O Globo
Impacto será maior quando maquinações de
Trump atingirem China e Rússia, onde há líderes dispostos a responder na mesma
moeda
Quando a principal potência econômica,
política e bélica do mundo escolhe mergulhar na imprevisibilidade, o mundo tem
razões concretas para prender a respiração. E os Estados Unidos avançam de
forma vertiginosa nessa direção.
Falta pouco mais de duas semanas para a volta
de Donald Trump ao poder. Sua saída da Casa Branca foi marcada pela invasão do
Capitólio, e seu regresso se dá poucos dias depois dos eventos ainda não
esclarecidos, com grandes suspeitas de ser ataques terroristas de alguma forma
conectados, em Nova Orleans e Las Vegas.
Trump, é claro, se apressou em tirar conclusões antes mesmo de o FBI iniciar as investigações, associando sem nenhuma evidência os ataques a imigrantes ilegais. Essa forma descuidada de lidar com questões sérias é apenas uma das muitas características que representam motivos reais para apreensão global com um presidente que os americanos conhecem bem e, ainda assim, decidiram reconduzir ao poder.
É muito diferente quando países como
Argentina ou mesmo o Brasil optam nas urnas por flertar com outsiders de
discurso inflamado e soluções fáceis e de rápida absorção para problemas
complexos que requerem constância e o exercício desapaixonado da política.
Nem Javier Milei nem Jair Bolsonaro têm, por
mais que impactem as vidas das populações de seus próprios países, o potencial
de agravar rápida e perigosamente a situação de um mundo já bastante
desequilibrado em muitos aspectos que se decida analisar, das guerras a um
estranho e ainda não dado alinhamento das demais potências geopolíticas. Trump
tem, prometeu fazê-lo, e o ambiente que se forma nos dias que precedem sua
volta ao Salão Oval vão se configurando especialmente perigosos diante de seu
voluntarismo cáustico.
Para o Brasil, sua eleição sempre foi motivo
de preocupação. As declarações que deu no fim de 2024, reclamando da política
brasileira de taxação de produtos americanos e prometendo revidar, são uma
pequena prévia de quão difícil será para o governo Lula, dada a antipatia
ideológica recíproca, lidar com a imprevisibilidade que o republicano promete
instalar no comércio exterior, uma das áreas em que suas bravatas de campanha
foram mais eloquentes.
A composição do ministério de Trump, com um
misto de arrivistas, ressentidos, negacionistas e bilionários com interesses
próprios a defender a partir de dentro, quando não uma combinação desses
currículos, não permite que se tenha nenhum otimismo quanto ao que está por
vir. Que os americanos tenham dado um novo voto a esse pacote é quase
inacreditável, assim como a constatação óbvia de que o deram ignorando por
completo o peso que seu país tem no tabuleiro mundial.
Diante de um cenário em tudo digno de um
daqueles filmes hollywoodianos de distopias pouco críveis e atores canastrões,
convém ao governo brasileiro, Lula em especial, adotar uma prudência muito
maior que aquela que vem demonstrando nas questões de política externa. Não
será possível ao presidente brasileiro responder à verborragia trumpista com
falas de improviso, sem alinhamento prévio e milimétrico com o Itamaraty, sob
pena de levar o Brasil a entrar no jogo de War desarrazoado para o qual Trump
parece pretender arrastar os demais países, com maluquices como as ameaças de
anexar o Canadá ou o Canal do Panamá.
Quando essas mesmas maquinações, que seriam
só infantis se não partissem de quem partem, atingirem países como China ou
Rússia, onde há líderes dispostos a responder na mesma moeda ou até dobrar a
aposta, o impacto será ainda maior. Serão quatro anos durante os quais o mundo
será profundamente impactado, e não parece haver atores relevantes no campo das
organizações multilaterais para fazer frente a tamanho risco.
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