O Estado de S. Paulo
A verdade é que todos os setores, governo,
STF e Parlamento, têm dificuldades de cortar gastos e chegar a um nível de
austeridade compatível com as necessidades do País
Todos os setores, governo, STF e Parlamento,
têm dificuldade para chegar ao nível de austeridade de que o País precisa.
Um pouco ofuscado pelas festas de fim de ano,
Brasília viveu mais um drama em torno das emendas parlamentares. O ministro
Flávio Dino bloqueou um lote de R$ 4,2 bilhões em emendas por não cumprirem os
requisitos básicos de transparência e rastreabilidade. Para finalizar, Dino
pediu à Polícia Federal (PF) que abrisse um inquérito sobre o tema. O maior
suspeito é Arthur Lira, que articulou a aprovação das emendas e destinou grande
parte do dinheiro para Alagoas.
O que se sucedeu foi um vaivém de notas e reuniões entre os Poderes, encerrando o ano com uma autêntica reprise do que vivemos ao longo desses últimos meses. O Parlamento se apossou de uma parte substancial do Orçamento e a utiliza de forma que nem as instituições nem a sociedade possa controlá-la.
Na verdade, os eleitores acompanham tudo isso
por alguns pequenos escândalos na imprensa, mas parecem cansados e desiludidos
a ponto de não mais reagirem. Avião cheio de dinheiro, notas de reais jogadas
pela janela, cidades onde todo mundo fez radiografia da mão, enfim, uma série
de irregularidades, algumas vezes descobertas pela PF. Mas apenas algumas vezes
para nos dar a falsa impressão de que tudo está sob controle.
E não está. Desde o chamado orçamento secreto
a roubalheira parece estar sendo combatida. Mas, desde aquela época, é visível
como o triângulo Supremo Tribunal Federal (STF), governo e Parlamento se move
de forma a nos dar a entender que afinal isto é um país sério e a Constituição
será respeitada.
A ministra Rosa Weber proibiu o orçamento
secreto. A tese essencial é a de que o dinheiro público tem de ser gasto com
transparência. A proibição foi driblada de várias maneiras, inclusive com a
criação de novas modalidades como as chamadas emendas Pix.
O próprio ministro Flávio Dino, quando retoma
a tarefa de fazer cumprir o texto da lei, reconhece que existem inúmeras
tentativas de driblar o STF.
Nessa história toda, a ponta do triângulo, o
Executivo, tem uma posição ambígua. A ele interessa disciplinar as emendas
porque sobra mais dinheiro para executar seus projetos, de certa forma,
prometidos durante o período eleitoral.
No entanto, o governo não pode bater de
frente com o Parlamento. Sua tática é de demonstrar interesse para que as
emendas sejam pagas, ora questionando o STF ora encontrando um caminho para
driblar a proibição.
Foi o que fez agora no apagar das luzes,
tentando liberar, excepcionalmente, R$ 2,5 bilhões, movimento que acabou sendo
vazado para a imprensa.
Minha hipótese é a de que o Supremo sozinho
não consegue segurar essa onda. Por debaixo do pano, o governo tem de ceder
para conseguir aprovar seus projetos no Parlamento. E a sociedade, que poderia
dar o apoio a essa óbvia defesa da Constituição, parece viver um momento de
cansaço, esses muitos momentos em que se diz: o Brasil é isto mesmo, não vale a
pena protestar.
Na verdade, a Justiça também tem uma
retaguarda vulnerável quando se trata de garantir o mínimo de austeridade. São
muitos os supersalários nos seus quadros, além de pequenos escândalos do tipo
que aconteceu no Mato Grosso, onde uma desembargadora que ganha R$ 130 mil
mensais determinou uma ajuda natalina de R$ 10 mil para os funcionários do
tribunal. Um auxílio-peru que poderia não ter tanta repercussão se fosse mesmo
um caso isolado.
Mas a verdade é que todos os setores,
governo, STF e Parlamento, têm dificuldades de cortar gastos e chegar a um
nível de austeridade compatível com as necessidades do País.
É algo muito forte e talvez culturalmente
enraizado. Pode ser que se explique por nossas origens católicas. A cisão que
deu origem ao protestantismo criticava prédios suntuosos e a vida luxuosa de
parte do clero. Combatia a venda de indulgências, pois o perdão não se compra.
Martinho Lutero defendia uma vida religiosa mais próxima das pessoas, marcada
pela simplicidade e foco nas escrituras.
É possível até tentar explicações
histórico-culturais, mas isso não impede de julgar o que se passa nas esferas
do poder: é injusto com um país tão necessitado gastar dinheiro sem controle e
eficácia, como fazem com as emendas parlamentares, assim como é constrangedor
ver a ostentação na alta burocracia estatal.
Ultimamente, o chamado mercado faz uma
pressão por economia. Mas ele se interessa em preservar as aplicações
financeiras que administra. Não tem critério de valor sobre os cortes, que
acabam sendo eficazes apenas quando atingem os mais pobres. Temas como
supersalários, subsídios – tudo isso fica para as calendas.
Na verdade, assistimos à farsa em que se
repetem os gestos, a movimentos de correção que apenas ajustam a engrenagem que
esmaga não só a esperança dos mais pobres, como também a aspiração de todos por
um país mais solidário e justo.
É um enredo tão pouco inspirado e monótono
que acabará sendo tocado por ventos de renovação. Os eleitores precisam se
convencer de que é possível algo melhor e, o que é mais importante, precisam
acertar quando acharem que estão escolhendo algo melhor. O caminho continua
aberto para aventureiros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário