quarta-feira, 9 de outubro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Aval a Galípolo é sinal de maturidade institucional

O Globo

Em sabatina no Senado, indicado ao BC demonstrou independência e qualificação para o cargo

A aprovação pelo Senado de Gabriel Galípolo como próximo presidente do Banco Central (BC) é bem-vinda. Como diretor de Política Monetária do BC, o nome escolhido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para substituir Roberto Campos Neto a partir de janeiro provou ter capacidade de exercer o novo mandato de forma técnica e independente, como esperam o Congresso e os brasileiros preocupados com as pressões inflacionárias.

Antes de integrar a diretoria do BC, Galípolo foi secretário executivo do ministro Fernando Haddad no início da atual gestão petista. Os senadores questionaram sua proximidade de Lula e sua autonomia em relação ao Planalto durante a sabatina na Comissão de Assuntos Econômicos. Em resposta, ele afirmou que Lula lhe garantiu liberdade para tomar decisões e prometeu seguir à risca o objetivo de perseguir as metas de inflação. Foi a resposta certa. Mas não cabe ao presidente da República garantir nada ao do BC. A liberdade está assegurada na lei que concedeu autonomia à autoridade monetária — e essa é a maior das garantias.

A primeira missão de Galípolo, em marcha desde que seu nome começou a ser aventado para o cargo, consiste justamente em afastar o fantasma da intervenção do Executivo na condução da política monetária, de consequência desastrosa na última passagem petista pela Presidência da República. Seu maior desafio, contudo, será outro: o cenário inflacionário para 2025 e 2026 é turvo. “A desancoragem nas expectativas de inflação nos incomoda”, disse na sabatina. A dúvida não é se o juro básico da economia, a Selic, subirá nos próximos meses, mas a que patamar chegará.

A decisão da agência de classificação de risco Moody’s de elevar a nota de risco soberano do Brasil para o nível imediatamente abaixo ao de bom pagador não dissipou no mercado a desconfiança sobre os compromissos fiscais deste governo. A dívida pública subirá em todos os anos do terceiro mandato de Lula, e ninguém sabe ao certo quando estacionará ou voltará a cair. Para completar, a credibilidade do governo está em baixa, devido à resistência de Lula em controlar as despesas do governo. Os gastos da União também pressionam a demanda e os preços. Galípolo não terá vida fácil.

Na última reunião, o Comitê de Política Monetária (Copom), do BC, aumentou a Selic em 0,25 ponto percentual, para 10,75% ao ano. A decisão, primeira alta desde agosto de 2022, foi unânime. Não passou despercebida a coesão entre diretores indicados nas gestões de Lula, Jair Bolsonaro e nas anteriores. A unanimidade ajudou a dissipar dúvidas sobre o comprometimento do BC com o controle de preços. O próprio Galípolo parece consciente de que a política monetária não deve ser contaminada por ideologia.

A aprovação de seu nome pelo Senado dois dias depois do primeiro turno das eleições municipais é sinal de maturidade institucional. O Legislativo faz bem em retomar a agenda prioritária para o país. Ainda há vários outros projetos na fila, a começar pela regulamentação, sem mais atraso, da reforma tributária. Os senadores precisam virar essa página histórica para a economia brasileira. É esperado que a Câmara dos Deputados adote postura semelhante e volte ao ritmo normal de atividades. O Congresso não pode ficar parado à espera do segundo turno com tantos desafios urgentes.

Ampliação da banda larga escolar exige mais agilidade do governo

O Globo

Dinheiro não falta — mas menos da metade das escolas tem acesso à internet na velocidade adequada

O ritmo de conexão à internet das escolas brasileiras tem ficado aquém do esperado, como constatou reportagem do GLOBO. No último Censo Escolar, 118 mil das 178,5 mil escolas estaduais e municipais declararam ter acesso à rede, mas apenas 81 mil na velocidade indicada para uma navegação adequada.

Recursos não parecem ser problema. A Estratégia Nacional de Escolas Conectadas (Enec), lançada em setembro do ano passado pelo Ministério da Educação (MEC), conta com um orçamento de R$ 8,8 bilhões para dotar todas as escolas de sinal de wi-fi e computadores. O Programa Dinheiro Direto na Escola — Educação Conectada, do MEC, já distribuiu R$ 311 milhões entre 96 mil escolas para pagar mensalidades a provedores. Há também quase R$ 5 bilhões do Aprender Conectado, recursos vindos dos leilões do 5G e do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust).

É natural que, numa rede de ensino tão extensa, haja escolas mais avançadas que outras. Mas os gestores de educação, de estados e municípios, precisam fazer com que as melhores experiências sejam compartilhadas dentro do universo das escolas públicas, com a ajuda de organizações da sociedade que atuam no setor. É lamentável que, até agora, todo o dinheiro à disposição tenha sido insuficiente para acelerar a implementação da banda larga escolar.

“Precisamos ver a conexão de fato chegando às escolas e os investimentos no mesmo ritmo para as demais condições necessárias ao uso da tecnologia, como os computadores e a formação dos professores”, diz Cristieni Castilhos, diretora executiva do MegaEdu, ONG que trata da conectividade nas escolas. Segundo ela, o primeiro ano do programa do governo serviu para a “arrumação da casa” e ainda é possível recuperar o atraso, além de ampliar e aprofundar a discussão sobre o que fazer com a internet nas escolas públicas municipais e estaduais.

Fora garantir a conexão de alta velocidade, também é preciso aperfeiçoar a formação de professores para que usem com eficiência as ferramentas digitais. É vital um projeto pedagógico sólido para a internet em sala de aula. Como se sabe, a internet é um instrumento poderoso — para o bem ou para o mal. É fundamental ensinar os alunos a usá-la de forma consciente, a se precaver contra a desinformação e a navegar de forma ética e segura, além de proteger a intimidade deles e evitar o bullying digital.

Uma das características positivas do mundo digital é que ele permite o trabalho colaborativo, mesmo fora da escola. É possível definir conteúdos levando em conta o nível de aprendizagem e o desempenho de cada aluno. Pode-se monitorar a qualquer momento o rendimento, identificar dificuldades e criar planos de estudo individuais. Também há recursos para permitir o aprendizado de alunos com deficiências visuais ou auditivas. Por tudo isso, o treinamento do professor é essencial. O que não dá é para ficar parado, reclamando que faltam recursos. Há dinheiro suficiente. O que falta é saber usá-lo com competência.

Novas medidas de arrecadação não deveriam apoiar mais gastos

Valor Econômico

Criatividade do governo também deve ser usada em medidas de controle de despesas, menos enfáticas do que as de elevação das receitas

O governo recorreu a mais duas medidas para ajudar as contas públicas. Uma delas adia em um ano o prazo para os bancos deduzirem o estoque de crédito inadimplente da base de cálculo do Imposto de Renda (IR) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), o que vai resultar em receita extra de R$ 16 bilhões para os cofres públicos. A outra estabeleceu um adicional de CSLL pago pelas multinacionais estrangeiras que atuam no Brasil, que deverá gerar em torno de R$ 8 bilhões por ano quando atingir a maturidade. Essa arrecadação adicional deveria ser usada para zerar as contas públicas e, se possível, conseguir algum superávit. Teme-se que sirva para ampliar gastos.

Até agora, a Fazenda conta com um pacote de R$ 166,4 bilhões de receitas extras, muitas delas incertas, como as que dependem de vitórias no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), de acordos de transações tributárias ou então sujeitas à aprovação pelo Congresso. Mas o presidente da Câmara, Arthur Lira, disse que há muita resistência a aprovar impopulares aumentos de impostos para cumprir o ajuste fiscal. Estão no Congresso propostas do Executivo que elevam a taxação sobre dividendos e juros sobre capital próprio, que podem render R$ 25 bilhões.

Nos casos mais recentes, o governo buscou argumentos para quebrar a resistência dos congressistas. No adiamento em um ano do prazo para os bancos começarem a deduzir o crédito inadimplente da base de cálculo do IR e da CSLL, detalhado na Medida Provisória (MP) 1.261, a mudança teria sido pedida pelos próprios bancos, que também solicitaram o alongamento do prazo de adaptação dos três anos originais para oito a dez anos.

Assim, pela MP 1.261, os bancos passariam a fazer o ajuste do estoque de crédito inadimplente, alinhando as regras contábeis às tributárias, em janeiro de 2026, e não mais no próximo ano, em parcelas ao longo de um período dilatado. A regra de 36 parcelas era considerada curta, e alguns bancos poderiam ter prejuízo fiscal. Os bancos ganham assim mais tempo para abater os créditos inadimplentes dos resultados e poupam capital para seguir emprestando. O governo insiste que é uma medida prudencial, mas, na prática, reforçará de imediato a arrecadação em estimados R$ 16 bilhões.

Oficialmente, os recursos serão utilizados para compensar “outros projetos de lei que podem melhorar o sistema tributário para torná-lo mais justo e eficiente”, como o PL das aplicações financeiras, que promete uniformizar algumas regras de operação em bolsa e seria neutro do ponto de vista da arrecadação, e a revisão das regras de tributação de subsidiárias operacionais no exterior das empresas brasileiras (TBU).

A outra MP, a 1.262, nada mais é que a implantação da tributação sobre as multinacionais prevista no pilar 2 - ou Global Anti-Base Erosion (GloBE) - em acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O pilar 2 estabelece que multinacionais com faturamento superior a € 750 milhões anuais devem pagar no mínimo 15% sobre o lucro. Japão, Coreia do Sul, Canadá e integrantes da União Europeia, são exemplos de países que já adotaram as regras GloBE.

No Brasil, a tributação nominal sobre renda das empresas no Brasil é de 34%, somando Imposto de Renda e CSLL. Mas a carga efetiva pode cair abaixo de 15% com incentivos concedidos e deduções legais. Assim, o adicional de CSLL só será cobrado nos casos em que a tributação corporativa cair a nível inferior de 15%. O novo tributo vai entrar em vigor em 2025. Por estar em transição e requerer muitas providências, deve resultar em arrecadação somente em 2026, de R$ 3,4 bilhões. Em estimativa conservadora, a previsão para 2027 é de R$ 7,2 bilhões e, para 2028, de R$ 7,8 bilhões.

Apesar disso, a nova tributação sobre as multinacionais deve enfrentar contestações. Um dos principais pontos de crítica é o fato de ter sido instituída por MP, motivo de queixa em outros casos. A Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE) reclamou que o governo agiu “sem adotar o devido diálogo com o setor produtivo e as lideranças do Poder Legislativo”, e na “ânsia por elevar a arrecadação diante da dificuldade em reduzir despesas e promover mudanças estruturais nas contas públicas”. Tributaristas concordam que o assunto deveria ter sido encaminhado na forma de um projeto de lei. Outro ponto de crítica é que a MP é detalhada em Instrução Normativa, que não tem força de lei, com cerca de nada menos que 150 artigos.

As MPs com as novas regras tributárias foram divulgadas em edição extra do Diário Oficial na virada do mês. Já se esperava alguma surpresa fiscal para esses dias em vista dos prazos legais para tal tipo de mudança. Em casos de contribuição, se exigem noventa dias de antecedência para a medida entrar em vigor. Em relação ao Imposto de Renda, vale o princípio da anualidade, ou seja, mudanças apenas passam valer no ano seguinte.

Há ainda a urgência do governo em garantir o cumprimento de zerar o déficit. Mas isso não é desculpa para seguir aumentando impostos. A criatividade também deve ser usada em medidas de controle de despesas, menos enfáticas do que as de elevação das receitas.

Sabatina de Galípolo ajuda a despolitizar juros

Folha de S. Paulo

Indicado de Lula é aprovado por situação e oposição; ofensiva petista contra autonomia do BC dá lugar ao pragmatismo

Se um estrangeiro desavisado assistisse no Senado à sabatina de Gabriel Galípolo, indicado ao comando do Banco Central, não imaginaria que o país abriga uma polarização feroz entre petistas e bolsonaristas, nem que o presidente da República tenha movido até outro dia uma cruzada política contra o BC e sua taxa de juros.

Galípolo, escolha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mostrou-se alinhado ao atual titular do posto, Roberto Campos Neto, escolha de Jair Bolsonaro (PL) e alvo de múltiplos ataques de Lula. Senadores de situação e oposição na Comissão de Assuntos Econômicos apresentaram questões com serenidade e foco em aspectos técnicos da gestão monetária.

Aprovado por unanimidade no colegiado e por 66 a 5 no plenário do Senado, o sabatinado, que já é membro da diretoria do BC, chegou a fazer troça da ideia de que promoveria alguma ruptura na instituição. "Sinto que eu gerei uma grande frustração na expectativa que existia de que, ao entrar no BC, fosse começar um grande reality show, com grandes disputas e brigas ali dentro."

Ora, se tal expectativa chegou a existir foi devido à ofensiva pública de Lula e seu partido contra Campos Neto e a autonomia do BC —e porque, em maio, os quatro diretores indicados pela administração petista se opuseram à decisão de reduzir o ritmo de corte da taxa Selic.

De lá para cá, no entanto, todas as deliberações do Comitê de Política Monetária foram unânimes, e o próprio Lula não fez um escarcéu quando os juros voltaram a subir para conter a inflação.
Importa menos se as convicções de fato mudaram. Mais relevante é a demonstração de sensatez diante da realidade.

A estabilidade da moeda se consolidou como valor inegociável na sociedade brasileira, e a autonomia formal do BC, outrora um tabu político, mostra-se um meio eficaz de manter preços sob controle a custos menores.

Apresentadas com argumentos e projeções transparentes, as medidas de política monetária são percebidas como bem fundamentadas e capazes de orientar expectativas de consumidores, investidores e empresários. Reverter tal avanço institucional teria impacto desastroso —sobretudo porque a política fiscal não goza da mesma credibilidade.

Obviamente, a definição dos juros não é ciência exata, e divergências quanto a critérios e estratégias são naturais e mesmo bem-vindas. É crucial, no entanto, que ela se dê com sólido conhecimento técnico e livre de ingerência política imediatista.

Os Poderes eleitos, como apontou Galípolo, não estão alijados desse processo. A eles cabe a definição das metas a serem seguidas e a indicação e o escrutínio dos responsáveis por cumpri-las.

A autonomia não é panaceia, e sua solidez ainda está por ser testada neste e nos próximos governos. Seu sucesso dependerá do amadurecimento do debate nacional em torno de princípios e objetivos da política econômica.

Câmara de São Paulo ruma ao centro

Folha de S. Paulo

Composição terá menos vereadores de direita, que quase se iguala à esquerda; quadro é mais propício a Nunes que a Boulos

Uma máxima na política diz que um novo Legislativo é sempre pior que o anterior, mas melhor que o próximo. Blagues à parte, a futura composição da Câmara Municipal de São Paulo —a maior do país, com 55 vereadores— permite vislumbrar o que o próximo prefeito e, principalmente, os paulistanos podem esperar da Casa para o quadriênio 2025-28.

Ainda que a fragmentação em 16 partidos —cujos integrantes, em grande parte, estão mais afeitos a conveniências particulares do que a empunhar bandeiras coletivas— turve uma análise mais consolidada do espectro ideológico, é possível concluir que o futuro ciclo estará mais ao centro e menos à direita.

Conforme o GPS partidário, métrica da Folha que posiciona as agremiações, as de direita passarão de 26 para 17 cadeiras; as de centro, de 12 para 20; e as de esquerda, de 17 para 18.

A vitória apertada no primeiro turno do atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB), sobre o psolista Guilherme Boulos, por 29,48% a 29,07% dos votos válidos, não se refletiu na divisão do Legislativo.

Embalado por uma ampla coalizão, Nunes amealhou 65% do total, com 36 aliados. Já a fatia de Boulos corresponde a 25% (16).

Enquanto a renovação neste ano registrou ligeira queda (20 novos edis, ou 36%, ante 40% das duas últimas eleições), a bancada feminina, boa notícia, triplicou em relação há 12 anos.

As mulheres pularão de 13 para 20 (36%), ainda longe, contudo, de sua proporção na capital (53%). Pretos e pardos cresceram de 22% para 29%, mas também sem equivalência (44%, no total).

Os novatos podem ser minoria, mas o desempenho que tirou de cena legisladores experientes impressiona pela força popular: nada menos que os três mais votados são estreantes na política.

Atual presidente da Casa, Milton Leite (União Brasil) não tentou outro mandato após 30 anos, talvez em razão de investigações que o colocam como testemunha em eventual ligação do PCC com empresas de ônibus. Ainda assim, elegeu três vereadores, e sua influência seguirá considerável.

A correlação de forças dependerá de quem será o próximo prefeito, mas Boulos, por óbvio, terá mais dificuldades em costurar uma base de sustentação.

Independentemente de inclinações ideológicas e de quem seja eleito, espera-se da Câmara menos fisiologismo e busca frenética por cargos e emendas; autonomia em relação ao Executivo; e, sobretudo, projetos que defendam os interesses da maioria dos paulistanos. Se será melhor ou pior, só o tempo dirá.

Lula cada vez mais parecido com Dilma

O Estado de S. Paulo

Economistas alertam que descaso com política fiscal torna o terceiro mandato do petista semelhante ao de sua criatura, cuja teimosia ideológica conduziu o País à crise e à recessão

A Moody’s deu um upgrade na nota de classificação de risco do Brasil, deixando o País a um passo do grau de investimento, mas já há quem vaticine que haverá novo rebaixamento em dois ou três anos, em razão da constatação óbvia de que o crescimento brasileiro, que respaldou a avaliação da agência classificadora, está sendo puxado pelo aumento dos gastos públicos e, por isso mesmo, é insustentável.

“É um crescimento de uma economia a pleno-emprego, turbinado pelos gastos públicos, com salários correndo além da produtividade do trabalho, exportações líquidas como proporção do PIB em queda e rentabilidade das empresas em queda. Tudo isso aponta para uma trajetória de crescimento insustentável”, disse ao Estadão o economista Samuel Pessoa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).

“O Brasil está correndo severo risco fiscal”, alertou Márcio Holland, que foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda durante todo o primeiro mandato de Dilma, de 2011 a 2014. Em entrevista ao jornal Valor, Holland lembrou que em 2012 os problemas fiscais que levariam à recessão já eram “identificáveis”. Mas naquela época, disse o economista, o governo foi adiando medidas dolorosas de ajuste para não comprometer a popularidade de Dilma. O mesmo está acontecendo agora: “Nós estamos adiando um ajuste fiscal. E eu estou antecipando, com riscos de análise, que, como há eleições em 2026, (...) existe uma chance de a gente adiar esse ajuste de novo”.

Para Holland, “a gente vai ter um Lula 3 muito parecido com Dilma 1, que foi um período em que, em certo momento, já havia a necessidade de ajuste fiscal”. Samuel Pessoa é ainda mais pessimista: “É um cenário muito parecido com o governo Dilma 2″ – aquele em que o Brasil mergulhou na recessão. Mas Pessoa considera que a desorganização da economia não começou com Dilma, e sim com o próprio Lula em seu segundo mandato. Ou seja, o descuido com o equilíbrio fiscal é uma espécie de marca registrada do lulopetismo, que Dilma apenas acentuou em razão de suas teimosias ideológicas.

A negligência com a política fiscal se traduz na escalada do endividamento público a um ritmo que impressiona, devendo chegar a até 82% do PIB em 2026, um nível de comprometimento muito superior ao dos países emergentes. Tudo isso num cenário de juros altos e sem uma arrecadação que garanta solvência. Caso a projeção se confirme, o governo Lula da Silva deixará como saldo um aumento de 14 pontos porcentuais do PIB para a dívida. “E não conseguimos enxergar nenhum processo de estabilização, de reversão dessa tendência”, afirma Pessoa.

Não foi à toa, portanto, que a avaliação otimista da Moody’s surpreendeu todo o mercado. “A Moody’s deu um voto de confiança muito grande ao governo”, disse ao Valor Mansueto Almeida, economista-chefe do BTG-Pactual e que de 2016 a 2020 ocupou as secretarias de Acompanhamento Econômico e do Tesouro Nacional. Mansueto pôs em dúvida a capacidade do governo de tomar medidas para fortalecer o arcabouço fiscal, de modo a conquistar o desejado grau de investimento, como recomendou a Moody’s. “É uma incerteza. Já há acordo político? Qual a concordância, na base do governo, com essas medidas, e quais são elas? A gente escuta da área econômica que há, sim, um esforço e que, possivelmente, serão apresentadas medidas para mudar a dinâmica do gasto obrigatório, mas ninguém sabe quais são essas medidas.”

Assim, é compreensível o comedimento do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que, em vez de comemorações efusivas, preferiu aproveitar a deixa para pedir ao “governo como um todo” – Lula inclusive – que leve a sério a necessidade de equilíbrio fiscal. O que se tem visto até aqui, no entanto, é uma batalha quase solitária de Haddad e sua equipe para fechar as contas. O problema é que, num governo notoriamente gastador, sobrou para o ministro basear seu esforço na arrecadação – mas esse espaço, politicamente, já acabou.

É hora de aprimorar o Bolsa Família

O Estado de S. Paulo

Relatório do TCU mostra que programa social pode e deve ser otimizado. Cabe a Lula da Silva deixar a ideologia de lado e trabalhar com esses dados técnicos imbuído de espírito público

No fim de setembro, o Tribunal de Contas da União (TCU) encaminhou seu 8.º Relatório de Fiscalizações em Políticas Públicas e Programas de Governo (RePP) aos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Para além do fato de se tratar de uma imposição legal, haja vista que o TCU, como órgão de assessoramento do Congresso, deve subsidiar os parlamentares com dados e análises técnicas para um bom controle externo dos atos do Poder Executivo, o RePP é um valioso mapa de oportunidades de melhoria em políticas públicas para o próprio governo federal.

É com espírito público, portanto, que esse trabalho deve ser visto pelo Palácio do Planalto. Está claro que há um jeito correto e eficiente de fazer as coisas – e, como mostrou a Corte de Contas, há meios para que assim seja. Cabe ao presidente Lula da Silva lutar contra seus cacoetes ideológicos, além de deixar seus interesses eleitoreiros mais imediatos de lado, e abraçar a boa técnica para melhor atender os que realmente precisam do amparo do Estado.

O RePP é resultado de uma ampla auditoria que cobriu diversas políticas públicas em andamento. Mas o relatório é particularmente oportuno para o aprimoramento do Bolsa Família. Em primeiro lugar, porque um país como o Brasil não pode prescindir de um eficiente programa de transferência de renda, que propicia o básico para que os cidadãos mais vulneráveis tenham uma vida minimamente digna – o que começa com o acesso à alimentação.

Ademais, é sabido há muitos anos que o Bolsa Família, em que pesem seus reconhecidos méritos, ainda tem muito a melhorar em termos de focalização dos beneficiários e, consequentemente, de eficiência do gasto público.

O TCU identificou, por exemplo, que o Benefício Complementar de R$ 600 mínimos por família, cuja origem é o Auxílio Brasil implementado no governo de Jair Bolsonaro, é prejudicial para a equidade per capita do programa. Isso ocorre, de acordo com o relatório, porque “o benefício atende diferentes unidades familiares pelo mesmo valor, independentemente do número de integrantes”. Vale dizer, a fixação de um valor mínimo para todos, que desconsidera as necessidades singulares de cada lar atendido, penaliza os mais carentes entre os desvalidos. Na época da pandemia de covid-19, era compreensível que se despejasse dinheiro para mitigar os danos para as famílias mais pobres. Mas esse tempo passou.

De acordo com o RePP, a remodelagem do Bolsa Família, com o fim de “transferência para algumas famílias de valores além daqueles necessários para a sua retirada da situação de pobreza”, pode gerar uma economia anual de quase R$ 13 bilhões para o erário. Mas o objetivo principal nem deve ser reduzir o gasto, e sim torná-lo mais inteligente.

Grande parte da ineficiência do atual modelo do Bolsa Família decorre da má focalização – ou seja, cidadãos que estão recebendo o benefício, mas não deveriam ou deveriam receber menos. Segundo o ministro Vital do Rêgo, “o novo desenho do Bolsa Família, apesar de ter melhorado o custo-efetividade em relação ao Auxílio Brasil, ainda apresenta custos para redução da pobreza superiores ao antigo Bolsa Família, caso não houvesse incorporado o Benefício Complementar (de R$ 600)”. Um novo desenho, sem o pagamento indistinto do Benefício Complementar, pode levar a uma economia de 9,1% no orçamento do Bolsa Família, “mantendo o mesmo impacto no combate à pobreza, ou reduzir a pobreza a 7,2% a mais, com o mesmo orçamento”.

Como se vê, não se trata de investir menos, mas de investir melhor. E isso não é novidade. Desde a primeira versão do programa, nos idos do primeiro mandato de Lula, não tem faltado alertas de respeitados estudiosos, como Ricardo Paes de Barros e Marcos Lisboa, entre outros, salientando a necessidade de ajustes para uma melhor focalização do benefício social.

O Bolsa Família tem história. Há uma massa de dados acumulados. Há uma burocracia competente para analisá-los. Cabe a Lula decidir o que fazer com esse cabedal de conhecimento e melhorar o programa a fim de melhor atender às necessidades prementes dos beneficiários – mas, sobretudo, dar-lhes condições para uma vida independente no futuro.

A eficiência eleitoral brasileira

O Estado de S. Paulo

Sistema eleitoral do País demonstra mais uma vez sua agilidade, transparência e confiabilidade

No último domingo, passados apenas dez minutos do encerramento do horário de votação em todo o País, o município catarinense de São Cristóvão do Sul já sabia quem eram os seus eleitos. Em São Paulo, maior colégio eleitoral do Brasil, a definição de segundo turno entre Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL) demorou um pouco mais, é claro, mas isso se deveu mais pelo tamanho do eleitorado e pela disputa acirrada entre três candidatos para saber quem iria ao segundo turno do que pela organização das eleições em si – exemplar, como de hábito.

Ainda no domingo, como destacou a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Cármen Lúcia, os brasileiros foram dormir conhecendo os prefeitos e vereadores eleitos, bem como quem disputaria o segundo turno. Não é exatamente novidade, já que o sistema eleitoral do País, eleição após eleição, demonstra sua eficiência e sua transparência.

A esta altura, portanto, a confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro não deveria ser mais notícia. No entanto, considerando-se que esta foi a primeira eleição depois da ofensiva golpista dos bolsonaristas em 2022, da qual o questionamento sobre as urnas eletrônicas foi um dos principais dínamos, faz-se necessário ressaltar que, como sempre, a eleição em todos os municípios brasileiros transcorreu sem qualquer incidente sério relacionado ao sistema de votação e que os resultados foram conhecidos no mesmo dia.

Registre-se, aliás, que vários bolsonaristas foram eleitos País afora, outros tantos foram derrotados, e não se ouviu nenhuma reclamação deles sobre as urnas. É como se o assunto, que mobilizou o País e gerou enorme tensão institucional na campanha eleitoral de 2022, nunca tivesse existido.

Mas existiu, e não se pode esquecer que Bolsonaro se tornou inelegível exatamente porque abusou de seu poder como presidente ao questionar a confiabilidade das urnas perante representantes diplomáticos estrangeiros em meio à campanha de 2022.

Agora, mesmo clamorosamente derrotado no pleito municipal ao qual verdadeiramente se dedicou, o do Rio de Janeiro, onde o bolsonarista Alexandre Ramagem (PL) perdeu em primeiro turno para o prefeito Eduardo Paes (PSD), não se ouviu o ex-presidente se queixar do sistema eleitoral do País. Pode até ser que ele volte a fazê-lo, porque a natureza golpista sempre fala mais alto, mas na verdade isso não importa, já que, enquanto a credibilidade de Bolsonaro é cada vez menor, as urnas seguem motivo de orgulho nacional, orgulho este renovado a cada eleição – quando, como bem disse a ministra Cármen Lúcia, vamos dormir no próprio dia do pleito conhecendo todos os resultados, computando-se milhões de votos em poucas horas, algo impensável em países muito mais ricos e poderosos que o Brasil. É o notório caso dos Estados Unidos, que no mês que vem, ao escolher seu novo presidente, voltará a exibir ao mundo seu caótico sistema de votação.

Centrão, emendas e eleições municipais

Correio Braziliense

Ao pensar no futuro da democracia representativa, é preciso elaborar mecanismos que diminuam o poder daqueles que já têm muito

O apito final do jogo eleitoral na maior parte das cidades brasileiras mostra um cenário esperado. Os partidos de centro, como PSD e MDB, lideram o número de prefeituras conquistadas no país, ainda que moradores de 52 municípios tenham que votar novamente, em segundo turno, no próximo dia 27. Enquanto a legenda comandada por Gilberto Kassab conquistou 882 executivos, a encabeçada pelo deputado federal Baleia Rossi faturou 856. Ambas superaram com folga a polarização PL e PT, siglas que, juntas, venceram em 760 localidades — 512 por parte da agremiação capitaneada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e 248 por intermédio do grupo ligado ao presidente Lula.

Ainda que tenham os maiores líderes políticos do Brasil, PT e PL estão longe de controlar o fluxo político do Legislativo. Durante seus quatro anos de mandato, Bolsonaro encarou muita resistência do Congresso Nacional e precisou adotar estratégias que se afastam da  transparência, como o orçamento secreto, para garantir a aprovação de políticas públicas que o interessavam. A caneta mudou de mãos, mas a realidade encarada por Lula não é diferente, a partir de um diálogo complicado sobretudo na Câmara dos Deputados, chefiada por Arthur Lira (Progressistas-AL).

É evidente que os desempenhos de PSD e MDB são apenas ilustrativos, já que o Centrão abarca outras legendas, como o PP de Lira, Republicanos e o União Brasil — que estão entre os 10 partidos com mais prefeitos eleitos. Contudo, há em comum entre eles um modus operandi  conhecido: o uso das emendas parlamentares em benefício próprio. 

Desde 2020, o orçamento secreto cumpre papel fundamental para a manutenção no poder. As chamadas transferências diretas, ou emendas Pix, dão a deputados e senadores a possibilidade de destinar recursos do orçamento para suas bases eleitorais, sem compromisso com a transparência. Na prática, um parlamentar encaminha verba para uma determinada cidade sem especificar sua finalidade, o que permite ao prefeito local gastá-la como bem entender. O mecanismo dá brecha para desvios ou, no mínimo, aplicação indevida de um dinheiro que pertence a todos nós. 

Como o Centrão é maioria no Congresso, essa fatia dos parlamentares controla não só boa parte da governabilidade do(a) presidente da República, seja ele(a) de esquerda ou de direita, mas garante sua perpetuação no poder ou até mesmo o crescimento, como o registrado nas eleições do último domingo. Diante de tal panorama, pouco tem efeito medidas como as realizadas recentemente pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para ampliar a representatividade nos cargos públicos.

Ao pensar no futuro da democracia representativa, é preciso elaborar mecanismos que diminuam o poder daqueles que já têm muito. O primeiro passo dessa necessária transformação é o fim do orçamento secreto em nome da transparência. Afinal, se o dinheiro é público, nada mais justo que o eleitor saber cada detalhe de como ele é usado.

 

 


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