sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Desafio fiscal das prefeituras será maior que o previsto

O Globo

Gastos das capitais cresceram como proporção das receitas — e logo será inviável fechar as contas

No mandato iniciado em 2020, os prefeitos das 26 capitais tiveram uma oportunidade ímpar de melhorar a saúde fiscal de seus municípios. Com a pandemia, o caixa foi reforçado por transferências extraordinárias da União, e foram impostas restrições a gastos com pessoal. Passada a emergência, a recuperação do setor de serviços — principal fonte de arrecadação municipal — superou as expectativas. Só entre janeiro e outubro de 2024, a arrecadação cresceu 7,2% descontada a inflação, na comparação com o período no ano anterior, segundo dados da Aequus Consultoria. O fôlego maior era um momento propício para melhorar a gestão financeira e evitar instabilidade no futuro. Infelizmente não foi o que aconteceu. Houve uma profusão de gastos eleitoreiros. Agora, os prefeitos que assumem seus mandatos nesta semana — 16 deles reeleitos — terão pela frente um desafio fiscal bem mais complicado que o sugerido nas promessas de campanha.

Desde 2023, a despesa municipal tem crescido em ritmo mais alto que as receitas. Nos primeiros dez meses do ano passado, ela aumentou 12,5%. Nesse período, o comprometimento da receita com gastos correntes e amortização de dívidas alcançou 89,1%, 4,1 pontos percentuais acima de 2023 e 6,9 pontos percentuais acima de 2020, pelas contas da Aequus. A previsão é que esse total tenha chegado a 96% até o fim de 2024, engessando o caixa dos municípios e desenhando um quadro não muito diferente do que amarra o governo federal.

É verdade que parte do dinheiro foi destinada a investimentos. Nos primeiros dez meses do ano passado, eles chegaram a R$ 22,3 bilhões, bem acima dos R$ 9,4 bilhões registrados no mesmo período de 2020. Mas tudo indica que o fôlego será curto. Isso porque, entre 2021 e 2024, os prefeitos aumentaram os gastos obrigatórios com reajustes salariais e inchaço da máquina pública. A piora nas contas é estrutural e duradoura.

A incúria fiscal nas capitais garantiu a reeleição da maioria. Mas a conta um dia chega. A deterioração na situação fiscal, aliada à provável desaceleração da economia, deverá forçar os prefeitos a adotar comportamento mais responsável. Em escala menor, as capitais repetem a situação do Brasil como um todo. O governo federal também pisou no acelerador quando o mais prudente era moderar os gastos. A economia cresceu mais que o previsto, mas ninguém em sã consciência acredita que o salto seja sustentável. As repetidas juras de fidelidade à boa governança das contas públicas teimam em ser desmentidas pelos fatos.

Apesar das diferenças, as capitais reúnem nas suas regiões as principais instituições de ensino, centros médicos e profissionais. Juntas, são residência de um entre cinco brasileiros. Mais dinâmicas, também enfrentam problemas em doses maiores, da mobilidade urbana ao saneamento. Quando a perspectiva dos orçamentos municipais é negativa, duas consequências são previsíveis. A primeira é a queda na qualidade dos serviços públicos, que decerto afetará os planos eleitorais futuros de boa parte dos prefeitos — em particular aqueles que pretendem se lançar aos governos estaduais. A segunda é a romaria a Brasília, de pires na mão, com o invariável pedido de ajuda à União quando as contas não fecharem. Com o próprio governo federal em apuros, não poderia haver pior momento.

Maior tragédia humanitária do mundo é a fome que aflige Sudão

O Globo

Guerra civil deixa 26 milhões sem comida, mas a comunidade internacional ignora catástrofe

Enquanto o mundo presta atenção às vítimas dos conflitos na Ucrânia ou no Oriente Médio, a maior tragédia humanitária do planeta passa despercebida. Ela ocorre na África, mais especificamente no Sudão, onde 26 milhões, cerca de metade da população, padecem com falta de comida, e 10 milhões sofrem de “insegurança alimentar grave” — eufemismo para fome. “Nunca na História moderna tanta gente passou fome como hoje no Sudão”, afirma relatório da ONU.

Ex-colônia britânica, com forte influência do Egito, o Sudão se tornou independente em 1956 e, desde então, vive em instabilidade. Na origem da crise atual está uma guerra civil entre as forças oficiais e milícias de várias etnias. Depois de frequentar o noticiário no início dos anos 2000, em razão dos conflitos que resultaram no genocídio de Darfur, o Sudão ainda preocupa as agências humanitárias, mas não mobiliza a opinião pública. O presidente americano, Joe Biden, fez um apelo aos grupos em luta para que permitam o acesso à população e para que parem de matar civis. Não foi ouvido. Não houve qualquer clamor de outros países em prol da população civil indefesa.

O conflito étnico já matou pelo menos 24 mil pessoas e tornou o Sudão palco de um dos maiores deslocamentos involuntários da História recente. Dezenas de milhões foram forçados a abandonar suas casas. A violência prejudica a colheita, inflacionando os alimentos. Mesmo produtos básicos estão fora do alcance do sudanês médio. A fome no Sudão é descrita como “maior catástrofe humanitária do mundo” por Alex Marianelli, diretor do programa de alimentos da ONU para o país.

Para piorar, não é fácil levar ajuda à população. A guerra atravanca o deslocamento. O choque entre forças militares e milícias bloqueia o transporte de alimentos e remédios enviados por agências internacionais. Há ações deliberadas de milícias para impedir a ajuda. Em setembro, a organização Médicos sem Fronteiras (MSF) foi forçada a suspender por mais de uma semana o tratamento de 5 mil crianças desnutridas em Darfur do Norte, em razão de bloqueios e obstruções de estradas.

Refugiados tentam fugir em direção ao vizinho Chade. Num campo de sudaneses que escaparam da guerra, mesmo sob cuidados médicos, sete crianças morreram de desnutrição entre maio e setembro. Noutro campo administrado pelo MSF, havia 340 casos de desnutrição severa. “Neste momento, pessoas morrem de fome por causa de homens com armas e poder que têm negado comida a mulheres e crianças”, diz Jan Egeland, responsável pelo Conselho de Refugiados da Noruega. Ele acusa os grupos em conflito de bloquear as remessas das organizações internacionais.

No início de 2024, por falta de recursos, o Programa Mundial de Alimentos teve de cortar pela metade a remessa a campos de refugiados sudaneses no Chade. É inaceitável que a dor e o sofrimento dos milhões de sudaneses sejam desprezados. A comunidade internacional deveria dedicar tanto tempo e energia ao conflito no Sudão quanto tem dedicado a outras guerras.

Juro e dólar afetam avanço do setor privado na infraestrutura

Valor Econômico

Apesar de pequenos progressos nos investimentos, que representam 2,2% do PIB em 2024, o país está longe dos 4,3% considerados ideais para modernizar a infraestrutura em 30 anos

O governo conta com investimento em infraestrutura para estimular a economia em 2025 e busca estimular o setor privado, na ausência de espaço fiscal no orçamento. A estratégia foi relativamente bem-sucedida em 2024, com o avanço nas modelagens das concessões, especialmente das rodovias, atraindo novos players inclusive estrangeiros, e da legislação, como a Lei do Saneamento que, apesar das revisões feitas sob pressão política, melhorou o quadro institucional. O cenário macroeconômico, no entanto, com a elevação dos juros e a alta do câmbio, pode prejudicar os planos.

O investimento em infraestrutura fechou 2024 com crescimento de 15%, atingindo R$ 259,3 bilhões, segundo a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), que inclui transportes, especialmente rodovias, saneamento, energia e telecomunicações. Desse total, 76% vieram do setor privado, e o restante veio de fontes públicas, federais, estaduais e municipais. O valor é recorde, superando em 8% a marca anterior, de 2014, corrigida a valores atuais. Há estimativas menores, ainda assim vistosas, como o da consultoria Inter.B, que avalia em R$ 212,7 bilhões os investimentos em infraestrutura de 2024, alta de 10%.

Projetos de energia elétrica absorveram quase metade dos recursos (46%) concentrados nos leilões de transmissão. Na outra ponta, com 16,6% do total, está a telecomunicação, setor mais maduro e, por isso, com menos investimentos depois da corrida pela implantação do 5G. Mas as áreas que despertam mais atenção são as de rodovias e de saneamento.

Os investimentos em transportes e logística alcançaram R$ 63 bilhões em 2024, ou 24% do total, com crescimento de 52,2 % em relação a 2023. Foram realizadas nove concessões de rodovias e feitos 18 leilões de terminais portuários na primeira metade do governo Lula. A expansão está sendo possível graças ao interesse de novos operadores estrangeiros, o que não ocorria desde 2007, e do setor financeiro, atraídos por modelagens mais atraentes e pelo trabalho do governo de flexibilização das regras, em contato com interessados, inclusive no exterior.

Em agosto, o governo conseguiu destravar a concessão da chamada “rodovia da morte”, em Minas Gerais, após três tentativas frustradas, que começaram em 2021. A concessão foi arrematada pela estreante 4UM, que competiu com o Opportunity, outro novato no setor. Em setembro, o grupo francês Vinci ganhou a concessão da Rota dos Cristais, de Cristalina (GO) a Belo Horizonte (MG), superando os lances da CCR, da gestora 4UM em consórcio com o Opportunity e do banco BTG Pactual. Na área de saneamento, os investimentos dobraram para R$ 34 bilhões em 2024, com crescimento de 26,9%, excluindo a privatização da Sabesp. No setor, o principal impulsionador é o marco legal do saneamento, aprovado em 2020. Desde então, os municípios com operadores privados no saneamento aumentaram de 5% para 30%.

Os planos futuros são ambiciosos. Os principais leilões de saneamento esperados são as concessões dos Estados de Pará, Pernambuco e Rondônia. Mas há 34 projetos sendo modelados pelo BNDES, e 24 podem sair do forno em 2025, com uma demanda de R$ 74,6 bilhões em investimentos.

Na área de transportes, o governo tem que correr uma vez que prometeu realizar 35 concessões de estradas até 2026, e fez apenas nove até agora. Em 2015, devem ser feitos 15 leilões, começando já em 7 de janeiro com a concessão da Ponte Internacional de São Borja, que liga a cidade gaúcha a Santo Tomé, na Argentina. Há ainda a promessa de realizar 55 leilões portuários até 2026. Em aeroportos, o governo pretende leiloar nada menos que 51 regionais localizados em cidades da Amazônia Legal e da região Nordeste, e mais 50 em 2026, com investimento total previsto de R$ 7,3 bilhões. Sem falar na área ferroviária, na qual pode haver avanço após recente acordo com a Vale, com que discute a renovação de trechos onde já atua, a Estrada de Ferro Carajás e a Ferrovia Vitória-Minas.

Com tantos projetos no pipeline é óbvia a necessidade de recorrer ao capital privado para avançar na construção e modernização da infraestrutura do País. Nem o Novo PAC consegue o R$ 1,7 trilhão de recursos necessários do governo.

A ampliação das concessões tem sido uma estratégia crucial diante da limitação do espaço fiscal para investimentos públicos, mas o cenário de juros elevados, alta inflacionária e instabilidade cambial ameaça a atratividade dos projetos. Esses fatores impactam as taxas de retorno, tornando mais difícil atrair investidores de longo prazo. Além disso, problemas estruturais, como insegurança jurídica e fragilidade regulatória em alguns setores agravam os riscos associados aos contratos, desestimulando o setor privado.

Mesmo com avanços, como a Lei de Debêntures de Infraestrutura e o fortalecimento do BNDES como fornecedor de recursos, a alocação de recursos ainda está aquém dos níveis necessários para atender à demanda nacional. Apesar de pequenos progressos nos investimentos, que representam 2,2% do PIB em 2024, o país está longe dos 4,3% considerados ideais para modernizar a infraestrutura em 30 anos, evidenciando a necessidade de políticas consistentes e de um ambiente regulatório estável para viabilizar essa transição.

Galípolo terá no BC a missão amarga renegada por Lula

Folha de S. Paulo

Piora da economia, resultante da gastança do governo, força chefia do órgão a esfriar a atividade para conter inflação

Quando Gabriel Galípolo foi indicado para a diretoria de Política Monetária do Banco Central, já com a perspectiva de que viesse a assumir a presidência da instituição neste 2025, imaginava-se que sua missão seria muito mais amena.

Naquele maio de 2023, as expectativas mais consensuais eram que a inflação estivesse hoje estabilizada em torno dos 4% anuais, dentro da margem de tolerância de 1,5 ponto percentual acima da meta de 3%; que a cotação do dólar rondasse os R$ 5,20; e que a taxa básica de juros fosse de 10% ao ano, em trajetória de queda a caminho dos 9%.

Já nesta quinta-feira (2), primeiro dia útil de Galípolo no comando do BC, o dólar fechou em R$ 6,16, depois de ter passado dos R$ 6,20 pela manhã; a inflação esperada para este ano saltou de 4%, há apenas dois meses, para perto de 5%; os juros são de 12,25% e rumam aos 15% —patamar mais alto desde o longínquo 2006, ainda no primeiro governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O agravamento dramático das condições financeiras, resultante da escalada de gastos da administração petista, legou ao escolhido de Lula uma tarefa amarga. Será necessário encarecer o crédito para conter consumo e investimentos, sacrificando a expansão da economia e da renda para evitar o descontrole dos preços.

Tudo isso será mais eficaz e menos custoso socialmente conforme o BC disponha de maior credibilidade. O presidente da República e seu partido, infelizmente, em nada colaboraram para isso.

Na primeira metade do governo foram incessantes os ataques à autonomia do BC, às metas de inflação e à política de juros, descritas de modo caricato como um conluio contra anseios populares e em favor de rentistas.

Mais recentemente, quando o anúncio de um pacote frustrante de corte de despesas já havia provocado a disparada do dólar, o Planalto produziu um vídeo constrangedor em que Lula, ao lado de Galípolo e três ministros, dizia que o economista será "o presidente com mais autonomia na história do Banco Central".

Ora, a autonomia não é uma dádiva do governante de turno, é uma previsão da forma de um mandato de quatro anos após a aprovação do indicado pelo Senado. Faz parte de um arcabouço institucional desenvolvido ao longo de décadas, que inclui as metas de inflação, a divulgação regular de projeções oficiais e o regime de câmbio flutuante.

A turbulência já traz custos elevados que vão do encarecimento de produtos essenciais ao aumento dos gastos com juros da dívida pública, passando pela perda de mais de US$ 30 bilhões em reservas cambiais no mês passado.

Para dar fim a essa espiral nefasta, a ação firme e corajosa do BC é necessária, mas não suficiente. Se o governo não for capaz de restabelecer um mínimo de confiança em torno de seu programa de reequilíbrio orçamentário, a política monetária não será capaz de garantir sozinha a estabilidade econômica.

Massacres nada imprevisíveis nos EUA

Folha de S. Paulo

Ataque em Nova Orleans se soma à média anual de 25 chacinas no país; crimes em geral são cometidos por americanos natos

Há espaço de tempo por demais diminuto entre os abomináveis massacres ocorridos nos Estados Unidos neste primeiro quarto de século. O atropelamento em massa que matou 15 pessoas e feriu dezenas durante a celebração do Ano Novo na célebre Bourbon Street, em Nova Orleans, é apenas o exemplo mais recente.

Qualquer que seja a motivação, sempre espúria em sua essência, cada morticínio dissemina pânico na sociedade e senso de impotência entre autoridades.

Por óbvio não se sabe quando nem onde será o próximo ataque. Mas as estatísticas indicam que ocorrerá em breve —com alta probabilidade de ser desferido por um americano nato cioso do extermínio do maior número possível de inocentes.

Especialistas em segurança pública chegam a classificar tal fenômeno como uma endemia americana, sem claro consenso sobre as razões que a motivam.

A maioria dos massacres registrados nas últimas duas décadas tem em sua origem o acesso facílimo a armas e munições —direito respaldado pela questionável, porém inquebrantável, Segunda Emenda à Constituição.

Dados colhidos pelo jornal The Washington Post desde 2006 mostram ter havido uma média de 25 chacinas a tiros ao ano no país, responsáveis por 2.555 mortes no total. Em 2024, foram 30, acima da média. Tanto luto, sequelas e traumas não abalam o fascínio de parte da sociedade americana pelas armas.

Já em Nova Orleans, as festividades na madrugada do primeiro dia de 2025 transformaram-se em um banho de sangue pela vontade de Shamsud-Din Jabbar, que acelerou uma caminhonete contra a multidão antes de trocar tiros com a polícia local.

O modus operandi revela-se incomum nos EUA. A autoria, entretanto, segue um traço majoritário: a nacionalidade americana. Jabbar era texano nato e servira por 13 anos ao Exército.

O resultado das investigações dirá em qual perfil Jabbar se enquadra. Os massacres no país são executados por supremacistas brancos, fanáticos religiosos e toda sorte de lobos solitários, inspirados ou não no terrorismo do Estado Islâmico.

Na mesma madrugada, um veículo explodiu em frente a um hotel da Trump Corporation em Las Vegas. O FBI, a polícia federal americana, acredita que não haja conexão entre os dois casos.

Ao associar às pressas a tragédia de Nova Orleans à imigração ilegal, Donald Trump —ele próprio alvo de atentado em 2024— preferiu ignorar os fatos em nome de sua cruzada xenófoba.

Um ano de retrocessos na segurança pública

O Estado de S. Paulo

Colecionando erros, o Estado passou mais um ano desperdiçando chance de se afirmar como tal, tanto para bandidos da esquina como para organizações criminosas, cada vez mais audazes

A segurança pública foi muito maltratada por governadores de Estado, por deputados e senadores e pelo governo federal por força de seus interesses político-eleitorais. Antes tivesse havido apenas estagnação nessa seara ao longo de 2024. Em alguns casos, o País andou para trás. O voluntarismo e o populismo penal preponderaram sobre a formulação de políticas públicas baseadas em evidências. É lastimável que uma área da administração pública tão fundamental tenha sido subjugada pela pequenez dos falsos estadistas, incapazes de enxergar um palmo além da próxima eleição.

A começar por São Paulo, em tese o Estado com as polícias mais bem preparadas e equipadas do País, o que se viu foi a continuidade de uma política de confronto aberto com supostos criminosos que só produziu um banho de sangue como há alguns anos não era registrado aqui – e ainda sob circunstâncias para lá de obscuras. Como se isso não fosse terrível o bastante, a truculência dos maus policiais não levou ao aumento da sensação de segurança entre os paulistas – ao contrário, como constataram recentes pesquisas de opinião.

O governador Tarcísio de Freitas sabe que sua política de segurança está errada, a ponto de admitir as falhas operacionais e discursivas de seu governo em público. O principal, porém, Tarcísio continua devendo à sociedade paulista: a demissão imediata do secretário Guilherme Derrite, a personificação da ala truculenta da Polícia Militar de São Paulo. O atual secretário de Segurança Pública não serve à pasta nem aos paulistas; ele se serve do cargo na expectativa de auferir eventuais ganhos políticos em 2026, quando pretende se candidatar, segundo consta, a algum cargo majoritário. O resultado da inexplicável condescendência de Tarcísio com seu péssimo auxiliar fala por si só.

No Congresso, a paixão pelo atraso deu o tom dos trabalhos. Da facilitação para a compra de armas de fogo, como se viu na regulamentação da reforma tributária, até a criação de um cadastro nacional de condenados por crimes sexuais em primeira instância, que fez letra morta do princípio constitucional da presunção de inocência, viu-se de tudo, menos a discussão de políticas públicas de segurança racionais e mensuráveis, as únicas capazes de garantir a paz dos cidadãos de forma duradoura. Mas quem, afinal, haverá de pensar em soluções concretas para o problema da violência, sobretudo nas grandes cidades do País, quando as eleições de 2026 já batem à porta e o mais importante, ao que parece, é explorar a indignação de boa parcela da sociedade com a falência do Estado no combate ao crime?

No âmbito do governo federal, por sua vez, o cenário não foi mais auspicioso. O ministro da Justiça e da Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, até tentou mostrar iniciativa, mas sempre no sentido de transmitir a ideia de movimento em uma área na qual nem o governo nem o PT têm o que mostrar. Deu no que deu, ou seja, em nada. Aí está o fiasco da articulação com os governos estaduais para inserir na Constituição o Sistema Único de Segurança Pública, medida de resto desnecessária, e da canhestra tentativa do presidente Lula da Silva de afetar poder de mando por meio de um decreto determinando regras para o uso progressivo da força pelas polícias, pegando a todos de surpresa na antevéspera do Natal. Não é assim que se faz uma política pública séria.

Embora menos loquaz do que Flávio Dino, seu antecessor no Ministério, Lewandowski também sucumbiu ao viés paternalista de Lula e da esquerda em geral. Para os ditos progressistas, o combate ao crime deve ser tratado sob a ótica da luta entre “opressores” e “oprimidos”, uma bela retórica para escamotear a incompetência.

E assim, colecionando erros nos Três Poderes – porque não se pode esquecer da incontinência do Supremo Tribunal Federal em legislar sobre segurança quando lhe dá na veneta –, o Estado brasileiro passou um ano desperdiçando oportunidades de se afirmar como tal, tanto para os bandidos da esquina como para as organizações criminosas, cada vez mais audazes e tentaculares.

O custo do loteamento político

O Estado de S. Paulo

Queda de ponte sobre o Rio Tocantins reacende polêmica em torno do Dnit, gestor da infraestrutura de transportes terrestres e aquaviários há anos usado na distribuição política de cargos

O colapso da ponte sobre o Rio Tocantins, um desabamento que engoliu carros, motos e caminhões, fazendo 17 vítimas, entre mortos e desaparecidos, na divisa dos Estados do Maranhão e Tocantins, traz à tona uma questão tão antiga quanto revoltante: a serventia do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), que hoje se limita a funcionar como cabide de apadrinhados políticos em todo o território nacional.

Alvo, há anos, de investigações sistemáticas por denúncias de corrupção, superfaturamento de obras e outras irregularidades, o departamento, vinculado ao Ministério dos Transportes, administra um orçamento bilionário – foram R$ 16,62 bilhões em 2023 e R$ 14,72 bilhões em 2024, para citar apenas os últimos dois anos – para gerir a política de infraestrutura de transportes terrestres e aquaviários. Ou seja, contrata obras e serviços de manutenção de estradas (com suas pontes, viadutos e túneis), ferrovias, portos e vias navegáveis.

Conta com superintendências em cada Estado para atender todo o País e é justamente essa capilaridade, aliada ao orçamento do órgão, a principal fonte de atração numa disputa suprapartidária. Somente a formação da diretoria do Dnit já dá a dimensão da quantidade de cargos disponíveis no departamento. O colegiado é formado por sete membros, e cada um deles comanda uma diretoria específica que reúne entre 6 e – pasmem – 27 outros integrantes.

A queda do vão central da sexagenária ponte entre Aguiarnópolis (TO) e Estreito (MA) reúne elementos que sugerem má conservação. E o pior, o estado precário da via, com trânsito intenso e pesado de veículos de carga, foi denunciado inúmeras vezes por moradores e políticos. O próprio Dnit atestou a precariedade da ponte em 2019, dando a ela nota 2, numa escala de 1 a 5, sendo 1 o estado mais crítico. Depois da ruptura, o órgão informou que a licitação que havia lançado para a manutenção fracassou.

Não é desculpa para o gritante descaso, ainda mais quando se trata de uma usina de problemas como se apresenta há anos o Dnit. A autarquia foi criada em 2001 para reestruturar o sistema de transportes, substituindo o antigo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (Dner), de igual má fama. Como não basta trocar o nome para extinguir o imbróglio – embora seja este um expediente comum no País –, não demoraram a aparecer novas denúncias.

Em 2011, depois de assumir pela primeira vez a Presidência, Dilma Rousseff anunciou uma “faxina completa” no Dnit, após denúncias de superfaturamento em licitações. Afastou diretores e, para deixar claro a adoção de uma “linha dura”, nomeou oficiais do Exército para cargos de direção, numa aparente contradição da gestão petista. Reportagem do Estadão da época reproduziu um diálogo de Dilma com o então recém-empossado ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Passos: “Paulo Sérgio, você tem de fazer uma ‘limpa’ nesse ministério e no Dnit. Todo dia a gente abre o jornal e tem uma crise. Não tem cabimento isso! Eu não quero mais saber de denúncia contra A, B ou C. Tem de tirar todo mundo de lá!”.

Pelo andar da carruagem, a faxina promovida por Dilma deve ter apenas varrido a sujeira para debaixo do tapete, como diz a expressão popular. O problema continuou ali, como um painel permanente do custo do loteamento político de cargos em órgãos de controle. Uma barganha, diga-se, feita às claras, como se fosse o expediente mais natural do exercício do poder político.

No governo de Jair Bolsonaro, o Dnit foi alvo de investigações da Operação Rolo Compressor, por desvio de recursos. Em novembro passado, a Fase 2 da operação, conduzida por CGU, Polícia Federal, Receita e Ministério Público Federal, relatou denúncias em obras que somam R$ 693,8 milhões no Paraná. Em janeiro de 2023, início do terceiro mandato de Lula da Silva, o governo informou que ouviria as bancadas estaduais na Câmara para definir os superintendentes regionais do Dnit. As imagens da ruptura da ponte do Rio Tocantins estão aí para confirmar, da forma mais cruel, quem acaba pagando a conta de tanta permuta política.

A escalada da violência política

O Estado de S. Paulo

Crimes em ano eleitoral de 2024 batem recorde, um alerta àqueles que defendem a democracia

A violência política bateu recorde em 2024, ano em que milhares de candidatos se apresentaram aos eleitores na disputa por vagas em Câmaras Municipais ou para comandar prefeituras. Segundo o relatório Violência Política e Eleitoral no Brasil, das organizações Justiça Global e Terra de Direitos, o País registrou 558 casos entre 1.º de janeiro e 27 de outubro, quando foi realizado o segundo turno.

Nunca antes, no atual período democrático, a violência esteve tão presente num ciclo eleitoral. Em 2016, o Brasil registrou, por exemplo, 46 casos. No pleito municipal seguinte, em 2020, o número já havia crescido e batido a marca de 214 casos.

A violência política e eleitoral, segundo a classificação dos autores do estudo, pode se manifestar nas formas de ameaças, atentados, agressões físicas, ofensas, criminalizações, invasões e assassinatos. De acordo com os dados compilados no relatório, a ameaça é o tipo de violência mais recorrente. E os crimes atingem políticos de todo o espectro político – esquerda, centro e direita. Ou seja, não há distinção ideológica.

Ao consolidar esses casos, o relatório tem o mérito de dar a dimensão concreta da violência na política e revelar, ainda, agravantes. Segundo Gisele Barbieri, coordenadora de Incidência Política da Terra de Direitos, a “atuação do crime organizado, seja no financiamento de campanhas, seja na intimidação de agentes políticos”, é um dos novos fatores de violência.

Além de aterrorizar a população, impedir a realização de atividades político-eleitorais em comunidades dominadas pelo crime e até mesmo firmar contratos com o poder público para lavar dinheiro, as facções passaram a se infiltrar nos partidos políticos. Na última eleição, veio a público que o Primeiro Comando da Capital (PCC) tentava lançar e financiar candidaturas a vereador em Mogi das Cruzes e Santo André. Líderes de um partido com candidato muito bem votado na capital são investigados por suposto elo com a facção. E houve ainda atentado a tiros de fuzil contra um candidato a prefeito em Taboão da Serra.

O relatório vai além dos números e também é propositivo. O estudo apresenta uma série de recomendações ao poder público, haja vista que as ações estatais para enfrentar a violência política e eleitoral têm sido, no mínimo, insuficientes ou ineficazes. Do contrário, os números não seriam tão alarmantes.

É por isso que os autores sugerem o aprimoramento de mecanismos de investigação, fiscalização e monitoramento nos próprios partidos; o aperfeiçoamento e a propositura de leis para combater e punir crimes de violência política; e a integração das forças e dos órgãos de segurança pública para enfrentar grupos de extermínio e organizações criminosas.

A perigosa escalada da violência política pode interferir na escolha dos eleitores, o que, por óbvio, representa grave risco à democracia. As autoridades não podem ficar inertes diante de tamanha ameaça e têm o dever de garantir a paz nos próximos pleitos, para que o voto seja a expressão da consciência do eleitor, e não da coação de bandidos.

Regras atuais ainda limitam acesso à cannabis medicinal

Correio Braziliense

Para os próximos anos, o setor da cannabis medicinal continuará em alta, de acordo com a consultoria Kaya Mind. Segundo os especialistas, a previsão é de que o mercado brasileiro no setor alcance R$ 1 bilhão até o fim deste ano

O mercado de cannabis medicinal tem crescido exponencialmente nos últimos anos no Brasil. Um levantamento feito pela consultoria Kaya Mind — o 3º Anuário da Cannabis Medicinal no Brasil — mostra um crescimento na receita gerada pelo setor de 22% em um ano no país — o correspondente a R$ 853 milhões.

O perfil do paciente que utiliza a cannabis medicinal no Brasil é de 45 anos de idade, sendo a maioria mulheres. A geração X, das pessoas com 40 a 59 anos, apresenta a maior demanda do país em relação à importação dos produtos derivados de cannabis.

Vários percalços foram superados, como a liberação da distribuição e venda de produtos terapêuticos à base da substância em farmácias; o tratamento à base de cannabis oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para algumas (ainda que poucas) condições médicas em âmbito municipal e estadual; e, mais recentemente, a importação, por parte de empresas, de sementes e o cultivo do cânhamo industrial (que contém baixo teor de tetrahidrocanabinol, o THC). Com isso, 2025 se apresenta como um ano promissor no que diz respeito a novos tratamentos e pesquisas no Brasil.

Alguns projetos têm sido realizados por 40 instituições — geralmente universidades — ao redor de todo o país. Destacam-se as regiões Sudeste e Sul, que apresentam a maior parte das instituições e dos estudos até o momento. Entre óleos, sprays, cápsulas e medicamentos de uso tópico, há mais de 2.180 itens regulamentados no Brasil, em diferentes formatos. Até o segundo semestre de 2024, havia 62 autorizações sanitárias concedidas referentes a 56 produtos. Mas o preço não é nada atraente, podendo ser vendido nas prateleiras por até R$ 1,5 mil, em vidros de 60 mililitros (ml).

Quanto às importações, mais de 400 empresas enviaram seus produtos para o país, cabendo à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) o papel de analisar as autorizações dos medicamentos em seu país de origem. No primeiro semestre de 2024, mais da metade dos municípios brasileiros recebeu pelo menos uma remessa de algum derivado da planta, mas, atualmente, o Brasil produz somente 5% dos insumos utilizados na fabricação desses medicamentos no país.

Fato é que temos muito o que evoluir. A começar pelo preço médio do óleo importado: varia de pouco mais de R$ 450 até cerca de R$ 780. Há ainda deliberações na Anvisa sobre a RDC 327/19, que limitam as opções disponíveis no mercado e proíbem farmácias de manipulação de oferecer produtos à base de cannabis, assim como o autocultivo (a não ser por via judicial). Somente um medicamento foi aprovado no Brasil até o momento: um spray nasal com finalidade antiespasmódica, contendo quantidades semelhantes de canabidiol (CBD) e THC.

Para os próximos anos, o setor da cannabis medicinal continuará em alta, de acordo com a consultoria Kaya Mind. Segundo os especialistas, a previsão é de que o mercado brasileiro no setor alcance R$ 1 bilhão até o fim deste ano. Por enquanto, o Brasil ainda precisa melhorar na estruturação regulatória para facilitar a entrada de novas empresas no mercado brasileiro, aumentando assim a demanda por produtos.

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