Folha de S. Paulo
Melhor fariam governadores do Sudeste, a
começar por Tarcísio de Freitas, se contivessem abusos e matança
A reação de governadores de direita ao decreto do
governo federal sobre uso da força pela polícia é mais um
atestado da estupidez que vem ganhando projeção num país cada vez mais ignaro,
violento e abandidado.
Em São Paulo, Tarcísio de
Freitas, o preferido do bolsonarismo, das finanças e do ruralismo
para disputar a Presidência em 2026, insiste em dar provas de truculência. Não
apenas na segurança pública, embora com especial afinco nesta área.
Nomeou como seu secretário um ex-policial que se orgulha de ter matado "vagabundos" e gosta de repetir, em seu chocante despreparo, a retórica do apologista da tortura que o inspira, o famigerado Jair Bolsonaro.
Em simetria com a escalada da letalidade
policial incentivada pelo governo estadual, casos macabros de abuso da
força por parte de agentes policiais têm aparecido na mídia,
graças a câmeras de segurança e smartphones. O contribuinte pode ver seus
impostos aplicados em iniciativas públicas ilegais e racistas.
O padrão se repete em outros estados, mesmo
governados pela esquerda ou por partidos de centro. E também é sustentado pelas
Forças Armadas, cujo tribunal absolveu
recentemente oito militares que, em 2019, fizeram 257 disparos
contra um automóvel guiado pelo músico Evaldo Rosa.
Ele estava em companhia de sua mulher, filho,
sogro e uma amiga. Desse total, 62 projéteis acertaram o carro e 9 o corpo da
vítima. Como explicar tal decisão?
Casos análogos são recorrentes.
Por mais que se trate de uma parcela
minoritária de agentes do Estado, a repetição de ocorrências como tiros pelas
costas e assassinatos covardes é assustadora e clama por medidas. Note-se que o
descaso em geral atinge os mais pobres, gente cuja vida parece não valer nada
em seu país.
O decreto veio em resposta a este estado de
coisas insustentável. Suas recomendações já se inscrevem em convenções
internacionais assinadas pelo Brasil, em legislação vigente e em programas de
treinamento policial.
A intenção é detalhar a regulamentação legal
e gerar incentivos para que as regras sejam aplicadas, condicionando à sua
observação o acesso a fundos públicos nacionais.
As normas são básicas: a prerrogativa de uso
da força pelo Estado deve respeitar proporcionalidade, numa escala em que uso
de arma de fogo é um último recurso, só admissível quando outros de "menor
intensidade não forem suficientes para atingir os objetivos legais
pretendidos".
Policiais não devem atirar contra pessoas
desarmadas, disparar pelas costas ou alvejar veículos às cegas.
Não há nada de extraordinário ou inovador
nisso. Em que pese a reação política e ideológica de Tarcísios, Zemas e
Ratinhos, outros governadores apoiaram o dispositivo, bem como um grupo
significativo de ex-secretários de segurança.
A alegação de que seria uma interferência
indevida da esfera federal numa atribuição dos estados não tem nenhum
fundamento.
O Brasil não de hoje vive uma situação
dramática nas políticas de controle da criminalidade, com abusos em série,
corrupção e infiltração de facções nas instituições republicanas.
Para piorar, setores da população —senão a
maioria ao menos parcela rude e ignorante— apoia a truculência, as investidas
contra bairros pobres e o lema bandido bom é bandido morto.
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