Correio Braziliense
O Brasil precisa sair do binômio
assistência-aos-pobres e proteção-aos-ricos, incentivando a capacidade de
concorrência conforme o talento e vocação de cada pessoa.
Há mais de 30 anos, a economia brasileira não consegue superar a renda média de US$ 10 mil per capita por ano. O país está prisioneiro dessa armadilha a que se impôs por não tomar as medidas necessárias para dinamizar a economia. A consequência é o baixo nível de renda social para o conjunto da população, forçando sucessivos governos a aumentar a carga fiscal para obter capital necessário ao financiamento dos programas sociais e da infraestrutura econômica. A saída tem sido endividamento público e inflação, que agravam a armadilha. O resultado é que, embora o país já disponha de programas que reduzem a penúria, a pobreza persiste e a concentração de renda se mantém.
Nesse mesmo período, diversos países
escaparam da armadilha da renda média e passaram a ter economias produtivas e
sociedades sem pobreza e com boa distribuição de renda. O Brasil precisa olhar
para esses países. Com esse propósito, na semana passada, o Instituto de
Estudos e Pesquisas para fortalecimento da Democracia (IEPfD), com sede em
Recife, promoveu debate com os economistas Edmar Bacha, Jorge Jatobá e Sergio
C. Buarque, sob coordenação de João Rego. Percebeu-se que a superação da
armadilha depende sobretudo de aumentar a produtividade nacional, quanto cada
brasileiro produz ao longo de cada ano. Para tanto, é preciso aumentar a
capacidade de poupança da sociedade para transformar parte da renda social em
investimento produtivo.
O Brasil tem alta preferência pelo consumo e,
portanto, baixa taxa de poupança, o que reduz o investimento e freia a
capacidade de produção de cada pessoa, mantendo o país preso na armadilha. Essa
poupança interna não sendo suficiente, o Brasil precisa de capital externo
disponível buscando onde investir. Mas, para exercer essa atração, o país
precisa de estabilidade jurídica. Os investidores não são atraídos para
economias cujas leis mudam ao sabor da vontade de juízes, parlamentares ou
partidos no poder. A democracia é importante para evitar mudanças políticas que
oscilam em função da vontade do governo, mas também precisa de leis e regras
estáveis. O capital internacional evita países em que as leis mudam conforme o
humor dos governantes ou das interpretações dos juízes; no lugar de
investimento produtivo que aumentaria a armadilha da renda média, especulam no
curto prazo.
Além da estabilidade jurídica, o investidor
estrangeiro quer estabilidade social: saber que seus executivos não serão
assaltados, que não vão exigir salários que compensem o risco de viver nas
cidades brasileiras, ou o custo de viver em condomínios fechados, de contratar
seguranças, usar carros blindados. O investidor estrangeiro também quer que
seus trabalhadores saibam a hora de sair de casa e de chegar ao trabalho em
transporte público eficiente, morando em casas com saneamento que evita doenças
por insalubridade. Para sair da armadilha da renda média, o investidor precisa
que o Brasil faça seu dever de casa no setor social. Já não há como atrair
investimento com base na escravidão ou na apartação. Ao mesmo tempo, o Brasil
precisa sair do binômio assistência-aos-pobres e proteção-aos-ricos,
incentivando a capacidade de concorrência conforme o talento e vocação de cada
pessoa.
O mais importante vetor para livrar o Brasil
da armadilha da renda média é a educação de base com qualidade para todos. Uma
amarra do Brasil está em que a teoria econômica que usamos não vê a educação de
base do povo como vetor do progresso. Esquerda e direita veem a educação de
base como um serviço social, não como recurso econômico. A educação de
qualidade para todos não é vista como um fator de produção: todos lendo e
entendendo português, fluente em pelo menos um idioma estrangeiro, conhecendo
as bases da matemática, ciências, história, geografia, filosofia, assuntos
internacionais, dispondo da habilidade e conhecimento de um ofício
profissional.
O Brasil não apenas está na armadilha da
renda média, que não avança. O Brasil optou pela armadilha da renda média e não
parece querer livrar-se dela com estabilidade jurídica, um sistema de educação
de base com qualidade e equidade, tampouco abrir suas fronteiras para disputar
eficiência no mundo, reduzir a preferência pelo consumo e aumentar a poupança,
promover incentivos ao empreendedorismo e ao talento.
* Professor emérito da Universidade de
Brasília (UnB)
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