O Globo
Lula não conseguiu esconder a irritação por
ter sido levado a uma roubada. Se ele próprio advertira, como discursou, que o
evento do 1º de Maio seria esvaziado, por que aceitou participar? Se reconhece
que havia pouco a anunciar, de novo, por que dar essa sopa ao azar? E, por fim,
diante do cenário adverso, a cereja do bolo foi pedir voto para Guilherme
Boulos e sair do ato com uma multa por propaganda eleitoral antecipada espetada
na conta. Desastre total.
O presidente da República ainda tem dois anos
e cinco meses de mandato até a eleição. A pior cilada em que pode cair é
começar a disputar público, se lançar no “datapovo” com Jair Bolsonaro. A
começar porque o antagonista está inelegível. Ao cair nessa esparrela, Lula
prorroga e amplifica o prestígio do adversário como cabo eleitoral e a campanha
que o ex-presidente e aliados já empreendem no sentido de causar uma comoção
popular pela reabilitação eleitoral.
As aglomerações que Bolsonaro provoca nos aeroportos e eventos que convoca, sabe-se desde 2017, são obtidas à custa de uma diligente mobilização digital, empresarial e logística. Têm, claro, um componente orgânico, como evidenciam as pesquisas de apoio ao ex-presidente, mas também grandes doses de arregimentação minuciosamente cuidada.
A tendência é que, mais e mais, o ex-capitão
aposte nesses flashmobs em terminais aeroportuários e nesses atos em capitais
do país como forma, também, de pressionar o Judiciário a não prosseguir com os
inquéritos contra ele, que se aproximam da reta final, como lembrei na minha
última coluna neste espaço.
Ao se lançar numa disputa pueril para ver
quem reúne mais apoiadores, Lula corre o risco de ficar com a foto de eventos
esvaziados, como no último feriado. E aí a farra narrativa comerá solta nas
redes, evidentemente.
O presidente da República dispõe de eventos
oficiais e de inúmeras oportunidades menos arriscadas para se comunicar com o
eleitorado e mostrar as realizações de sua administração, quando elas existirem
e se sustentarem.
Não foi, sob nenhum critério, o caso do ato
do Dia do Trabalho, que, para culminar, ainda suscita uma inevitável comparação
com os tempos em que o Lula líder sindical, ou mesmo o presidente do primeiro e
segundo mandatos, reunia multidões em eventos nessa data simbólica para o
partido que fundou e lidera.
O discurso de Lula forneceu fartas amostras
de incômodo com a plateia esvaziada e de como o próprio petista relacionou isso
à inevitável comparação com Bolsonaro. Ao incluir na fala críticas ao prefeito
Ricardo Nunes e ao governador Tarcísio de Freitas, a quem chamou de
“adversários”, e pedir o mesmo número de votos a Boulos que a cidade deu a ele
próprio em 2022, o presidente antecipa desastrosamente uma competição com
Bolsonaro pelo papel de maior padrinho eleitoral na disputa municipal, risco
que ele não precisa correr com tanta antecedência em relação a sua própria
reeleição.
Lula usou o expediente de chamar para si a
responsabilidade por eleger Dilma Rousseff e Fernando Haddad, chamados em 2010
e 2012 de seus “postes”, terminologia pejorativa que, no entanto, foi assumida
pelo marketing, numa clara tática de transformar limões em limonada.
Mais de dez anos se passaram, São Paulo tem
sido bipolar nas inclinações à direita e à esquerda, a depender da eleição, e
Boulos tem características que aumentam a rejeição a ele na cidade e deveriam
ser trabalhadas pela própria campanha antes de o presidente mergulhar na tarefa
de tentar alavancar sua candidatura, sob pena de colher não apenas prejuízo
financeiro, mas, sobretudo, mais desgaste de imagem quando deseja justamente
recuperar popularidade.
Um comentário:
Pode ser.
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