Aval a Galípolo é sinal de maturidade institucional
O Globo
Em sabatina no Senado, indicado ao BC
demonstrou independência e qualificação para o cargo
A aprovação pelo Senado de Gabriel
Galípolo como próximo presidente do Banco Central (BC)
é bem-vinda. Como diretor de Política Monetária do BC, o nome escolhido pelo
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva para substituir Roberto
Campos Neto a partir de janeiro provou ter capacidade de
exercer o novo mandato de forma técnica e independente, como esperam o
Congresso e os brasileiros preocupados com as pressões inflacionárias.
Antes de integrar a diretoria do BC, Galípolo foi secretário executivo do ministro Fernando Haddad no início da atual gestão petista. Os senadores questionaram sua proximidade de Lula e sua autonomia em relação ao Planalto durante a sabatina na Comissão de Assuntos Econômicos. Em resposta, ele afirmou que Lula lhe garantiu liberdade para tomar decisões e prometeu seguir à risca o objetivo de perseguir as metas de inflação. Foi a resposta certa. Mas não cabe ao presidente da República garantir nada ao do BC. A liberdade está assegurada na lei que concedeu autonomia à autoridade monetária — e essa é a maior das garantias.
A primeira missão de Galípolo, em marcha
desde que seu nome começou a ser aventado para o cargo, consiste justamente em
afastar o fantasma da intervenção do Executivo na condução da política
monetária, de consequência desastrosa na última passagem petista pela
Presidência da República. Seu maior desafio, contudo, será outro: o cenário
inflacionário para 2025 e 2026 é turvo. “A desancoragem nas expectativas de
inflação nos incomoda”, disse na sabatina. A dúvida não é se o juro básico da
economia, a Selic, subirá nos próximos meses, mas a que patamar chegará.
A decisão da agência de classificação de
risco Moody’s de elevar a nota de risco soberano do Brasil para o nível
imediatamente abaixo ao de bom pagador não dissipou no mercado a desconfiança
sobre os compromissos fiscais deste governo. A dívida pública subirá em todos
os anos do terceiro mandato de Lula, e ninguém sabe ao certo quando estacionará
ou voltará a cair. Para completar, a credibilidade do governo está em baixa,
devido à resistência de Lula em controlar as despesas do governo. Os gastos da
União também pressionam a demanda e os preços. Galípolo não terá vida fácil.
Na última reunião, o Comitê de Política
Monetária (Copom), do BC, aumentou a Selic em 0,25 ponto percentual, para
10,75% ao ano. A decisão, primeira alta desde agosto de 2022, foi unânime. Não
passou despercebida a coesão entre diretores indicados nas gestões de Lula,
Jair Bolsonaro e nas anteriores. A unanimidade ajudou a dissipar dúvidas sobre
o comprometimento do BC com o controle de preços. O próprio Galípolo parece
consciente de que a política monetária não deve ser contaminada por ideologia.
A aprovação de seu nome pelo Senado dois dias
depois do primeiro turno das eleições municipais é sinal de maturidade
institucional. O Legislativo faz bem em retomar a agenda prioritária para o
país. Ainda há vários outros projetos na fila, a começar pela regulamentação,
sem mais atraso, da reforma tributária. Os senadores precisam virar essa página
histórica para a economia brasileira. É esperado que a Câmara dos Deputados
adote postura semelhante e volte ao ritmo normal de atividades. O Congresso não
pode ficar parado à espera do segundo turno com tantos desafios urgentes.
Ampliação da banda larga escolar exige mais
agilidade do governo
O Globo
Dinheiro não falta — mas menos da metade das
escolas tem acesso à internet na velocidade adequada
O ritmo de conexão à internet das escolas
brasileiras tem ficado aquém do esperado, como constatou reportagem do GLOBO.
No último Censo Escolar, 118 mil das 178,5 mil escolas estaduais e municipais
declararam ter acesso à rede, mas apenas 81 mil na velocidade indicada para uma
navegação adequada.
Recursos não parecem ser problema. A
Estratégia Nacional de Escolas Conectadas (Enec), lançada em setembro do ano
passado pelo Ministério da Educação (MEC),
conta com um orçamento de R$ 8,8 bilhões para dotar todas as escolas de sinal
de wi-fi e computadores. O Programa Dinheiro Direto na Escola — Educação
Conectada, do MEC, já distribuiu R$ 311 milhões entre 96 mil escolas para pagar
mensalidades a provedores. Há também quase R$ 5 bilhões do Aprender Conectado,
recursos vindos dos leilões do 5G e do Fundo de Universalização dos Serviços de
Telecomunicações (Fust).
É natural que, numa rede de ensino tão
extensa, haja escolas mais avançadas que outras. Mas os gestores de educação,
de estados e municípios, precisam fazer com que as melhores experiências sejam
compartilhadas dentro do universo das escolas públicas, com a ajuda de
organizações da sociedade que atuam no setor. É lamentável que, até agora, todo
o dinheiro à disposição tenha sido insuficiente para acelerar a implementação
da banda larga escolar.
“Precisamos ver a conexão de fato chegando às
escolas e os investimentos no mesmo ritmo para as demais condições necessárias
ao uso da tecnologia, como os computadores e a formação dos professores”, diz
Cristieni Castilhos, diretora executiva do MegaEdu, ONG que trata da
conectividade nas escolas. Segundo ela, o primeiro ano do programa do governo
serviu para a “arrumação da casa” e ainda é possível recuperar o atraso, além
de ampliar e aprofundar a discussão sobre o que fazer com a internet nas
escolas públicas municipais e estaduais.
Fora garantir a conexão de alta velocidade,
também é preciso aperfeiçoar a formação de professores para que usem com
eficiência as ferramentas digitais. É vital um projeto pedagógico sólido para a
internet em sala de aula. Como se sabe, a internet é um instrumento poderoso —
para o bem ou para o mal. É fundamental ensinar os alunos a usá-la de forma
consciente, a se precaver contra a desinformação e a navegar de forma ética e
segura, além de proteger a intimidade deles e evitar o bullying digital.
Uma das características positivas do mundo digital é que ele permite o trabalho colaborativo, mesmo fora da escola. É possível definir conteúdos levando em conta o nível de aprendizagem e o desempenho de cada aluno. Pode-se monitorar a qualquer momento o rendimento, identificar dificuldades e criar planos de estudo individuais. Também há recursos para permitir o aprendizado de alunos com deficiências visuais ou auditivas. Por tudo isso, o treinamento do professor é essencial. O que não dá é para ficar parado, reclamando que faltam recursos. Há dinheiro suficiente. O que falta é saber usá-lo com competência.
Novas medidas de arrecadação não deveriam
apoiar mais gastos
Valor Econômico
Criatividade do governo também deve ser usada em medidas de controle de despesas, menos enfáticas do que as de elevação das receitas
O governo recorreu a mais duas medidas para
ajudar as contas públicas. Uma delas adia em um ano o prazo para os bancos
deduzirem o estoque de crédito inadimplente da base de cálculo do Imposto de
Renda (IR) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), o que vai
resultar em receita extra de R$ 16 bilhões para os cofres públicos. A outra
estabeleceu um adicional de CSLL pago pelas multinacionais estrangeiras que
atuam no Brasil, que deverá gerar em torno de R$ 8 bilhões por ano quando
atingir a maturidade. Essa arrecadação adicional deveria ser usada para zerar
as contas públicas e, se possível, conseguir algum superávit. Teme-se que sirva
para ampliar gastos.
Até agora, a Fazenda conta com um pacote de
R$ 166,4 bilhões de receitas extras, muitas delas incertas, como as que
dependem de vitórias no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), de
acordos de transações tributárias ou então sujeitas à aprovação pelo Congresso.
Mas o presidente da Câmara, Arthur Lira, disse que há muita resistência a
aprovar impopulares aumentos de impostos para cumprir o ajuste fiscal. Estão no
Congresso propostas do Executivo que elevam a taxação sobre dividendos e juros sobre
capital próprio, que podem render R$ 25 bilhões.
Nos casos mais recentes, o governo buscou
argumentos para quebrar a resistência dos congressistas. No adiamento em um ano
do prazo para os bancos começarem a deduzir o crédito inadimplente da base de
cálculo do IR e da CSLL, detalhado na Medida Provisória (MP) 1.261, a mudança
teria sido pedida pelos próprios bancos, que também solicitaram o alongamento
do prazo de adaptação dos três anos originais para oito a dez anos.
Assim, pela MP 1.261, os bancos passariam a
fazer o ajuste do estoque de crédito inadimplente, alinhando as regras
contábeis às tributárias, em janeiro de 2026, e não mais no próximo ano, em
parcelas ao longo de um período dilatado. A regra de 36 parcelas era
considerada curta, e alguns bancos poderiam ter prejuízo fiscal. Os bancos
ganham assim mais tempo para abater os créditos inadimplentes dos resultados e
poupam capital para seguir emprestando. O governo insiste que é uma medida
prudencial, mas, na prática, reforçará de imediato a arrecadação em estimados
R$ 16 bilhões.
Oficialmente, os recursos serão utilizados
para compensar “outros projetos de lei que podem melhorar o sistema tributário
para torná-lo mais justo e eficiente”, como o PL das aplicações financeiras,
que promete uniformizar algumas regras de operação em bolsa e seria neutro do
ponto de vista da arrecadação, e a revisão das regras de tributação de
subsidiárias operacionais no exterior das empresas brasileiras (TBU).
A outra MP, a 1.262, nada mais é que a
implantação da tributação sobre as multinacionais prevista no pilar 2 - ou
Global Anti-Base Erosion (GloBE) - em acordo com a Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O pilar 2 estabelece que
multinacionais com faturamento superior a € 750 milhões anuais devem pagar no
mínimo 15% sobre o lucro. Japão, Coreia do Sul, Canadá e integrantes da União
Europeia, são exemplos de países que já adotaram as regras GloBE.
No Brasil, a tributação nominal sobre renda
das empresas no Brasil é de 34%, somando Imposto de Renda e CSLL. Mas a carga
efetiva pode cair abaixo de 15% com incentivos concedidos e deduções legais.
Assim, o adicional de CSLL só será cobrado nos casos em que a tributação
corporativa cair a nível inferior de 15%. O novo tributo vai entrar em vigor em
2025. Por estar em transição e requerer muitas providências, deve resultar em
arrecadação somente em 2026, de R$ 3,4 bilhões. Em estimativa conservadora, a previsão
para 2027 é de R$ 7,2 bilhões e, para 2028, de R$ 7,8 bilhões.
Apesar disso, a nova tributação sobre as
multinacionais deve enfrentar contestações. Um dos principais pontos de crítica
é o fato de ter sido instituída por MP, motivo de queixa em outros casos. A
Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE) reclamou que o governo agiu “sem
adotar o devido diálogo com o setor produtivo e as lideranças do Poder
Legislativo”, e na “ânsia por elevar a arrecadação diante da dificuldade em
reduzir despesas e promover mudanças estruturais nas contas públicas”.
Tributaristas concordam que o assunto deveria ter sido encaminhado na forma de
um projeto de lei. Outro ponto de crítica é que a MP é detalhada em Instrução
Normativa, que não tem força de lei, com cerca de nada menos que 150 artigos.
As MPs com as novas regras tributárias foram
divulgadas em edição extra do Diário Oficial na virada do mês. Já se esperava
alguma surpresa fiscal para esses dias em vista dos prazos legais para tal tipo
de mudança. Em casos de contribuição, se exigem noventa dias de antecedência
para a medida entrar em vigor. Em relação ao Imposto de Renda, vale o princípio
da anualidade, ou seja, mudanças apenas passam valer no ano seguinte.
Há ainda a urgência do governo em garantir o cumprimento de zerar o déficit. Mas isso não é desculpa para seguir aumentando impostos. A criatividade também deve ser usada em medidas de controle de despesas, menos enfáticas do que as de elevação das receitas.
Sabatina de Galípolo ajuda a despolitizar
juros
Folha de S. Paulo
Indicado de Lula é aprovado por situação e
oposição; ofensiva petista contra autonomia do BC dá lugar ao pragmatismo
Se um estrangeiro desavisado assistisse
no Senado à
sabatina de Gabriel
Galípolo, indicado ao comando do Banco Central,
não imaginaria que o país abriga uma polarização feroz entre petistas e
bolsonaristas, nem que o presidente da República tenha movido até outro dia uma
cruzada política contra o BC e sua taxa de juros.
Galípolo, escolha de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT),
mostrou-se alinhado ao atual titular do posto, Roberto
Campos Neto, escolha de Jair
Bolsonaro (PL) e alvo de múltiplos
ataques de Lula. Senadores de situação e oposição na Comissão de Assuntos
Econômicos apresentaram questões com serenidade e foco em aspectos técnicos da
gestão monetária.
Aprovado por unanimidade no colegiado e por 66 a 5 no
plenário do Senado, o sabatinado, que já é membro da diretoria do
BC, chegou a fazer troça da ideia de que promoveria alguma ruptura na
instituição. "Sinto que eu gerei uma grande frustração na expectativa que
existia de que, ao entrar no BC, fosse começar um grande reality show, com
grandes disputas e brigas ali dentro."
Ora, se tal expectativa chegou a existir foi
devido à ofensiva pública de Lula e seu partido contra Campos Neto e a
autonomia do BC —e porque, em maio, os quatro diretores indicados pela
administração petista se opuseram à
decisão de reduzir o ritmo de corte da taxa Selic.
De lá para cá, no entanto, todas as
deliberações do Comitê de Política Monetária foram unânimes, e o próprio Lula
não fez um escarcéu quando os juros voltaram a subir para conter a inflação.
Importa menos se as convicções de fato mudaram. Mais relevante é a demonstração
de sensatez diante da realidade.
A estabilidade da moeda se consolidou como
valor inegociável na sociedade brasileira, e a autonomia
formal do BC, outrora um tabu político, mostra-se um meio eficaz de
manter preços sob controle a custos menores.
Apresentadas com argumentos e projeções
transparentes, as medidas de política monetária são percebidas como bem
fundamentadas e capazes de orientar expectativas de consumidores, investidores
e empresários. Reverter tal avanço institucional teria impacto desastroso
—sobretudo porque a política fiscal não goza da mesma credibilidade.
Obviamente, a definição dos juros não é
ciência exata, e divergências quanto a critérios e estratégias são naturais e
mesmo bem-vindas. É crucial, no entanto, que ela se dê com sólido conhecimento
técnico e livre de ingerência política imediatista.
Os Poderes eleitos, como apontou Galípolo,
não estão alijados desse processo. A eles cabe a definição das metas a serem
seguidas e a indicação e o escrutínio dos responsáveis por cumpri-las.
A autonomia não é panaceia, e sua solidez
ainda está por ser testada neste e nos próximos governos. Seu sucesso dependerá
do amadurecimento do debate nacional em torno de princípios e objetivos da
política econômica.
Câmara de São Paulo ruma ao centro
Folha de S. Paulo
Composição terá menos vereadores de direita,
que quase se iguala à esquerda; quadro é mais propício a Nunes que a Boulos
Uma máxima na política diz que um novo
Legislativo é sempre pior que o anterior, mas melhor que o próximo. Blagues à
parte, a futura composição da Câmara Municipal de São Paulo —a
maior do país, com 55 vereadores— permite vislumbrar o que o próximo prefeito
e, principalmente, os paulistanos podem esperar da Casa para o quadriênio
2025-28.
Ainda que a fragmentação em 16 partidos
—cujos integrantes, em grande parte, estão mais afeitos a conveniências
particulares do que a empunhar bandeiras coletivas— turve uma análise mais
consolidada do espectro ideológico, é possível concluir que o futuro
ciclo estará mais ao centro e menos à direita.
Conforme o GPS partidário, métrica da Folha que
posiciona as agremiações, as de direita passarão de 26 para 17 cadeiras; as de
centro, de 12 para 20; e as de esquerda, de 17 para 18.
A vitória apertada no primeiro turno do atual
prefeito, Ricardo Nunes (MDB), sobre o
psolista Guilherme
Boulos, por 29,48% a 29,07% dos votos válidos, não se refletiu na
divisão do Legislativo.
Embalado por uma ampla coalizão, Nunes
amealhou 65% do total, com 36 aliados. Já a fatia de Boulos corresponde a 25%
(16).
Enquanto a renovação neste ano registrou
ligeira queda (20 novos edis, ou 36%, ante 40% das duas últimas eleições),
a bancada feminina, boa notícia, triplicou em relação há 12 anos.
As mulheres
pularão de 13 para 20 (36%), ainda longe, contudo, de sua proporção
na capital (53%). Pretos e pardos cresceram de 22% para 29%, mas também sem
equivalência (44%, no total).
Os novatos podem ser minoria, mas o
desempenho que tirou de cena legisladores experientes impressiona pela força
popular: nada menos que os três mais votados são estreantes na política.
Atual presidente da Casa, Milton Leite (União Brasil)
não tentou outro mandato após 30 anos, talvez em razão de investigações que o
colocam como testemunha
em eventual ligação do PCC com empresas de ônibus. Ainda assim,
elegeu três vereadores, e sua influência seguirá considerável.
A correlação de forças dependerá de quem será
o próximo prefeito, mas Boulos, por óbvio, terá mais dificuldades em costurar
uma base de sustentação.
Independentemente de inclinações ideológicas
e de quem seja eleito, espera-se da Câmara menos fisiologismo e busca frenética
por cargos e emendas; autonomia em relação ao Executivo; e, sobretudo, projetos
que defendam os interesses da maioria dos paulistanos. Se será melhor ou pior,
só o tempo dirá.
Lula cada vez mais parecido com Dilma
O Estado de S. Paulo
Economistas alertam que descaso com política
fiscal torna o terceiro mandato do petista semelhante ao de sua criatura, cuja
teimosia ideológica conduziu o País à crise e à recessão
A Moody’s deu um upgrade na nota de
classificação de risco do Brasil, deixando o País a um passo do grau de
investimento, mas já há quem vaticine que haverá novo rebaixamento em dois ou
três anos, em razão da constatação óbvia de que o crescimento brasileiro, que
respaldou a avaliação da agência classificadora, está sendo puxado pelo aumento
dos gastos públicos e, por isso mesmo, é insustentável.
“É um crescimento de uma economia a
pleno-emprego, turbinado pelos gastos públicos, com salários correndo além da
produtividade do trabalho, exportações líquidas como proporção do PIB em queda
e rentabilidade das empresas em queda. Tudo isso aponta para uma trajetória de
crescimento insustentável”, disse ao Estadão o economista Samuel
Pessoa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio
Vargas (Ibre-FGV).
“O Brasil está correndo severo risco fiscal”,
alertou Márcio Holland, que foi secretário de Política Econômica do Ministério
da Fazenda durante todo o primeiro mandato de Dilma, de 2011 a 2014. Em
entrevista ao jornal Valor, Holland lembrou que em 2012 os problemas
fiscais que levariam à recessão já eram “identificáveis”. Mas naquela época,
disse o economista, o governo foi adiando medidas dolorosas de ajuste para não
comprometer a popularidade de Dilma. O mesmo está acontecendo agora: “Nós
estamos adiando um ajuste fiscal. E eu estou antecipando, com riscos de
análise, que, como há eleições em 2026, (...) existe uma chance de a gente
adiar esse ajuste de novo”.
Para Holland, “a gente vai ter um Lula 3
muito parecido com Dilma 1, que foi um período em que, em certo momento, já
havia a necessidade de ajuste fiscal”. Samuel Pessoa é ainda mais pessimista:
“É um cenário muito parecido com o governo Dilma 2″ – aquele em que o Brasil
mergulhou na recessão. Mas Pessoa considera que a desorganização da economia
não começou com Dilma, e sim com o próprio Lula em seu segundo mandato. Ou
seja, o descuido com o equilíbrio fiscal é uma espécie de marca registrada do
lulopetismo, que Dilma apenas acentuou em razão de suas teimosias ideológicas.
A negligência com a política fiscal se traduz
na escalada do endividamento público a um ritmo que impressiona, devendo chegar
a até 82% do PIB em 2026, um nível de comprometimento muito superior ao dos
países emergentes. Tudo isso num cenário de juros altos e sem uma arrecadação
que garanta solvência. Caso a projeção se confirme, o governo Lula da Silva
deixará como saldo um aumento de 14 pontos porcentuais do PIB para a dívida. “E
não conseguimos enxergar nenhum processo de estabilização, de reversão dessa
tendência”, afirma Pessoa.
Não foi à toa, portanto, que a avaliação
otimista da Moody’s surpreendeu todo o mercado. “A Moody’s deu um voto de
confiança muito grande ao governo”, disse ao Valor Mansueto Almeida,
economista-chefe do BTG-Pactual e que de 2016 a 2020 ocupou as secretarias de
Acompanhamento Econômico e do Tesouro Nacional. Mansueto pôs em dúvida a
capacidade do governo de tomar medidas para fortalecer o arcabouço fiscal, de modo
a conquistar o desejado grau de investimento, como recomendou a Moody’s. “É uma
incerteza. Já há acordo político? Qual a concordância, na base do governo, com
essas medidas, e quais são elas? A gente escuta da área econômica que há, sim,
um esforço e que, possivelmente, serão apresentadas medidas para mudar a
dinâmica do gasto obrigatório, mas ninguém sabe quais são essas medidas.”
Assim, é compreensível o comedimento do
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que, em vez de comemorações efusivas,
preferiu aproveitar a deixa para pedir ao “governo como um todo” – Lula
inclusive – que leve a sério a necessidade de equilíbrio fiscal. O que se tem
visto até aqui, no entanto, é uma batalha quase solitária de Haddad e sua
equipe para fechar as contas. O problema é que, num governo notoriamente
gastador, sobrou para o ministro basear seu esforço na arrecadação – mas esse
espaço, politicamente, já acabou.
É hora de aprimorar o Bolsa Família
O Estado de S. Paulo
Relatório do TCU mostra que programa social
pode e deve ser otimizado. Cabe a Lula da Silva deixar a ideologia de lado e
trabalhar com esses dados técnicos imbuído de espírito público
No fim de setembro, o Tribunal de Contas da
União (TCU) encaminhou seu 8.º Relatório de Fiscalizações em Políticas Públicas
e Programas de Governo (RePP) aos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e
do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Para além do fato de se tratar de uma
imposição legal, haja vista que o TCU, como órgão de assessoramento do
Congresso, deve subsidiar os parlamentares com dados e análises técnicas para
um bom controle externo dos atos do Poder Executivo, o RePP é um valioso mapa
de oportunidades de melhoria em políticas públicas para o próprio governo
federal.
É com espírito público, portanto, que esse
trabalho deve ser visto pelo Palácio do Planalto. Está claro que há um jeito
correto e eficiente de fazer as coisas – e, como mostrou a Corte de Contas, há
meios para que assim seja. Cabe ao presidente Lula da Silva lutar contra seus
cacoetes ideológicos, além de deixar seus interesses eleitoreiros mais
imediatos de lado, e abraçar a boa técnica para melhor atender os que realmente
precisam do amparo do Estado.
O RePP é resultado de uma ampla auditoria que
cobriu diversas políticas públicas em andamento. Mas o relatório é
particularmente oportuno para o aprimoramento do Bolsa Família. Em primeiro
lugar, porque um país como o Brasil não pode prescindir de um eficiente
programa de transferência de renda, que propicia o básico para que os cidadãos
mais vulneráveis tenham uma vida minimamente digna – o que começa com o acesso
à alimentação.
Ademais, é sabido há muitos anos que o Bolsa
Família, em que pesem seus reconhecidos méritos, ainda tem muito a melhorar em
termos de focalização dos beneficiários e, consequentemente, de eficiência do
gasto público.
O TCU identificou, por exemplo, que o
Benefício Complementar de R$ 600 mínimos por família, cuja origem é o Auxílio
Brasil implementado no governo de Jair Bolsonaro, é prejudicial para a
equidade per capita do programa. Isso ocorre, de acordo com o
relatório, porque “o benefício atende diferentes unidades familiares pelo mesmo
valor, independentemente do número de integrantes”. Vale dizer, a fixação de um
valor mínimo para todos, que desconsidera as necessidades singulares de cada
lar atendido, penaliza os mais carentes entre os desvalidos. Na época da
pandemia de covid-19, era compreensível que se despejasse dinheiro para mitigar
os danos para as famílias mais pobres. Mas esse tempo passou.
De acordo com o RePP, a remodelagem do Bolsa
Família, com o fim de “transferência para algumas famílias de valores além
daqueles necessários para a sua retirada da situação de pobreza”, pode gerar
uma economia anual de quase R$ 13 bilhões para o erário. Mas o objetivo
principal nem deve ser reduzir o gasto, e sim torná-lo mais inteligente.
Grande parte da ineficiência do atual modelo
do Bolsa Família decorre da má focalização – ou seja, cidadãos que estão
recebendo o benefício, mas não deveriam ou deveriam receber menos. Segundo o
ministro Vital do Rêgo, “o novo desenho do Bolsa Família, apesar de ter
melhorado o custo-efetividade em relação ao Auxílio Brasil, ainda apresenta
custos para redução da pobreza superiores ao antigo Bolsa Família, caso não
houvesse incorporado o Benefício Complementar (de R$ 600)”. Um novo desenho,
sem o pagamento indistinto do Benefício Complementar, pode levar a uma economia
de 9,1% no orçamento do Bolsa Família, “mantendo o mesmo impacto no combate à
pobreza, ou reduzir a pobreza a 7,2% a mais, com o mesmo orçamento”.
Como se vê, não se trata de investir menos,
mas de investir melhor. E isso não é novidade. Desde a primeira versão do
programa, nos idos do primeiro mandato de Lula, não tem faltado alertas de
respeitados estudiosos, como Ricardo Paes de Barros e Marcos Lisboa, entre
outros, salientando a necessidade de ajustes para uma melhor focalização do
benefício social.
O Bolsa Família tem história. Há uma massa de
dados acumulados. Há uma burocracia competente para analisá-los. Cabe a Lula
decidir o que fazer com esse cabedal de conhecimento e melhorar o programa a
fim de melhor atender às necessidades prementes dos beneficiários – mas,
sobretudo, dar-lhes condições para uma vida independente no futuro.
A eficiência eleitoral brasileira
O Estado de S. Paulo
Sistema eleitoral do País demonstra mais uma
vez sua agilidade, transparência e confiabilidade
No último domingo, passados apenas dez
minutos do encerramento do horário de votação em todo o País, o município
catarinense de São Cristóvão do Sul já sabia quem eram os seus eleitos. Em São
Paulo, maior colégio eleitoral do Brasil, a definição de segundo turno entre
Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL) demorou um pouco mais, é claro,
mas isso se deveu mais pelo tamanho do eleitorado e pela disputa acirrada entre
três candidatos para saber quem iria ao segundo turno do que pela organização
das eleições em si – exemplar, como de hábito.
Ainda no domingo, como destacou a presidente
do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Cármen Lúcia, os brasileiros
foram dormir conhecendo os prefeitos e vereadores eleitos, bem como quem
disputaria o segundo turno. Não é exatamente novidade, já que o sistema
eleitoral do País, eleição após eleição, demonstra sua eficiência e sua
transparência.
A esta altura, portanto, a confiabilidade do
sistema eleitoral brasileiro não deveria ser mais notícia. No entanto,
considerando-se que esta foi a primeira eleição depois da ofensiva golpista dos
bolsonaristas em 2022, da qual o questionamento sobre as urnas eletrônicas foi
um dos principais dínamos, faz-se necessário ressaltar que, como sempre, a
eleição em todos os municípios brasileiros transcorreu sem qualquer incidente
sério relacionado ao sistema de votação e que os resultados foram conhecidos no
mesmo dia.
Registre-se, aliás, que vários bolsonaristas
foram eleitos País afora, outros tantos foram derrotados, e não se ouviu
nenhuma reclamação deles sobre as urnas. É como se o assunto, que mobilizou o
País e gerou enorme tensão institucional na campanha eleitoral de 2022, nunca
tivesse existido.
Mas existiu, e não se pode esquecer que
Bolsonaro se tornou inelegível exatamente porque abusou de seu poder como
presidente ao questionar a confiabilidade das urnas perante representantes
diplomáticos estrangeiros em meio à campanha de 2022.
Agora, mesmo clamorosamente derrotado no
pleito municipal ao qual verdadeiramente se dedicou, o do Rio de Janeiro, onde
o bolsonarista Alexandre Ramagem (PL) perdeu em primeiro turno para o prefeito
Eduardo Paes (PSD), não se ouviu o ex-presidente se queixar do sistema
eleitoral do País. Pode até ser que ele volte a fazê-lo, porque a natureza
golpista sempre fala mais alto, mas na verdade isso não importa, já que,
enquanto a credibilidade de Bolsonaro é cada vez menor, as urnas seguem motivo
de orgulho nacional, orgulho este renovado a cada eleição – quando, como bem
disse a ministra Cármen Lúcia, vamos dormir no próprio dia do pleito conhecendo
todos os resultados, computando-se milhões de votos em poucas horas, algo
impensável em países muito mais ricos e poderosos que o Brasil. É o notório
caso dos Estados Unidos, que no mês que vem, ao escolher seu novo presidente,
voltará a exibir ao mundo seu caótico sistema de votação.
Centrão, emendas e eleições municipais
Correio Braziliense
Ao pensar no futuro da democracia
representativa, é preciso elaborar mecanismos que diminuam o poder daqueles que
já têm muito
O apito final do jogo eleitoral na maior
parte das cidades brasileiras mostra um cenário esperado. Os partidos de
centro, como PSD e MDB, lideram o número de prefeituras conquistadas no país,
ainda que moradores de 52 municípios tenham que votar novamente, em segundo
turno, no próximo dia 27. Enquanto a legenda comandada por Gilberto Kassab
conquistou 882 executivos, a encabeçada pelo deputado federal Baleia Rossi
faturou 856. Ambas superaram com folga a polarização PL e PT, siglas que,
juntas, venceram em 760 localidades — 512 por parte da agremiação capitaneada
pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e 248 por intermédio do grupo ligado ao
presidente Lula.
Ainda que tenham os maiores líderes políticos
do Brasil, PT e PL estão longe de controlar o fluxo político do Legislativo.
Durante seus quatro anos de mandato, Bolsonaro encarou muita resistência do
Congresso Nacional e precisou adotar estratégias que se afastam da
transparência, como o orçamento secreto, para garantir a aprovação de políticas
públicas que o interessavam. A caneta mudou de mãos, mas a realidade encarada
por Lula não é diferente, a partir de um diálogo complicado sobretudo na Câmara
dos Deputados, chefiada por Arthur Lira (Progressistas-AL).
É evidente que os desempenhos de PSD e MDB
são apenas ilustrativos, já que o Centrão abarca outras legendas, como o PP de
Lira, Republicanos e o União Brasil — que estão entre os 10 partidos com mais
prefeitos eleitos. Contudo, há em comum entre eles um modus operandi
conhecido: o uso das emendas parlamentares em benefício próprio.
Desde 2020, o orçamento secreto cumpre papel
fundamental para a manutenção no poder. As chamadas transferências diretas, ou
emendas Pix, dão a deputados e senadores a possibilidade de destinar recursos
do orçamento para suas bases eleitorais, sem compromisso com a transparência.
Na prática, um parlamentar encaminha verba para uma determinada cidade sem
especificar sua finalidade, o que permite ao prefeito local gastá-la como bem
entender. O mecanismo dá brecha para desvios ou, no mínimo, aplicação indevida de
um dinheiro que pertence a todos nós.
Como o Centrão é maioria no Congresso, essa
fatia dos parlamentares controla não só boa parte da governabilidade do(a)
presidente da República, seja ele(a) de esquerda ou de direita, mas garante sua
perpetuação no poder ou até mesmo o crescimento, como o registrado nas eleições
do último domingo. Diante de tal panorama, pouco tem efeito medidas como as
realizadas recentemente pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para ampliar a
representatividade nos cargos públicos.
Ao pensar no futuro da democracia
representativa, é preciso elaborar mecanismos que diminuam o poder daqueles que
já têm muito. O primeiro passo dessa necessária transformação é o fim do
orçamento secreto em nome da transparência. Afinal, se o dinheiro é público,
nada mais justo que o eleitor saber cada detalhe de como ele é usado.
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