O Globo
Investidores querem austeridade, muita
austeridade. Mas já vimos, na Grécia, que essa fórmula tem limites
Tenho uma modesta bola de cristal. Às vezes
ela embaça e perde o foco. Ainda assim, sugiro cuidado com o ano que entra.
Nos Estados
Unidos, Trump promete deportação em massa e aumento das tarifas,
além de uma pesada campanha contra a mídia. Dificilmente brasileiros escaparão
da rede da deportação num bonde cheio de outras nacionalidades. O aumento de
tarifas visa à China,
mas Trump já mencionou outros países que estão na sua mira: Brasil e Índia.
Aqui dentro, o ano termina em sobressalto econômico. Há uma divergência entre as visões do governo e do mercado. Os investidores querem austeridade, muita austeridade. Mas já vimos, como na Grécia, que essa fórmula tem limites. O governo acha que a presença do Estado — gastando dinheiro, abrindo empregos, aumentando salários, aumentando consumo — faz rodar a máquina da economia. Lord Keynes aprovaria tudo isso, em certa conjuntura. O problema é que não estamos nela. Portanto, apesar de suas pretensões eleitorais, o governo tem limites.
Até que ponto veremos um nível de conciliação
entre as duas visões conflitantes? A desconfiança acabou impulsionando o dólar
às alturas, com reflexos possíveis no preço de combustíveis e alimentos. A
ausência de um compromisso entre dois grandes atores acaba atingindo a vida dos
que estão na planície.
Uma nova batalha se avizinha: a das emendas
parlamentares. O STF quer
que o dinheiro usado pelos deputados seja transparente e rastreável. Eles
tentam escapar dessas regras. Um pagamento de R$ 4,2 bilhões foi bloqueado pelo
ministro Flávio Dino.
Quando os deputados voltarem de suas férias, a encrenca estará armada.
Confrontarão o Supremo, porque não abrem mão de tanto dinheiro.
As emendas parlamentares são uma jabuticaba
brasileira. Nas democracias ocidentais, os deputados aprovam ou rejeitam o
Orçamento feito pelo Executivo. Só no Brasil administram diretamente parte do
dinheiro. E que parte! Talvez chegue aos R$ 60 bilhões.
Em 2025, teremos o julgamento da tentativa de
golpe. Está mais ou menos marcado para setembro. Se for televisionado, pode se
tornar atraente como uma novela. Os detalhes sobre os quais escrevemos
cotidianamente serão dramatizados na boca dos advogados.
Teremos a COP30 em Belém, no Pará. O primeiro
encontro internacional sobre meio ambiente na Amazônia.
O Brasil pretende afirmar sua posição de liderança na questão. No entanto é uma
tarefa cheia de riscos. Grande parte dos problemas amazônicos permanece
insolúvel.
As queimadas aumentam.
A inteligência artificial, tão falada,
certamente fará coisas imprevisíveis no ano que vem. E o debate sobre o
controle da internet continuará no Supremo, já que o Congresso prefere deixá-la
como está. Esta pausa de fim de ano pode levar os ministros do STF a estudar
mais o tema. Algumas intervenções, como as de Dias Toffoli,
foram, digamos assim, preocupantes.
O grande poeta Drummond dizia que o último
dia do ano não é o último dia da vida. Com minha experiência nas estradas
brasileiras, diria que a ponte que caiu entre Tocantins e Maranhão não é a
última a desmoronar diante do descaso oficial.
Espero estar errado e que 2025 seja um ano de
paz, prosperidade e que alguns sonhos pessoais se realizem — afinal, só eles
podem desafiar mesmo as mais enevoadas bolas de cristal.
Em caso de absoluto desencanto, nem tudo está
perdido. Os japoneses inventaram um método de desaparecer da vida cotidiana e
começar noutro lugar, sem vestígios do passado. Cobram pouco mais de US$ 2 mil
para dar outro nome, outra identidade e endereço. O nome é johatsu,
evaporar.
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