Valor Econômico
2024 foi o ano em que demos um salto para frente e muitos passos para trás e para o lado na agenda fiscal
Os dias se sucedem, e em meio ao sobe e desce do dólar e das bolsas, às crises no Congresso e às disputas eleitorais deste ano, perdemos a noção dos avanços e retrocessos do país. Aproveitando o clima de final de ano, e recorrendo ao caderninho de registros e ao arquivo de newsletters de notícias acumuladas na caixa de mensagens, vai abaixo a primeira parte de um apanhado de alguns dos principais fatos da agenda fiscal e tributária deste 2024.
O governo já começou o ano metendo os pés
pelas mãos. Na calada da noite, no último dia útil de 2023, Lula editou uma
medida provisória reduzindo a desoneração da folha de pagamentos para diversos
setores da economia. A medida até fazia sentido - a maioria dos estudos isentos
realizados até hoje indica que o benefício criado para ser temporário por Dilma
em 2011 teve poucos efeitos sobre a geração de empregos, diante dos muitos
bilhões que se deixa de arrecadar todos os anos -, mas a forma sorrateira como
foi adotada, sem um amplo debate com a sociedade e os parlamentares, rendeu
meses de discussões no Congresso e no Supremo, e o benefício acabou prorrogado.
Ainda no primeiro mês do ano, o governo
sancionou o programa Pé de Meia, que cria uma poupança financeira como
incentivo para que jovens de baixa renda mantenham-se matriculados no ensino
médio e façam o Enem ao final. Mais uma vez, a iniciativa é positiva, mas o
governo está burlando as regras orçamentárias, utilizando recursos de fundos
privados para realizar os pagamentos aos alunos beneficiados, em desrespeito à
legislação. Em novembro, após reprimendas do Tribunal de Contas da União, o
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, prometeu corrigir o erro - mas só em
2026.
Em fevereiro, o Conselho Monetário Nacional
impôs regras mais rigorosas para a emissão de LCIs, LCAs, CRIs, CRAs e LIGs,
que são títulos privados isentos de imposto de renda que fazem a alegria de
investidores de alta renda. Acontece que a regulação frouxa estava permitindo
que empresas de setores que não tinham nada a ver com o agro e nem com o setor
imobiliário (os beneficiários do incentivo) também utilizassem esses papéis
como instrumento de captação de recursos. O governo limitou a farra das letrinhas,
mas o dinheiro é como água, e se infiltra nas brechas do sistema tributário em
direção a outras aplicações que garantam retorno sem tributação. No caso, quem
se deu bem foram as debêntures incentivadas, que viram a demanda bombar logo em
seguida - nem precisa dizer que elas também são isentas de imposto de renda.
Em março, em meio a paralisações dos
servidores do Banco Central por melhorias salariais, o então presidente da
instituição, Roberto Campos Neto, iniciou uma campanha pela aprovação de uma
PEC que daria ampla autonomia administrativa e orçamentária ao BC. A sugestão,
que não encontra consenso entre os técnicos da ativa e aposentados da
instituição responsável pelo combate à inflação, traz sérios riscos de
ampliação dos supersalários na administração federal. Apesar de pouco ter
avançado na pauta legislativa em 2024, é ameaça que continua à espreita no ano
que se inicia.
No mês seguinte, nem bem completado o quarto
mês de vigência do novo arcabouço fiscal, Lula apresentou o projeto da Lei de
Diretrizes Orçamentárias reduzindo a ambição das metas fiscais para 2025 e
2026. Num prenúncio da crise de confiança que iria se intensificar meses à
frente, o governo pegou o mercado de surpresa ao abaixar o superávit previsto
para os dois últimos anos de seu mandato: de 0,5% e 1,0% do PIB, para 0% e
0,25%. O governo culpou as derrotas no Congresso pelo recuo, mas em abril já
ficavam evidentes suas dificuldades políticas de garantir a estabilização da
dívida pública tanto pelo lado das receitas quanto das despesas.
Outro recuo do governo se deu em relação ao
Perse. A equipe econômica gostaria de encerrar o programa emergencial criado
para amparar o setor de eventos durante a pandemia, mas em maio foi obrigada a
aceitar a renovação do benefício até 2026, embora com uma trava de R$ 15
bilhões. Ao longo do ano surgiram evidências de usos abusivos do benefício
tributário, comprovando suspeitas de desrespeito ao dinheiro público.
Em junho, mais uma derrota do governo - e ela
não se deu no embate entre Lula e Roberto Campos Neto, que escalou e fez o
dólar disparar. No início daquele mês, o Diário Oficial trouxe uma surpresa:
uma medida provisória que limitava o uso de créditos tributários do Pis/Cofins,
numa tentativa de obter R$ 29,3 bilhões para fechar as contas do ano, abaladas
com a prorrogação da desoneração da folha. A reação de grandes empresas que se
beneficiam do crédito presumido desses tributos foi imediata e virulenta. Pressionado
por representantes do agro, da indústria e do setor de combustíveis, o
presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG) devolveu a MP, e a equipe
econômica teve que engolir mais essa desventura poucos dias depois.
Tudo isso aconteceu só no primeiro semestre.
Entre julho e dezembro o quadro se agravou ainda mais, embora tenhamos tido uma
conquista histórica. Mas isso é assunto para a próxima coluna.
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