quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Martin Wolf - Protecionismo de Trump debilitará o mundo

Valor Econômico

É preciso torcer para que essa nova guerra comercial nunca chegue nem a começar

Donald Trump acredita que as tarifas têm propriedades mágicas. “Eu parei guerras com ameaça das tarifas”, chegou a dizer em seu discurso no Clube Econômico de Nova York, em setembro. “Parei guerras com dois países que foram muito importantes”, acrescentou. Tamanha é sua fé nas tarifas que ele propôs elevá-las a 60% nas importações provenientes da China e a até 20% nas do resto do mundo. Sugeriu até uma tarifa de 100% sobre as importações provenientes de países que ameaçam deixar de ter o dólar como sua moeda internacional de preferência.

É possível defender políticas tão desestabilizadoras? Em um artigo na revista “The Atlantic”, em 25 de setembro, Oren Cass, diretor-executivo do American Compass e editor colaborador do “Financial Times”, argumenta que os economistas críticos às propostas de Trump ignoram os benefícios. Em particular, eles ignoram uma importante “externalidade”, a de que os consumidores que compram produtos estrangeiros “provavelmente não considerarão a importância mais ampla de fabricar coisas nos Estados Unidos”. As tarifas podem compensar essa externalidade, ao persuadir as pessoas a comprar produtos americanos e a empregar americanos.

No entanto, como Kimberly Clausing e Maurice Obstfeld escreveram em um artigo contundente para o Peterson Institute for International Economics, argumentar que alguns benefícios poderiam chegar na esteira das tarifas não é suficiente. Para justificar as propostas de Trump, é preciso avaliar os custos das medidas propostas, a escala desses supostos benefícios e, acima de tudo, se essas medidas seriam a melhor forma de alcançar os objetivos desejados. Infelizmente, os custos são enormes, os benefícios, duvidosos, e as medidas, inferiores a opções alternativas.

As tarifas de Trump são uma ideia grotesca: elas ajudarão os setores menos competitivos da economia, prejudicarão muitos de seus próprios apoiadores e provocarão graves danos ao comércio internacional, à economia mundial e às relações internacionais

Tarifas são um imposto sobre importações. Trump parece acreditar que o imposto será pago pelos estrangeiros. Em apoio, alguns argumentam que os efeitos inflacionários das tarifas de Trump foram impossíveis de identificar. Isso é altamente discutível. De qualquer forma, as novas propostas de Trump, nas palavras de Clausing e Obstfeld, “se aplicariam a importações mais de oito vezes maiores do que em sua última rodada (cerca de US$ 3,1 trilhões com base em dados de 2023)”. Isso teria um impacto muito maior nos preços do que o “protecionismo inicial” relativamente modesto do primeiro mandato de Trump.

Além disso, note que, se o custo da tarifa realmente recair sobre os fornecedores estrangeiros, o preço para os consumidores americanos não seria afetado. Dessa forma, por que a tarifa levaria a um renascimento das empresas americanas que competem contra as importações? Tudo o que ela faria nesse caso seria reduzir os lucros e salários dos fornecedores estrangeiros. Somente se as tarifas elevassem os preços elas poderiam entregar a regeneração industrial desejada pelos protecionistas.

E quanto aos benefícios? O jornalista econômico francês Frédéric Bastiat, do século XIX, falava sobre “o que é visto e o que não é visto”. Na política comercial, essa distinção é vital. Um ponto crucial é que o imposto sobre importações também é um imposto sobre as exportações. Isso se deve apenas parcialmente ao fato de que as tarifas são um fardo para os exportadores que dependem de insumos importados. Também se deve ao fato de que a demanda por moeda estrangeira diminuirá e a taxa de câmbio do dólar ficará mais forte se as tarifas, como se espera, reduzirem as importações. Isso necessariamente tornará as exportações menos competitivas. Portanto, as tarifas altíssimas propostas por Trump tenderão a expandir setores capazes de substituir importações, menos competitivos, mas a contrair setores exportadores altamente competitivos. Essa parece ser uma troca extremamente ruim. Retaliações estrangeiras contra as exportações dos EUA agravariam esse impacto.

É crucial acrescentar que a economia dos EUA hoje está próxima do pleno emprego. Portanto, qualquer deslocamento de mão de obra para setores que substituem importações se dará às custas de outras atividades. De fato, essa é uma das diferenças mais importantes em relação à tarifa McKinley de 1890, tão apreciada por Trump. Depois de 1880, com a expansão da indústria, a população rural dos EUA inundou as áreas urbanas. Além disso, entre 1880 e 1900, cerca de 9 milhões de imigrantes entraram nos EUA, um pouco menos do que 20% da população inicial. Isso seria equivalente a 60 milhões de imigrantes nos próximos 20 anos. Não é necessário dizer que hoje não existe tal oferta de mão de obra. Ao contrário, Trump propõe a remoção de milhões de imigrantes.

O próprio Trump parece acreditar que tarifas mais altas e importações mais baixas melhorarão os déficits externos dos EUA. No entanto, os déficits são, em parte, o reflexo invertido da entrada de capital nos EUA. Um dos motivos para esse influxo é que os estrangeiros querem usar (e, portanto, deter) o dólar, uma situação que Trump está desesperado em manter. Outro motivo é o excesso de demanda interna, que hoje, em grande parte, é a contraparte do déficit fiscal, que ele também pretende manter. Na verdade, o influxo de poupanças estrangeiras e os déficits fiscais são, possivelmente, as principais causas dos persistentes déficits externos detestados por Trump.

Por fim, e ainda mais importante, estão os supostos benefícios dessas tarifas altas para a classe trabalhadora. Uma proposta antecipada por Trump é que a arrecadação com as tarifas poderia substituir o imposto de renda. Isso não faz sentido algum. Se isso fosse tentado, programas de grande importância para os americanos comuns, como o Medicare, poderiam ruir. De acordo com outro artigo de Clausing e Obstfeld, uma tarifa de 50% geraria apenas US$ 780 bilhões em arrecadação adicional, menos de 40% da arrecadação do imposto de renda. Ainda pior, como as tarifas são um imposto sobre as vendas de bens importados, elas são altamente regressivas. Pessoas ricas gastam relativamente pouco de sua renda nesses produtos.

Em suma, as tarifas de Trump são uma ideia grotesca: elas ajudarão os setores menos competitivos da economia, ao mesmo tempo em que prejudicam os mais competitivos; prejudicarão muitos de seus próprios apoiadores; e provocarão graves danos ao comércio internacional, à economia mundial e às relações internacionais.

Sim, há justificativas a favor de intervenções industriais direcionadas. Mas as barreiras tarifárias de Trump são exatamente o oposto disso. Subsídios direcionados e transparentes seriam muito melhores. Precisamos torcer para essa nova guerra comercial nunca chegar nem a começar. (Tradução de Sabino Ahumada)

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