quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Bruno Boghossian - O desvio para o centro é uma ilusão

Folha de S. Paulo

Vitória em números não diz tudo sobre o ambiente político e as preferências dos brasileiros

Os relatos sobre a vitória do centro nas eleições municipais são um pouco exagerados. O crescimento do PSD de Gilberto Kassab e o bom desempenho do MDB refletem máquinas partidárias fortes e estratégias eleitorais inteligentes, mas não dizem tudo sobre o ambiente político nacional e as preferências dos brasileiros de forma geral.

ranking das prefeituras, encabeçado pelos dois partidos, poderia parecer um sinal de que o eleitor optou pela moderação e decidiu renegar a polarização entre esquerda e direita. A identificação de alguns sintomas é precisa, mas o diagnóstico falhou.

É impossível dizer que o país tomou um desvio em direção ao centro como uma escolha ideológica. Os partidos-ônibus que formam esse bloco tiram proveito de sua amplitude para oferecer assentos a candidatos com perfis variados. Eles podem ser premiados por suas propostas e gestões, mas poucos representam bandeiras políticas claras.

Os números oferecem uma interpretação mais complexa, que diz respeito a uma reorganização partidária. PSD e MDB ganharam 301 cadeiras —alta de 21% em relação a 2020. O núcleo da direita (PLPP e Republicanos) ampliou seu domínio em 448 municípios, um crescimento de 36%. Parte da mudança se deveu à desidratação do PSDB e de outras legendas que tinham espaço na centro-direita.

É preciso evitar a tentação de enxergar as disputas municipais como um jogo em que o vencedor leva tudo. O MDB liderou por anos a tabela de prefeituras e, com essa capilaridade, manteve bancadas fortes no Congresso para exercer influência sobre a vida política nacional. Não teve fôlego, no entanto, para protagonizar eleições presidenciais, determinar a posição da régua ideológica nacional ou evitar a polarização entre direita e esquerda.

A situação pode mudar, mas não como consequência das eleições deste ano. Quantos votos terá o governador paranaense Ratinho Júnior caso o PSD decida lançá-lo à Presidência em 2026 como um desafiante de centro, turbinado pelas prefeituras conquistadas? Se o partido encampar uma candidatura de Tarcísio de Freitas, quantos votos a sigla levará e quantos já estariam com ele, de qualquer jeito, pela direita?

 

 

Um comentário:

Anônimo disse...

Talvez o assistencialismo populista do tal Centrão, turbinado por emendas Pix, tragam mais votos do que questões ideológicas, especialmente no âmbito municipal, da micropolítica.