segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

O ano fiscal em retrospecto (parte 1) - Bruno Carazza

Valor Econômico

2024 foi o ano em que demos um salto para frente e muitos passos para trás e para o lado na agenda fiscal

Os dias se sucedem, e em meio ao sobe e desce do dólar e das bolsas, às crises no Congresso e às disputas eleitorais deste ano, perdemos a noção dos avanços e retrocessos do país. Aproveitando o clima de final de ano, e recorrendo ao caderninho de registros e ao arquivo de newsletters de notícias acumuladas na caixa de mensagens, vai abaixo a primeira parte de um apanhado de alguns dos principais fatos da agenda fiscal e tributária deste 2024.

O governo já começou o ano metendo os pés pelas mãos. Na calada da noite, no último dia útil de 2023, Lula editou uma medida provisória reduzindo a desoneração da folha de pagamentos para diversos setores da economia. A medida até fazia sentido - a maioria dos estudos isentos realizados até hoje indica que o benefício criado para ser temporário por Dilma em 2011 teve poucos efeitos sobre a geração de empregos, diante dos muitos bilhões que se deixa de arrecadar todos os anos -, mas a forma sorrateira como foi adotada, sem um amplo debate com a sociedade e os parlamentares, rendeu meses de discussões no Congresso e no Supremo, e o benefício acabou prorrogado.

Ainda no primeiro mês do ano, o governo sancionou o programa Pé de Meia, que cria uma poupança financeira como incentivo para que jovens de baixa renda mantenham-se matriculados no ensino médio e façam o Enem ao final. Mais uma vez, a iniciativa é positiva, mas o governo está burlando as regras orçamentárias, utilizando recursos de fundos privados para realizar os pagamentos aos alunos beneficiados, em desrespeito à legislação. Em novembro, após reprimendas do Tribunal de Contas da União, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, prometeu corrigir o erro - mas só em 2026.

Em fevereiro, o Conselho Monetário Nacional impôs regras mais rigorosas para a emissão de LCIs, LCAs, CRIs, CRAs e LIGs, que são títulos privados isentos de imposto de renda que fazem a alegria de investidores de alta renda. Acontece que a regulação frouxa estava permitindo que empresas de setores que não tinham nada a ver com o agro e nem com o setor imobiliário (os beneficiários do incentivo) também utilizassem esses papéis como instrumento de captação de recursos. O governo limitou a farra das letrinhas, mas o dinheiro é como água, e se infiltra nas brechas do sistema tributário em direção a outras aplicações que garantam retorno sem tributação. No caso, quem se deu bem foram as debêntures incentivadas, que viram a demanda bombar logo em seguida - nem precisa dizer que elas também são isentas de imposto de renda.

Em março, em meio a paralisações dos servidores do Banco Central por melhorias salariais, o então presidente da instituição, Roberto Campos Neto, iniciou uma campanha pela aprovação de uma PEC que daria ampla autonomia administrativa e orçamentária ao BC. A sugestão, que não encontra consenso entre os técnicos da ativa e aposentados da instituição responsável pelo combate à inflação, traz sérios riscos de ampliação dos supersalários na administração federal. Apesar de pouco ter avançado na pauta legislativa em 2024, é ameaça que continua à espreita no ano que se inicia.

No mês seguinte, nem bem completado o quarto mês de vigência do novo arcabouço fiscal, Lula apresentou o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias reduzindo a ambição das metas fiscais para 2025 e 2026. Num prenúncio da crise de confiança que iria se intensificar meses à frente, o governo pegou o mercado de surpresa ao abaixar o superávit previsto para os dois últimos anos de seu mandato: de 0,5% e 1,0% do PIB, para 0% e 0,25%. O governo culpou as derrotas no Congresso pelo recuo, mas em abril já ficavam evidentes suas dificuldades políticas de garantir a estabilização da dívida pública tanto pelo lado das receitas quanto das despesas.

Outro recuo do governo se deu em relação ao Perse. A equipe econômica gostaria de encerrar o programa emergencial criado para amparar o setor de eventos durante a pandemia, mas em maio foi obrigada a aceitar a renovação do benefício até 2026, embora com uma trava de R$ 15 bilhões. Ao longo do ano surgiram evidências de usos abusivos do benefício tributário, comprovando suspeitas de desrespeito ao dinheiro público.

Em junho, mais uma derrota do governo - e ela não se deu no embate entre Lula e Roberto Campos Neto, que escalou e fez o dólar disparar. No início daquele mês, o Diário Oficial trouxe uma surpresa: uma medida provisória que limitava o uso de créditos tributários do Pis/Cofins, numa tentativa de obter R$ 29,3 bilhões para fechar as contas do ano, abaladas com a prorrogação da desoneração da folha. A reação de grandes empresas que se beneficiam do crédito presumido desses tributos foi imediata e virulenta. Pressionado por representantes do agro, da indústria e do setor de combustíveis, o presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG) devolveu a MP, e a equipe econômica teve que engolir mais essa desventura poucos dias depois.

Tudo isso aconteceu só no primeiro semestre. Entre julho e dezembro o quadro se agravou ainda mais, embora tenhamos tido uma conquista histórica. Mas isso é assunto para a próxima coluna.

 

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