulgação da Constituição. Há
poucos dias, em vez de fazer o controle da constitucionalidade, o ministro
Gilmar Mendes, do STF, preferiu abrir um processo de “conciliação”, convocando
os autores das ações em curso, como se a Suprema Corte fosse uma câmara de
conciliação para negociar um direito previsto em lei. Para completar ainda se
assiste à disfuncionalidade das relações entre os Poderes, com um Legislativo
sentindo sua competência abalada pelo Supremo, um Judiciário que revê o próprio
entendimento e um Executivo que trafega entre a fragilidade de sua base de
apoio, promessas descumpridas e a tentação de criminalizar ruralistas dentro e
fora do Congresso.
Só há um vitorioso nessa barafunda: o
ecossistema do crime que atua na Amazônia. A ausência de pacificação
institucional que dê fim aos conflitos – na interpretação da lei e no confronto
direto nas terras – interessa tão somente àqueles que operam na ilegalidade.
Diferentemente do que acredita a pajelança do governo, o agronegócio não é
contrário à proteção dos povos originários. O que se acredita é que essa
proteção não demanda a criação indefinida de novas reservas, que acaba
transformando indígenas em objeto de eternas contendas políticas. Eis por que é
preciso baixar o fogo dessa panela de pressão. Ao governo, convém acelerar sua
inquestionável lentidão. Ao Supremo, é hora de resolver e não amplificar a
confusão jurídica. Aos indígenas, os maiores penalizados, resta acreditar que a
guerra continua a ser mais ineficaz do que pressão e diálogo.
A primeira vitória de Milei
O Estado de S. Paulo
‘El Loco’ sossega, negocia e, contra todas as
expectativas, faz avançar seu duro ajuste
A Câmara dos Deputados da Argentina aprovou
um projeto que dá um ano de poderes extraordinários para o presidente Javier
Milei governar por decreto em algumas áreas da administração. Ademais, o mesmo
pacote aprovado prevê uma série de privatizações, além de diversas medidas
impopulares, que mexem com aposentadorias e Imposto de Renda. O texto ainda
seguirá para o Senado, onde Milei tem base ainda mais inexpressiva que na
Câmara, mas está claro que o presidente, que se apresentava como um implacável
algoz da classe política em geral, entendeu que depende da política para
governar – e que está disposto a fazer concessões. “El Loco”, aparentemente,
ficou manso, e a Argentina parece disposta a receber o choque fiscal e
administrativo que o presidente prometeu em sua ruidosa campanha.
Há três meses, para evitar uma fragorosa
derrota, o governo teve de retirar de pauta a chamada Lei Ônibus, pacote de
mais de 600 artigos que viraria a Argentina do avesso. Em março, o Decreto de
Necessidade e Urgência (DNU), com efeitos semelhantes ao de uma medida
provisória, foi rejeitado pelo Senado. Vendo que a estratégia de culpar a casta
política ameaçava a estabilidade de seu governo, Milei teve de ceder.
O pacote aprovado no dia 30 passado, chamado
de Lei Bases, terminou com cerca de 230 artigos, bem mais modesto que a Lei
Ônibus. Além disso, Milei queria quatro anos de poderes extraordinários e só
conseguiu um, período em que poderá baixar decretos em temas administrativos,
econômicos, financeiros e energéticos.
Milei também terá de se contentar com a
privatização de 11 estatais, como a companhia aérea Aerolineas Argentinas e a
petroleira Enarsa, em vez das 40 que pretendia, e ainda teve de abrir mão da
venda do Banco de La Nacion.
Depois de ser obrigado pela Justiça a recuar
de uma draconiana reforma trabalhista, Milei não teve alternativa senão
conversar com os sindicatos. Nas negociações, o escopo da proposta foi reduzido
de 60 para 16 artigos. Milei conseguiu ainda fixar um prazo mínimo de 30 anos
de contribuição para a obtenção da aposentadoria plena, restabelecer a cobrança
do imposto de renda para cerca de 800 mil argentinos e restaurar o imposto
sobre lucros.
Os projetos ainda terão de passar pelo
Senado, onde será preciso obter ao menos 37 dos 72 votos. Como Milei tem uma
base de menos de dez senadores, dependerá do apoio da chamada “oposição
dialoguista”. A experiência da bem-sucedida negociação com os governadores, que
controlam bancadas na Câmara, mostra que há um caminho para avançar o pacote
governista.
Ao que parece, os argentinos ainda estão dispostos a dar um voto de confiança em Milei, mesmo diante do duro ajuste – ou talvez por causa dele, já que o legado de populismo e irresponsabilidade do peronismo e do kirchnerismo depauperou dramaticamente o país. A aprovação do governo se mantém elevada, mas a pobreza aumentou consideravelmente, a inflação cede devagar e a Argentina ainda deve piorar muito antes de começar a melhorar. Será preciso nervos de aço – mas a Argentina parece estar no caminho certo.
Sem melhoria fiscal, agências não elevarão
nota do Brasil
Valor Econômico
O país continuará com uma taxa de expansão medíocre, condenando-se a um atraso permanente se não equilibrar suas contas
A melhoria da perspectiva do crédito soberano
do Brasil de estável para positiva pela Moody’s, empresa de classificação de
risco, seguiu um padrão comum às demais agências, assim como eram esperadas as
declarações comemorativas do governo Lula por motivos incorretos. De maneira
geral, o governo interpretou a modificação como um sinal de que está fazendo a
coisa certa, inclusive em seu ponto mais vulnerável, a situação fiscal. O que
as empresas de rating estão dizendo é coisa bem diferente, à qual o Planalto
deveria prestar atenção.
A melhoria da nota deveu-se em boa medida ao
crescimento maior da economia, atribuído pela Moody’s em grande parte a
reformas feitas nas administrações anteriores, às quais o PT se opôs. A
fragilidade nas contas públicas, apontada novamente como motivo para não se
elevar a nota do Brasil, persiste apesar do novo regime fiscal, que mal dá
conta do problema.
O arrazoado da Moody’s para a modificação
positiva menciona “crescimento mais robusto” combinado com a “continuação,
ainda que gradual, de progressos rumo a uma consolidação fiscal”. Em seguida,
adverte que “há riscos para a execução pelo governo dessa continuidade de
consolidação fiscal”. A empresa acredita que a relação dívida pública-PIB vai
aumentar nos próximos dois anos para se estabilizar “em alguns anos” com o novo
regime fiscal, que, no entanto, tem em um de seus componentes principais um
ponto fraco. “Riscos para os esforços de consolidação fiscal permanecem devido
à confiança no crescimento das receitas para obter déficits menores e à
restrita capacidade do governo de cortar gastos”, registra a nota.
Os riscos decorrentes de um endividamento
elevado são atenuados por uma série de fatores, como sua denominação em moeda
local, que limita os efeitos de desvalorizações cambiais abruptas e intensas, o
grande volume de reservas internacionais e um déficit em conta corrente
pequeno.
A nota mantida, Ba2, de grau especulativo,
está duas abaixo do grau de investimento, que o Brasil já obteve da empresa em
2009. Ela reflete, segundo a Moody’s, a “fraqueza fiscal dada a rigidez do
gasto, alta dívida e sua baixa sustentabilidade”, o que torna a capacidade do
país de cumprir compromissos vulnerável a choques econômicos ou financeiros.
A prova dos nove para as empresas de rating é
a sustentabilidade fiscal. A Moody’s, por exemplo, diz que melhorará a
classificação brasileira se o governo for bem-sucedido “em proporcionar
melhoria constante no déficit primário e no déficit fiscal total, o que
ampliaria a credibilidade da política fiscal”.
A decisão da Moody’s veio poucos dias depois
de o governo ter afrouxado suas metas de resultado fiscal para 2025 em diante e
ter jogado para o próximo governo a obtenção de superávits primários. Esse fato
pode ter sido anterior à avaliação feita ou, então, efetivamente depois dela, o
que abriu espaço à interpretação oficial de que o novo regime fiscal recebeu
avaliação positiva da agência. No entanto, a argumentação integral deixa claro
que a credibilidade da política fiscal do governo continua em dúvida. A empresa
cita ainda uma “melhoria na governança das empresas estatais” como fator
favorável, pouco dias depois de o governo Lula ter ameaçado trocar o presidente
da Petrobras por defender a distribuição extra de 50% dos dividendos.
Em 19 de dezembro, pouco depois da aprovação
da reforma tributária, a Standard & Poor’s (S&P) alterou a
classificação de BB- para BB, também dois graus abaixo do de investimento.
Apesar da elevação, a empresa considerou que a “moderadamente limitada”
melhoria da perspectiva de crescimento e “a fraca situação fiscal” continuavam
“restringindo a qualidade de crédito do país”.
Mesmo tomando uma decisão mais incisiva que a
Moody’s, a S&P não deixou de realçar que esperava “uma correção fiscal
muito gradual” e considerar que “o déficit fiscal permanecerá elevado”. Também
para ela a chave para melhoria do rating está no “avanço mais rápido do que o
esperado na resolução dos desequilíbrios fiscais que estabilize os níveis de
dívida”.
O governo e as empresas de classificação de
risco saúdam o crescimento econômico, mas o atribuem a motivos diferentes. A
ampliação de gastos públicos, o aumento do Bolsa Família (no governo
Bolsonaro), a valorização do salário mínimo e outros estímulos fiscais estão
empurrando a economia para frente a um ritmo maior do que o esperado, dada uma
política monetária bastante restritiva. A Moody’s e a S&P apontam fatores
distintos. A primeira se refere ao aumento da independência do Banco Central e
à reforma trabalhista. A segunda menciona um “extenso histórico de reformas
estruturais e microeconômicas em curso desde 2016”, quando a presidente Dilma
Rousseff sofreu impeachment, como o fim da TJLP e a reforma da previdência. O
PT foi contrário a elas.
O governo deveria fazer um esforço para cortar gastos não apenas porque as agências de risco consideram positivo, mas porque é importante para os brasileiros. Sem contas equilibradas, o país continuará com uma taxa de expansão medíocre, condenando-se a um atraso permanente.
Imunização contra a gripe
Correio Brasiliense
Números da Rede Nacional de Dados em Saúde
(RNDS), de 30 de abril, mostram que foram aplicadas 17,95 milhões de doses da
vacina contra a gripe este ano em todo o Brasil, de um total esperado de 75,81
milhões de pessoas,. Uma cobertura aquém da expectativa
A pouco mais de um mês e meio para o início
do inverno, o Brasil registra números determinantes para uma campanha mais
incisiva contra a gripe. Mesmo com a decisão do Ministério da Saúde de
antecipar o início da vacinação de abril e maio para março nas regiões
Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste, a aderência à vacina pelo Sistema Único
de Saúde (SUS) é incipiente, não chegando a um terço da população-alvo.
Números da Rede Nacional de Dados em Saúde
(RNDS), de 30 de abril, mostram que foram aplicadas 17,95 milhões de doses da
vacina contra a gripe este ano em todo o Brasil, de um total esperado de 75,81
milhões de pessoas. Isso corresponde a uma cobertura vacinal de 26,78%, muito
aquém da expectativa das autoridades em saúde, que previam algo superior a 90%
de imunização, especialmente entre os grupos prioritários, porcentagem que fica
cada vez mais difícil de ser alcançada a considerar-se os números atuais.
Essa distância também é verificada nos
estados. Apenas cinco deles, nesta ordem, ultrapassaram a marca de 1 milhão de
doses aplicadas: São Paulo (4,27 milhões), Minas Gerais (2,17 milhões), Rio
Grande do Sul (1,58 milhão), Rio de Janeiro (1,53 milhão) e Paraná (1,04
milhão). Nas últimas posições estão o Mato Grosso do Sul (193 mil) e o Distrito
Federal (170 mil), também pela menor distribuição territorial.
Na quarta-feira, o Ministério da Saúde
anunciou a ampliação da vacinação contra o vírus influenza para todas as
pessoas acima de 6 meses de idade. Anteriormente, a imunização tinha como
público-alvo apenas os grupos prioritários, como idosos, gestantes, trabalhadores
da saúde, crianças até seis anos e povos indígenas. Em contrapartida, ontem a
Fiocruz divulgou a nova edição do Boletim InfoGripe, levando em conta o período
de 21 a 27 de abril. Segundo o levantamento, a maior circulação do vírus
sincicial respiratório (VSR) tem gerado um aumento expressivo da incidência e
mortalidade de crianças de até 2 anos de idade com a síndrome respiratória
aguda grave (SRAG). Outros vírus respiratórios que se mantêm com alta
incidência na população infantil são o Sars-CoV-2 (covid-19) e o rinovírus.
Repetidas vezes os agentes de saúde nas
instâncias federal, estadual e municipal têm insistido que a vacinação com a
dose trivalente oferecida pelo SUS é a melhor forma de prevenção contra
influenza B e os outros dois vírus — H1N1 e H3N2 —, evitando assim surtos de
gripe nas estações mais frias (outono e inverno), além de complicações e
internações hospitalares, no caso de infecção, ou até mesmo morte, mais
frequente entre os grupos prioritários.
Mesmo com a ampliação da cobertura, agora sem distinção de faixas etárias, é difícil acreditar que os números da cobertura cresçam a ponto de se aproximar do que é esperado (90%) até o fim da campanha deste ano, prevista para 31 de maio. Um triste cenário para um país como o Brasil, que já foi apontado como modelo para o mundo em termos de cobertura vacinal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário