segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Qual é o juro necessário para baixar a inflação? - Alex Ribeiro

Valor Econômico

Tão importante quanto colocar os juros em nível restritivo o suficiente é ter sangue-frio para mantê-los elevados pelo período necessário

O futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, resumiu assim a sua estratégia de política monetária, na entrevista de divulgação do Relatório de Inflação: “Buscar a taxa de juros necessária, no patamar restritivo necessário, pelo tempo que for necessário, para atingir a meta de inflação”.

O Comitê de Política Monetária (Copom) sinalizou que vai elevar a Selic dos atuais 12,25% ao ano a 14,25% ao ano até março. Segundo Galípolo, para saber “o que vai acontecer dali para a frente”, será preciso “aguardar para ver como é que tudo vai se desenrolar”.

O propósito é colocar a taxa de juros em nível restritivo, “com segurança”. Ou seja, num patamar que não desperte dúvidas de que desacelera a economia e baixa a inflação, acima do que os economistas chamam de taxa neutra.

Quando o Copom tiver levado a Selic a 14,25% ao ano, ela poderá ser considerada restritiva o suficiente? Depende. Nesse patamar, os juros reais deverão chegar a 8,8% ao ano, considerando expectativas de inflação na casa dos 5% do boletim Focus. Se a medida for a inflação implícita, na casa dos 6,5%, o juro real seria de 7,3% ao ano.

À primeira vista, a Selic nominal de 14,25% ao ano parece ser restritiva. O Banco Central calcula que a taxa neutra de juros esteja, atualmente, em 5% ao ano. No mercado financeiro, há quem a estime em 6% ao ano. Os títulos públicos de longo prazo a colocam em cerca de 6,5%.

Mas esse cálculo muito simples não garante que a Selic seja restritiva o suficiente. O presidente do Federal Reserve (Fed), Jerome Powell, foi questionado recentemente qual seria a taxa neutra para os Estados Unidos. Ele lembrou que esse é um conceito teórico que aponta um nível de juros que, na ausência de choques, coloca a economia em equilíbrio. Choque é o que mais acontece na economia brasileira, com uma brutal alta do dólar, impulso fiscal e exuberância do crédito.

No último ciclo de aperto monetário, a política monetária parecia restritiva, mas não foi suficiente. Não é a intenção - nem seria justo - julgar com o conhecimento de agora. Essas decisões foram tomadas em um ambiente muito incerto. Mas as dúvidas e debates daquela época são um parâmetro do que seria um juro restritivo o suficiente “com segurança”.

Em fins de 2022, quando a Selic chegou a 13,75% ao ano, dois membros do Copom votaram para subir um pouco mais. Eles notaram que, àquela altura, o aperto monetário feito desde o ano anterior não estava tendo o efeito esperado para esfriar a economia.

Setores do mercado interpretaram a interrupção como prematura. Começou ali um processo de desancoragem das expectativas de inflação de longo prazo, que se aprofundou com a expansão fiscal do governo Lula e ataques ao BC.

No começo de 2023, pelo menos três membros do Copom vinham sistematicamente levantando dúvidas, nas reuniões do colegiado, sobre se a taxa neutra de juros era de apenas 4% ao ano, como então estimado. O argumento: a economia não dava sinais de desaceleração, e a inflação resistia a cair.

Hoje, está claro que, com o impulso fiscal, a Selic deveria ter sido calibrada ainda mais acima da taxa neutra. Na época, isso foi subestimado pelo Copom e pelo mercado. Em dezembro de 2022, o comitê incorporou no seu modelo de projeção uma expansão de gastos de R$ 130 bilhões relativa à chamada PEC Emergencial, mas a sua projeção para a inflação 18 meses adiante pouco se mexeu - passou de 3,2% para 3,3%.

A experiência do último ciclo de aperto monetário também mostra que, tão importante quanto colocar os juros em nível restritivo o suficiente, é ter sangue-frio para mantê-los elevados pelo período necessário para fazer a inflação convergir para a meta.

As discussões no Copom para o início do ciclo de baixa começaram em junho de 2023, quando uma parte dos seus membros ainda expressava dúvidas se havia chegado a hora. A inflação havia caído, mas eles argumentaram que a sua dinâmica refletia “componentes mais voláteis” e que a incerteza sobre a capacidade ociosa da economia gerava “dúvida sobre o impacto do aperto monetário até então implementado”.

Houve uma forte divisão na reunião seguinte, quando o Copom começou um ciclo de distensão monetária mais forte, de 0,5 ponto percentual, apesar de as expectativas de inflação não estarem completamente ancoradas nas metas. O entendimento dominante, na época, foi que a desancoragem das expectativas era um reflexo das incertezas na política fiscal.

A baixa de juros começou mesmo com “núcleos de inflação ainda acima da meta, inflação de serviços acima do patamar compatível com a meta para a inflação e atividade econômica resiliente”. A estratégia foi começar a baixar, mas manter o orçamento total de distensão sob rédea curta.

A situação ficou pior. O mercado de crédito ganhou novo impulso, e a diferença de juros interna e externa se reduziu, com o aperto monetário nos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que a deterioração fiscal aumentou o prêmio de risco do Brasil.

Manter os juros no patamar restritivo pelo tempo necessário vai exigir uma perseverança poucas vezes vistas no regime de metas de inflação e assumir o risco de uma recessão. As últimas vezes que isso ocorreu foram sob Ilan Goldfajn, em 2016, e Henrique Meirelles, em 2005.

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