sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

A saga do Papai Noel de Brasília – Fernando Gabeira

O Estado de S. Paulo

A verdade é que todos os setores, governo, STF e Parlamento, têm dificuldades de cortar gastos e chegar a um nível de austeridade compatível com as necessidades do País

Todos os setores, governo, STF e Parlamento, têm dificuldade para chegar ao nível de austeridade de que o País precisa.

Um pouco ofuscado pelas festas de fim de ano, Brasília viveu mais um drama em torno das emendas parlamentares. O ministro Flávio Dino bloqueou um lote de R$ 4,2 bilhões em emendas por não cumprirem os requisitos básicos de transparência e rastreabilidade. Para finalizar, Dino pediu à Polícia Federal (PF) que abrisse um inquérito sobre o tema. O maior suspeito é Arthur Lira, que articulou a aprovação das emendas e destinou grande parte do dinheiro para Alagoas.

O que se sucedeu foi um vaivém de notas e reuniões entre os Poderes, encerrando o ano com uma autêntica reprise do que vivemos ao longo desses últimos meses. O Parlamento se apossou de uma parte substancial do Orçamento e a utiliza de forma que nem as instituições nem a sociedade possa controlá-la.

Na verdade, os eleitores acompanham tudo isso por alguns pequenos escândalos na imprensa, mas parecem cansados e desiludidos a ponto de não mais reagirem. Avião cheio de dinheiro, notas de reais jogadas pela janela, cidades onde todo mundo fez radiografia da mão, enfim, uma série de irregularidades, algumas vezes descobertas pela PF. Mas apenas algumas vezes para nos dar a falsa impressão de que tudo está sob controle.

E não está. Desde o chamado orçamento secreto a roubalheira parece estar sendo combatida. Mas, desde aquela época, é visível como o triângulo Supremo Tribunal Federal (STF), governo e Parlamento se move de forma a nos dar a entender que afinal isto é um país sério e a Constituição será respeitada.

A ministra Rosa Weber proibiu o orçamento secreto. A tese essencial é a de que o dinheiro público tem de ser gasto com transparência. A proibição foi driblada de várias maneiras, inclusive com a criação de novas modalidades como as chamadas emendas Pix.

O próprio ministro Flávio Dino, quando retoma a tarefa de fazer cumprir o texto da lei, reconhece que existem inúmeras tentativas de driblar o STF.

Nessa história toda, a ponta do triângulo, o Executivo, tem uma posição ambígua. A ele interessa disciplinar as emendas porque sobra mais dinheiro para executar seus projetos, de certa forma, prometidos durante o período eleitoral.

No entanto, o governo não pode bater de frente com o Parlamento. Sua tática é de demonstrar interesse para que as emendas sejam pagas, ora questionando o STF ora encontrando um caminho para driblar a proibição.

Foi o que fez agora no apagar das luzes, tentando liberar, excepcionalmente, R$ 2,5 bilhões, movimento que acabou sendo vazado para a imprensa.

Minha hipótese é a de que o Supremo sozinho não consegue segurar essa onda. Por debaixo do pano, o governo tem de ceder para conseguir aprovar seus projetos no Parlamento. E a sociedade, que poderia dar o apoio a essa óbvia defesa da Constituição, parece viver um momento de cansaço, esses muitos momentos em que se diz: o Brasil é isto mesmo, não vale a pena protestar.

Na verdade, a Justiça também tem uma retaguarda vulnerável quando se trata de garantir o mínimo de austeridade. São muitos os supersalários nos seus quadros, além de pequenos escândalos do tipo que aconteceu no Mato Grosso, onde uma desembargadora que ganha R$ 130 mil mensais determinou uma ajuda natalina de R$ 10 mil para os funcionários do tribunal. Um auxílio-peru que poderia não ter tanta repercussão se fosse mesmo um caso isolado.

Mas a verdade é que todos os setores, governo, STF e Parlamento, têm dificuldades de cortar gastos e chegar a um nível de austeridade compatível com as necessidades do País.

É algo muito forte e talvez culturalmente enraizado. Pode ser que se explique por nossas origens católicas. A cisão que deu origem ao protestantismo criticava prédios suntuosos e a vida luxuosa de parte do clero. Combatia a venda de indulgências, pois o perdão não se compra. Martinho Lutero defendia uma vida religiosa mais próxima das pessoas, marcada pela simplicidade e foco nas escrituras.

É possível até tentar explicações histórico-culturais, mas isso não impede de julgar o que se passa nas esferas do poder: é injusto com um país tão necessitado gastar dinheiro sem controle e eficácia, como fazem com as emendas parlamentares, assim como é constrangedor ver a ostentação na alta burocracia estatal.

Ultimamente, o chamado mercado faz uma pressão por economia. Mas ele se interessa em preservar as aplicações financeiras que administra. Não tem critério de valor sobre os cortes, que acabam sendo eficazes apenas quando atingem os mais pobres. Temas como supersalários, subsídios – tudo isso fica para as calendas.

Na verdade, assistimos à farsa em que se repetem os gestos, a movimentos de correção que apenas ajustam a engrenagem que esmaga não só a esperança dos mais pobres, como também a aspiração de todos por um país mais solidário e justo.

É um enredo tão pouco inspirado e monótono que acabará sendo tocado por ventos de renovação. Os eleitores precisam se convencer de que é possível algo melhor e, o que é mais importante, precisam acertar quando acharem que estão escolhendo algo melhor. O caminho continua aberto para aventureiros.

 

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