quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Elio Gaspari - Boulos tem uma tarefa de Hércules

O Globo

O centro migrou para o conservadorismo

Com cinco capitais e cerca de 15 milhões de eleitores pendurados no segundo turno, é arriscado dizer quem prevaleceu na eleição municipal. Os números não favorecem o PT. Ele está fora da disputa em Belo Horizonte e Goiânia. Suas batalhas serão três: São Paulo, Fortaleza e Porto Alegre. Se levar as três, poderá cantar vitória, mas São Paulo, a joia da coroa, prenuncia um trabalho de Hércules para Guilherme Boulos.

Numa conta de padaria, admitindo que Ricardo Nunes fique com a mesma votação e Boulos carreie todos os votos de Tabata Amaral e de outros seis deixados de fora, partirá de 42%. Para chegar aos 50%, terá de buscar mais de 600 mil votos no estoque de Pablo Marçal. (Como 2,5 milhões não foram votar no domingo, essa conta só fechará na noite da eleição.)

As eleições municipais não antecipam prognósticos para as gerais, mas as duas rimam. A de 2020 mostrou que o trator de 2018 — que elegeu Bolsonaro, Wilson Witzel no Rio e João Doria em São Paulo — havia perdido tração. Dois anos depois, Lula venceu na capital paulista.

O centro da política brasileira moveu-se para o conservadorismo. Só isso explica que Ricardo Nunes, um jovem militante do MDB de Ulysses Guimarães, eleito vice-prefeito na chapa de Bruno Covas, acuse seu adversário de ser, hoje, um extremista de esquerda.

Não se pode saber até onde essa migração tem a ver com a transformação do PSDB paulista de Fernando Henrique Cardoso e Mário Covas numa irrelevância eleitoral. Nascido em 1988 de uma costela do MDB, ao romper com as malfeitorias de Orestes Quércia, uma parte das sobras do tucanato patrocinou José Luiz Datena e outra aninhou-se na campanha de Nunes.

O PSDB era um algodão entre cristais. O PT deu-lhe guerra sem quartel. Inebriados por anos de poder e de sucesso, os tucanos claudicaram, e o conservadorismo foi capturado por fanáticos sem causa. Ganha um fim de semana em Caracas quem souber que causa Pablo Marçal perseguia.

Lula, que já se definiu como “metamorfose ambulante”, cabe no molde dos sociais-democratas. A militância petista, não.

Prevalecendo no Rio de Janeiro, o presidente aliou-se ao prefeito Eduardo Paes, e ele se reelegeu, derrotando o candidato do clã dos Bolsonaros.

Por algum motivo, Lula quis manter distância das disputas municipais. Pode ter sido uma má ideia, até porque a batata da eleição de São Paulo cairá no seu colo. Nas próximas semanas, vai-se saber o tamanho do empenho de Lula por Boulos.

Gilberto Kassab e Tarcísio de Freitas, que entraram de cabeça na campanha, saíram vencedores do primeiro turno. O PSD de Kassab já elegeu 878 prefeitos em todo o país, superando os 847 do MDB. Em São Paulo, Tarcísio ajudou a conter Pablo Marçal, e sua base já elegeu 354 dos 645 prefeitos paulistas.

Todos os trogloditas apresentam-se como conservadores, mas nem todos os conservadores são trogloditas. Outro dia, Lula discorreu sobre o que seria um declínio mundial da esquerda e deu como exemplo o cavalo de pau do presidente francês, Emmanuel Macron, que convidou para seu primeiro-ministro um quadro conservador. Terá sido parte de um declínio? O poder de Macron é ameaçado por uma direita xenófoba e radical. (Pouco a ver com os trogloditas de Pindorama.)

 

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