Governo só leiloou nove das 35 rodovias que pretende licitar. Resultado: manutenção deficiente — e tragédias
A sexagenária ponte Juscelino Kubitschek,
ligando os municípios de Estreito (MA) e Aguiarnópolis (TO), dava sinais de que
poderia cair a qualquer momento, mas eles foram ignorados. No dia 22, enquanto
um vereador filmava os indícios de degradação, parte da estrutura que integra a
BR-226 veio abaixo, arrastando veículos que passavam. A queda causou a morte de
pelo menos dez pessoas — outras sete permanecem desaparecidas — e gerou
preocupação sobre a contaminação da água do Rio Tocantins pelas
cargas tóxicas nas carretas que se acidentaram.
Ninguém pode se dizer surpreso. Um documento do próprio Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), responsável pela administração da rodovia, apontou em 2020 problemas como inclinações nos pilares, rachaduras e fissuras. Os últimos reparos de vulto ocorreram entre 1998 e 2000. Em maio deste ano, o Dnit abriu licitação para reformar a estrutura, lhe dar “melhores condições de segurança e trafegabilidade”, além de “reabilitar e aumentar a sobrevida”. As empresas que se apresentaram não preencheram os requisitos exigidos. A tragédia foi mais rápida.
Mais uma vez fica patente o descaso com a
infraestrutura do Brasil. Deveria ter servido de alerta o acidente com uma
ponte na BR-319, no Amazonas, em setembro de 2022. A estrutura sobre o Rio
Curuçá desabou enquanto carros passavam. Cinco pessoas morreram e mais de dez
ficaram feridas. Apenas dez dias depois, outra ponte caiu na mesma rodovia sem
deixar vítimas. Nos dois casos, os riscos eram conhecidos.
O governo precisa cuidar melhor da
infraestrutura sob sua administração, especialmente pontes e viadutos. Se a
rodovia está aberta, os motoristas confiam que existem condições de segurança.
Não deveriam. De modo geral, a conservação é insatisfatória. A última pesquisa
da Confederação Nacional do Transporte (CNT) mostrou que 33,6% das rodovias
mantidas pelo poder público no Brasil foram classificadas como ruins ou
péssimas, quase seis vezes a parcela registrada nas estradas sob concessão
(6,1%).
A conclusão é óbvia: a União deveria
transferir à iniciativa privada as rodovias passíveis de concessão. Não só para
dar-lhes melhores condições, como também para poder se dedicar às que dependem
de recursos públicos para manutenção e obras. O programa de concessão de
rodovias em andamento é ambicioso no papel, mas avança lentamente na
prática. Como mostrou
reportagem do GLOBO, em dois anos de mandato, o atual governo
licitou apenas nove dos 35 trechos rodoviários previstos para leilão até 2026.
É preciso acelerar.
Com o aquecimento da economia, tem aumentado
o tráfego de veículos de carga e de passageiros nas estradas. Isso traz mais
desgaste, mais acidentes e exige manutenção mais rigorosa e mais frequente da
infraestrutura. Manter rodovias e pontes conservadas significa dar mais
segurança aos usuários. É o que se espera de um governo que impõe aos
contribuintes uma das mais altas cargas tributárias do mundo. Não cabe ao
cidadão, e sim ao poder público, fiscalizar e conservar essas estruturas. O
cidadão não pode pagar a conta da inépcia governamental ou da lentidão para
conceder ao setor privado aquilo que o público não tem condição de manter.
Tragédias não respeitam os prazos da burocracia.
Sem estancar fuga de cérebros, Brasil perderá
avanços agrícolas
O Globo
Com maior dificuldade para manter cientistas
no país, estudos ligados ao campo já caíram 6% em 2023
Nos últimos anos, o Brasil perdeu 6,7 mil
cientistas, segundo o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), do
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Todas as áreas de pesquisas foram
afetadas — entre elas algumas estratégicas para o agronegócio,
como as relacionadas à agricultura tropical, ao manejo sustentável e aos
bioinsumos.
O Brasil colherá 322,5 milhões de toneladas
de grãos na safra 2024/25, o quíntuplo do que colhia há 40 anos. A área
cultivada não chegou a dobrar. As colheitas crescem mais que as áreas de
plantio, como resultado dos aumentos de produtividade trazidos pelo trabalho de
pesquisadores em laboratórios, em especial os da Embrapa. Manter no país
pesquisadores e repatriar quem saiu para o exterior deveria ser política
estratégica de Estado. Todos os setores devem ser objeto de medidas para
repatriar o conhecimento, mas a agropecuária, há algum tempo setor mais
dinâmico da economia brasileira, deve ser prioridade.
Em comparação com outros países, o Brasil tem
sido “inconstante” em suas políticas para reter cientistas, nas palavras do
ex-presidente da Embrapa Maurício Lopes. Entre 2019 e 2023, pesquisadores na
área de ciências agrárias publicaram 65,9 mil artigos científicos. É possível
que o número seja maior, porque foram editados, no mesmo período, 206,1 mil
textos sobre ciências da natureza, área em alguma medida relacionada à de
ciências agrárias. Em 2023, a publicação de pesquisas relacionadas ao campo
caiu 6% em relação a 2022. No geral, incluindo todos os campos do conhecimento,
houve retração de 7,2%. O Brasil se manteve como o 14º país com mais
publicações de artigos científicos. Mas isso não significa muita coisa se a
fuga de cérebros se mantiver.
O mais recente êxito da ciência e tecnologia
no campo foi a safra de 2023/24 de algodão, que permitiu ao Brasil tornar-se o
maior exportador global do produto, ultrapassando os Estados Unidos — 2,7
milhões de toneladas embarcadas ante 2,4 milhões de toneladas de algodão
americano. A atividade foi reestruturada a partir de 1983, quando uma praga
dizimou as plantações. Hoje, é possível rastrear a origem do algodão brasileiro
e garantir que sua produção é sustentável. Sem pesquisa, isso seria impossível.
Comprimidas pelo crescimento de despesas
obrigatórias do governo, as bolsas de estudos para pesquisadores continuam
defasadas, apesar do aumento recente após dez anos de congelamento. Apenas no
ano passado foi permitido a pesquisadores acumulá-las com outras atividades
remuneradas. Ainda assim, a perspectiva para um pesquisador de ponta no Brasil
é ridícula perto das propostas e dos caminhos disponíveis nas grandes
instituições científicas do planeta. Se não estancar a fuga de cérebros, o país
perderá não apenas a vantagem comparativa que lhe permite adaptar culturas a
diferentes condições de solo e clima, mas a possibilidade de avançar em
produtividade noutros setores da economia.
Embalada, economia deverá desacelerar aos
poucos em 2025
Valor Econômico
O cenário visto de hoje é de um PIB ao redor
de 2% nos próximos dois anos, se não houver turbulências nos mercados globais
Não é fácil desacelerar a economia
brasileira, mas o Banco Central aumentará os juros igual ou acima do nível do
governo de Dilma Rousseff, 14,25%, quando o IPCA era muito mais alto (acima de
10%), para tentar acalmar uma inflação que pode romper o teto da meta pelo
segundo ano consecutivo. O vigor das atividades econômicas, que levaram o PIB
para perto de 3,5% no ano, não deve sofrer um freio abrupto. A desaceleração
dos salários, do mercado de trabalho e do consumo ocorrerá mais lentamente no
primeiro semestre para se tornar mais efetiva no segundo. As projeções do
governo e analistas privados convergem para algo entre 1,8% e 2,5%, estimativa
que coincide praticamente com a da capacidade potencial de crescimento da
economia.
A maxidesvalorização do real (27%) mudou para
muito pior tanto as expectativas inflacionárias quanto o nível de aperto
monetário que o BC terá de fazer para domar a inflação. Mesmo com a alta da
taxa Selic a 12,25% e a promessa de chegar a 14,25% em março, apenas no
terceiro trimestre do ano que vem o IPCA cairá abaixo do teto de 4,5%. O dólar
mudou de patamar, como mostra o painel de estimativas publicado na sexta
pelo Valor, e a maioria delas coloca R$ 6 por dólar como média. A
depreciação do real acelerou muito a partir de novembro, o que indica que o
repasse aos preços pode ter um longo caminho à frente, se a alta do dólar não
for sancionada pela demanda.
A demanda, por seu lado, teve comportamento
exuberante no ano, impulsionada pelo aumento da massa salarial, dos salários e
da mão de obra empregada. A Pnad Contínua mostrou que a média do desemprego do
trimestre encerrado em outubro é a menor da série histórica, iniciada há 13
anos: 6,1%. O salário médio habitual real no ano até novembro evoluiu 3,4%, e
já está perdendo para a corrida dos preços - o IPCA acumulou 4,29% até o mês.
Mas o avanço da massa de rendimento real habitual é bem maior, 7,2% no mesmo período,
e o total de rendimentos é recorde (R$ 332,7 bilhões mensais), com acréscimo de
R$ 22,5 bilhões.
Os indicadores iniciais do último trimestre
do ano não apontaram até outubro perda de fôlego. A produção industrial caiu
0,2% no mês em relação ao anterior, mas exibe bom desempenho ante outubro de
2023 (5,8%) ou no ano, 3,4%.
Os serviços, no entanto, apresentam taxa de
expansão quase “chinesa”, e a inflação do setor, segundo o Banco Central, que
já era incompatível com a meta de inflação, voltou a subir. Nos doze meses até
outubro, a taxa de expansão é de 7,4% e no ano, de 7,8%. Contra o mesmo mês do
ano passado, atinge 9,6%. Pela Pnad Contínua, os serviços lideram as
contratações, com transporte e armazenagem (5,8%), outros serviços (5%) e
informação e comunicação (4,4%). O segmento de transportes, armazenagem e
correio lidera em aumentos salariais, tanto na comparação com o trimestre de
2023 como com o anterior deste ano (4,7%). O comércio, um dos maiores segmentos
de serviços, acumula alta de 8,8% no ano até outubro e o varejo ampliado, que
inclui carros e construção, 7,9%.
Além dos salários, o aumento do crédito
manteve-se na casa dos dois dígitos boa parte do ano. Até novembro, em 12
meses, o estoque subiu 10,7% e, para pessoas físicas, 11,8%. No entanto, as
concessões apresentaram recuo no mês de 0,7%, e esse é o sinal de por onde a
política monetária freará a oferta de dinheiro que está irrigando o consumo. Em
12 meses as concessões cresceram 14,5%. O BC, em seu relatório de inflação de
dezembro, estimou um avanço de 9,6% no estoque em 2025, o que não parece uma
desaceleração compatível com a perda de ritmo que se quer impor à economia.
Ao lado do aumento de uma dose já severa de
juros, as condições financeiras pioraram significativamente. O câmbio se
desvalorizou, a bolsa está em queda, o prêmio de risco medido pela chance de
default também subiu e os juros americanos têm apontado comedidamente para
cima. Diante disso, é provável que não só os bancos comecem a ser bem mais
seletivos e reduzam a oferta de crédito, como a própria demanda se retraia, com
aumento da inadimplência, que parara de crescer há um bom tempo.
O outro componente do forte crescimento da
economia, o gasto público, deve ter expansão menor no ano. Embora mais
comedido, haverá algum aumento de despesas. O Prisma Fiscal estima que em 2024
o governo terá um déficit primário de R$ 62 bilhões na média, que se elevará
para R$ 92,2 bilhões em 2025. A decisão por um ajuste fiscal pífio em novembro,
que provocou alvoroço nos mercados, indica que o presidente Lula não está
convencido de que uma ação fiscal vigorosa poderia reduzir rapidamente a
inflação (que para ele está contida) e manter uma expansão sustentável.
A deterioração das expectativas, em contraste
com o vigor da economia, provavelmente conduzirá o aperto monetário até 2026,
ano eleitoral. A expectativa de recessão, prevista várias vezes e não
realizada, continua pouco provável. O cenário visto de hoje é de um PIB ao
redor de 2% nos próximos dois anos, se não houver turbulências nos mercados
globais. O ideal seria que a política fiscal ajudasse agora, em momento
delicado, a política monetária.
Força bruta marca a política internacional em
2024
Folha de S. Paulo
Mortandade por conflitos saltou 37%, com
espiral de violência na Ucrânia e no Oriente Médio; retorno de Trump preocupa
Em uma tendência visível desde o começo desta
década, o ano que chega ao fim foi marcado por mais emprego da força bruta no
mundo, tanto nas relações internacionais como em desdobramentos de crises
políticas domésticas.
Sem surpresa, como indicou o prestigioso
Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, de Londres, a mortandade
por conflitos teve um salto de 37%. O aumento foi impulsionado pelo
massacre israelense na Faixa de Gaza,
uma guerra iniciada pela covardia dos terroristas do Hamas em
7 de outubro de 2023.
Israel buscou
não só a justa punição mas dar um basta à pressão exercida pelo Irã por
meio de seus prepostos. O Hamas foi reduzido a uma força de guerrilha, e o
Hezbollah, desmantelado.
Mesmo Teerã, a despeito de toda sua retórica
belicista, recuou de uma guerra total, não menos porque Tel Aviv tem a
iniciativa, mas suas armas são americanas.
O fim do ano ainda reservou uma notícia
alvissareira no conteúdo, a derrubada do regime sanguinário de Bashar
al-Assad na Síria,
mas preocupante na forma: a força
motriz do evento é um grupo radical que tenta fingir que não
nasceu da Al Qaeda.
Caberá à Turquia,
que entrou no jogo apoiando os rebeldes, fazer valer a moderação. O país, por
sinal, segue em sua expansão por meio de força, como já havia feito em 2023 ao
respaldar a guerra do Azerbaijão contra os armênios que se achavam protegidos
pela Rússia —assim
como Assad.
Potência nuclear, o país de Vladimir
Putin segue no centro dos temores globais desde a invasão
da Ucrânia,
em 2022. O autocrata teve um ano de vitórias no campo de batalha,
pressionando Kiev.
Em casa, viu seu mais vocal adversário, Alexei Navalni, definhar e morrer na
cadeia.
Já os ucranianos fizeram uma custosa e inútil
invasão do sul russo. A autorização dada por EUA e aliados para que eles usem
suas armas contra o território inimigo até aqui só fez piorar a violência da
retaliação de Moscou.
O recurso à truculência grassou em locais
menos visíveis na geopolítica global, do Sudão em
conflitos internos à Venezuela de Nicolás
Maduro —cuja fraude eleitoral conseguiu alienar até o governo
Luiz Inácio Lula da
Silva (PT),
sempre disposto a adular ditadores amigos.
Até a Coreia do Sul viu
seu presidente tentar um autogolpe. Hoje, porém, a próspera nação asiática é
uma sólida democracia, cujos
fundamentos impediram o candidato a tiranete.
Esse cenário conturbado aguarda 2025 e seu
evento de abertura: a volta de Donald Trump à
Casa Branca. A julgar pelo primeiro mandato, o Oriente Médio pode
esperar mais turbulência.
Já a Ucrânia terá de negociar com Putin, uma
vitória na prática da "manu militari". O embate político mais duro
dos EUA com a China soa
incontornável, e a guerra comercial prometida por Trump chegará a todo o mundo,
inclusive suas franjas, onde está o Brasil. Dias difíceis estão à frente.
Banho de mar exige cuidado extra neste verão
Folha de S. Paulo
Qualidade das praias caiu ao pior nível desde
2016, é preciso expandir saneamento e conter ocupação urbana desenfreada
A chegada do verão,
em 21 de dezembro, trouxe consigo uma má notícia para o litoral brasileiro: a
qualidade de suas praias caiu ao pior nível já registrado desde 2016, quando
esta Folha iniciou o levantamento.
O mapa
catalogou a balneabilidade de 861 praias em 14 estados, e apenas 258
estiveram próprias durante todas as medições deste ano; ou seja, foram
consideradas "boas". A série histórica contempla 8 dos últimos 9 anos
—a exceção é 2020, cujas aferições foram prejudicadas em razão da pandemia de
Covid-19.
Em um momento em que turistas começam a se
espalhar pelos mais de 7.300 km da costa nacional, é preocupante observar que,
em 2016, 384 dessas mesmas praias eram consideradas adequadas o ano todo para
banho —ou 44% do total, ante 30% neste ano.
A pesquisa segue normas federais. Um trecho é
considerado próprio se não tiver registrado mais de 1.000 coliformes fecais
para cada 100 ml de água na semana de análise e nas quatro anteriores. Além das
258 consideradas "boas", há as "regulares" (311),
"ruins" (146) e "péssimas" (146).
Símbolo da orla carioca, o Leblon, em um dos
seus trechos, recebeu a classificação "ruim", assim como em 2023. Já
Morro de São Paulo, badalado balneário no sul da Bahia, registrou piora em duas
praias: de "boas", passaram para "ruim" (imprópria para
mais de 25% das medições) e "péssima" (imprópria em mais da metade
dos testes) em 2024.
A ocupação desordenada de áreas litorâneas
—seja de favelas em morros, encostas e manguezais, ou mesmo por resorts e
condomínios de alto padrão à beira-mar— pode ser um dos motivos para a piora
nesses dados.
O lançamento de esgoto sem tratamento em
rios, canais e no próprio mar é a principal causa de contaminação. Esse
cenário pode se
agravar com o descarte irregular do lixo, o despejo inapropriado de
águas pluviais e o uso intensivo das faixas de areia.
A má qualidade da água traz graves impactos
ambientais, com prejuízos ao ecossistema, ao comprometer a cadeia alimentar;
na saúde,
ao ampliar o risco de infecções e doenças gastrointestinais ou de pele; e
econômicos, por afastar visitantes em regiões dependentes do turismo.
O futuro sustentável de um dos litorais mais belos do planeta dependerá da extensão urgente da rede de saneamento básico, e as concessões ao setor privado podem ser um alento nesse sentido, mas também do combate às construções irregulares e à especulação imobiliária —e, por que não, da educação ambiental de turistas e moradores.
2024: teste de estresse das democracias
O Estado de S. Paulo
A ascensão dos populismos parece confirmar o
mal-estar das democracias. Mas as taxas surpreendentes de alternância de poder
sugerem que eleitores estão se mobilizando para saná-las
Em 2024, mais de 70 países que abrigam metade
da população mundial promoveram eleições envolvendo cerca de 2 bilhões de
eleitores. Esse superciclo foi descrito como o maior ano eleitoral da história
e um grande teste de nervos para a democracia. Qual o resultado?
Abstraídos os regimes autocráticos como
Rússia e Venezuela, a tendência mais generalizada que emergiu das urnas foi o
repúdio aos incumbentes. Em geral, ou eles perderam o poder (como nos EUA,
Reino Unido, Coreia do Sul, Portugal, Uruguai e Botswana) ou sofreram reveses
significativos (França, Índia, Japão e África do Sul).
Uma possível razão é circunstancial. A
pandemia passou, mas a ruptura nas cadeias de fornecimento e seu impacto
inflacionário continuam a reverberar. Ao mesmo tempo, a turbulência econômica
parece alimentar um mal-estar político crônico. Os eleitores estão frustrados
com o funcionamento de suas democracias e impacientes com seus líderes e
instituições.
Essa irritação parece estar relacionada a
outra tendência, particularmente nas democracias ocidentais: a ascensão de
partidos populistas de direita. Nos últimos anos, esses partidos ganharam
posições em países como França, Alemanha, Itália, Áustria, Portugal e Holanda,
além do Parlamento Europeu. Mesmo no Reino Unido, apesar da vitória dos
trabalhistas, o partido nativista Reform UK teve ganhos substanciais. A direita
populista é uma força consolidada na Europa. Se lá ela é abastecida por
apreensões com a imigração, na América Latina é mais eclética. Mas há temas
comuns a figuras como Javier Milei na Argentina ou Nayib Bukele em El Salvador,
como a oposição ao aborto ou à ideologia de gênero e, sobretudo, a linha-dura
contra o crime.
O México é a exceção que confirma a regra, ao
menos parcialmente: o partido Morena é populista, mas de esquerda, e, dentre
todas as grandes economias, foi a única em que os incumbentes ampliaram seu
poder.
Já os EUA materializam a regra. O Partido
Republicano, dominado pelo populismo conservador de Donald Trump, conquistou a
presidência e as duas Casas legislativas. As eleições nos EUA ilustram outro
traço peculiar do ciclo de 2024: uma maior relevância da geopolítica. Na
Europa, o conflito na Ucrânia é prioritário nas escolhas eleitorais. Nos EUA, o
apoio a Kiev causa divisões entre os republicanos, tal como o apoio a Israel
causa divisões entre os democratas. Os EUA também exemplificam o aprofundamento
de divergências políticas sobre cultura, ideologia e identidade.
Quanto ao Brasil, as duas tendências
dominantes – a impaciência com os incumbentes e o robustecimento da direita
populista – sugerem adversidades para o presidente Lula em 2026. Mas o que elas
revelam sobre o “teste de estresse” da democracia global?
A difusão populista parece confirmar a
“recessão da democracia” para a qual alertam organizações dedicadas a mensurar
instituições democráticas e liberdades civis. Por outro lado, o traço mais
universal e objetivo do ciclo de 2024, o repúdio aos incumbentes, permite
relativizar essa percepção. Afinal, se o mundo experimenta uma onda de
populismo de tendência autocrática, a consequência seria uma taxa crescente de
vitórias dos incumbentes, que teoricamente dominam a máquina estatal e o
discurso político. Mas o que se viu foi o oposto: alternância de poder
generalizada.
Somem-se a isso outros indicadores de vigor
democrático: as taxas de comparecimento às urnas aumentaram, protestos
violentos diminuíram e campanhas de desinformação tiveram, tudo indica, efeitos
marginais. Em Taiwan e na Moldávia, por exemplo, candidatos que enfrentaram as
duas máquinas de desinformação mais formidáveis do planeta, as autocracias
chinesa e russa, venceram.
Seria irresponsável negligenciar sintomas de
erosão democrática. Episódios como a ascensão da extrema direita filonazista na
Alemanha ou o assalto ao Capitólio nos EUA seriam impensáveis há 15 anos. Mas
as taxas de alternância de poder revelam um grau substantivo de competitividade
nas eleições. As democracias podem viver um momento de mal-estar, mas enquanto
se mantiverem abertas à competição os cidadãos terão nas mãos o remédio para
saná-las.
A oposição petista ao governo
O Estado de S. Paulo
No Brasil do petismo é assim: o partido do
presidente e líder da coalizão é o primeiro a tentar barrar um pacote de
medidas que, em tese, integra uma agenda prioritária do governo
“PT quer mudanças na proposta do BPC para
apoiar o pacote do governo”, informou manchete recente do Estadão, acerca
das ações promovidas pela tropa de choque petista contrária ao pacote fiscal
anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O partido mirou, em
especial, nas alterações propostas pela equipe econômica para o Benefício de
Prestação Continuada (BPC) – pago a idosos com mais de 65 anos em condições de
vulnerabilidade e a pessoas com deficiência.
Foi o prenúncio do que, dias depois, se
confirmaria na votação na Câmara dos Deputados, quando seis parlamentares do
partido do presidente Lula da Silva – incluindo o ex-dirigente da sigla Rui
Falcão (PT-SP) – votaram contra os projetos enviados pelo governo. “Minha
relação não é de vassalagem”, avisou o agora declaradamente antigovernista
Falcão, tido como homem próximo a Lula. Como os dissidentes petistas, outros
partidos da base de apoio ao governo, como o PSOL e a Rede, também rejeitaram o
pacote e foram de pouca serventia ao Palácio do Planalto para aprovar o ajuste
fiscal e evitar uma desmoralização maior de Haddad.
Nada a estranhar na resistência do partido
diante do pacote, exceto por um detalhe que faz do PT uma agremiação quase
única no mundo, e o ambiente de votação dos projetos, um caso exemplar desses
paradoxos que a política brasileira é capaz de produzir: o partido do
presidente e líder da coalizão governista foi aquele que primeiro e mais
enfaticamente tentou barrar um pacote que, em tese, é uma agenda prioritária do
governo. Trata-se de uma oposição ao governo dentro do próprio governo. Eis o
Brasil do petismo.
Conforme antecipado pelo próprio líder do
governo na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE), o partido trabalhou
até o último instante para desidratar o pacote e, no caso do BPC, os
parlamentares aprovaram regras menos rígidas para o recebimento do programa em
relação ao que foi proposto originalmente. Com a mudança do texto, o alívio nas
contas será menor do que o previsto.
A artilharia petista no plano fiscal é
conhecida e foi realimentada com a recente resolução aprovada pelo Diretório
Nacional do PT – o texto, de 10 páginas, elogia Haddad por propor a taxação dos
super-ricos e diz que a sociedade precisa se manter atenta “às artimanhas da
Faria Lima”. Na síndrome persecutória petista, austeridade é palavrão e
equilíbrio de contas públicas é conspiração do “mercado” para desviar o País do
caminho virtuoso traçado pelo projeto do partido.
É um enredo antigo. No início do segundo
mandato de Dilma Rousseff, o então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tentou
emplacar um ajuste fiscal e passou a ter como principal inimigo no Congresso
não o presidente da Câmara e futuro algoz de Dilma, Eduardo Cunha, mas o
próprio PT. A tal ponto que outros partidos da coalizão e mesmo legendas
oposicionistas, dispostos a apoiar o ajuste, recuaram sob um argumento lógico:
se nem o partido da presidente apoiará medidas necessárias, porém impopulares,
por que haveriam de fazê-lo?
Hoje ocorre algo similar. De aliados como o
PSOL não se esperaria muito – espécie de PT do B, a legenda tão somente
confirmou a suspeita de que a moderação exibida durante a eleição municipal
pelo seu principal líder, Guilherme Boulos, não passava de artifício
eleitoreiro. Mas o PT, goste-se ou não, é a principal força da esquerda e
âncora maior de sustentação do governo. Sob a liderança de Gleisi Hoffmann, no
entanto, prefere atuar como se liderasse a oposição. A má vontade do partido
acabou oferecendo à Câmara uma boa justificativa para emparedar o governo
enquanto votava o pacote.
A boa política exige separar republicanamente
o que é governo e o que é partido. Também não se espera de lideranças
partidárias o acolhimento acrítico de todas as iniciativas do governo, muito
menos que sejam vassalos do presidente. O problema é que, no universo
lulopetista, tal separação só existe mesmo quando se trata de responsabilidade
fiscal. Fora esse tema, contudo, não é de hoje que Lula e seus sabujos veem o
governo como mera extensão dos interesses partidários.
Anatomia da inflação
O Estado de S. Paulo
Choques climáticos e recorde do dólar fizeram
da alimentação o vilão da inflação em 2024
Quando 2024 começou, não havia indicação da
intensa pressão que os alimentos teriam sobre a inflação, apesar de o País já
estar convivendo com o fenômeno El Niño – que se estendeu até meados do ano,
trazendo chuvas no Sul e seca no Norte e Nordeste. Em janeiro, o País ainda
estava sob a euforia do excelente desempenho do agronegócio brasileiro em 2023
que, acumulando recordes na safra de grãos e nas exportações, impulsionou o
crescimento de 3,2% do Produto Interno Bruto (PIB).
Os choques climáticos vieram mais fortes do
que o esperado, com ondas de calor sem precedentes, a pior estiagem da história
e enchentes devastadoras, como a que atingiu o Rio Grande do Sul. A seca
extrema contribuiu para elevar os efeitos dos incêndios florestais que
reduziram pastagens. Junto com os reveses do clima, a desvalorização contínua
do real ante o dólar (apenas dois meses do ano, agosto e setembro, tiveram
saldo a favor do real) completou o cenário desfavorável, encarecendo insumos.
O grupo “Alimentação e Bebidas” chegou ao fim
de 2024 contribuindo com mais de um quarto (26%) do IPCA, o índice oficial de
inflação, no acumulado em 12 meses, de dezembro de 2023 a novembro de 2024, de
acordo com cálculos do Ibre, da Fundação Getulio Vargas. O IPCA no período
extrapolou a meta do governo, de 3% ao ano, e bateu 4,87%, mostrou o IBGE. O
resultado fechado do ano será conhecido em 10 de janeiro, mas as estimativas do
mercado beiram os 5%.
O levantamento do Ibre/FGV confirma o que o
monitoramento do IBGE já vinha indicando: o aumento do índice de difusão das
pressões inflacionárias. Traduzindo, ao longo dos meses os aumentos de preços
se espalharam por todos os setores. Mas é nas gôndolas dos supermercados que a
inflação fica mais explícita, com disparada de preços como a do café (32%) e
leite longa vida (20,4%). O forte aumento das carnes (15,4%) fez picadinho da
promessa de campanha de Lula da Silva de fazer o brasileiro voltar a consumir “picanha
com cervejinha”.
Lula não se deu por vencido e, em agosto, nas
várias entrevistas a programas de rádio, fiel ao hábito de enxergar apenas o
que quer ver, insistia em dizer que estava cumprindo o que prometera. Mas os
dados mostram que a inflação da alimentação no domicílio, ou seja, as compras
que as famílias fazem rotineiramente nos mercados, tem respondido por mais da
metade da alta verificada em alimentos. E pesa mais sobre os mais pobres, que
comprometem parcela maior de sua renda com alimentação.
A inflação, como já ficou comprovado, não pode ser contida na marra. Na última vez que esse artificialismo foi tentado, durante a gestão de Dilma Rousseff, o País enfrentou uma grave recessão. A política monetária contracionista do Banco Central, com a elevação dos juros, tenta apenas frear a disparada até que os fundamentos econômicos construam a estabilidade, o que significa, agora, que o governo deve gastar menos para equilibrar suas contas. Se Lula da Silva se convencer desse princípio básico, o caminho para a queda da inflação estará aberto. Mas tudo indica que o País ingressará em 2025 sob pressão, pois Lula está mais Lula do que nunca.
O risco das estradas no meio do caminho
Correio Braziliense
A mobilidade eficiente exige ações do poder
público e do cidadão pela garantia do respeito à vida e pelo crescimento do
Brasil
No Brasil, as estradas são a principal
alternativa de deslocamento por demandas de trabalho e de lazer. Nesta época,
com as festas de fim de ano e as férias, o movimento é intensificado devido ao
aquecimento da economia — que exige o transporte de um volume maior de
mercadorias — e, principalmente, em decorrência das viagens de descanso. Esse
aumento de circulação no asfalto escancara a falta de segurança e manutenção
nas pistas, além de comprovar que a imprudência segue ao lado de muitos
motoristas. Questões que o país, com sua extensa malha rodoviária, ainda não
conseguiu deixar para trás.
No último dia 21, perto do Natal, um acidente
na BR-116, altura de Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri, em Minas Gerais,
provocou 41 mortes. Uma carreta que transportava granito, um ônibus e um carro
de passeio envolveram-se na trágica ocorrência, a pior da série histórica
nas estradas federais desde 2007. As causas da colisão são investigadas, mas é
possível que problemas crônicos tenham contribuído. Perto do local, um radar de
controle de velocidade foi retirado, a Polícia Civil apontou que o condutor do
caminhão estava com a CNH suspensa e testemunhas disseram que um pneu do
coletivo estourou. Tudo será devidamente esclarecido pelas autoridades
competentes, porém as hipóteses nos fazem pensar que a fiscalização efetiva e o
cumprimento das leis de trânsito poderiam ter evitado tanta dor.
Agora, na contagem regressiva para o
réveillon, o alerta de perigo nas rodovias continua em nível máximo, com os
brasileiros se deslocando para a virada do ano e também as férias. A parte que
compete aos motoristas precisa ser considerada. Se na rota há diversas
armadilhas, quem está ao volante deve adotar medidas para minimizar os riscos.
Fazer a revisão do veículo, dirigir com cautela, respeitar as regras e as
sinalizações — como limite de velocidade — e planejar bem o trajeto são
responsabilidades que não podem ser negligenciadas.
Aos governos que têm a incumbência de cuidar
das estradas brasileiras, a tarefa é grande e não está em dia. As perdas
humanas, incomensuráveis, se acumulam há décadas e transformam as estatísticas
de sangue que marcam o território nacional em sofrimento sem fim para as
famílias. Os desastres e a ausência de condições ideais exercem ainda impacto
direto na economia e no desenvolvimento. Sem fluidez segura nas pistas, o
crescimento do país, que decidiu apostar no transporte rodoviário, não dá
sinais de mudança significativa de rumo para outras alternativas, fica
travado.
É necessário ampliar os recursos destinados às estradas. A melhoria da infraestrutura é um processo que requer constância e investimento. A mobilidade eficiente exige ações do poder público e do cidadão pela garantia do respeito à vida e pelo desenvolvimento socioeconômico do Brasil. As concessões à iniciativa privada precisam ser conduzidas e monitoradas por autoridades com todo o rigor possível. Esforços nunca são demais para que o país cumpra o caminho correto e conquiste uma rede rodoviária que deixe de ser sinônimo de perigo para a população e atinja o potencial que o mercado necessita.
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