Valor Econômico
Centrão mostra para petistas e bolsonaristas que 2025 é visto como um ano de contenção, sem passos arrojados para a esquerda ou direita
Muitos convidados já estavam na festa
oferecida por Hugo Motta após sua vitória na eleição para a presidência da
Câmara, quando começou a circular a informação, à boca pequena, que o anfitrião
ainda iria demorar um pouco a chegar. Um correligionário confidenciou: o
deputado e alguns de seus aliados mais próximos estavam na casa de um ministro
do Supremo Tribunal Federal (STF).
Soube-se depois que ocorrera o mesmo com o
presidente recém-eleito do Congresso, Davi Alcolumbre, que organizara uma outra
comemoração na residência oficial do Senado.
Mas nada que tenha incomodado os presentes em ambos os eventos. O forró rolava solto. Nos bastidores, contudo, a movimentação era mais sutil. Nas rodas de conversa, a reunião era vista como um primeiro gesto da nova cúpula do Congresso em direção ao Judiciário, o Poder que tem buscado dar mais transparência à execução das emendas parlamentares ao Orçamento, com o apoio envergonhado do Executivo, a despeito da resistência de deputados e senadores.
O deputado Hugo Motta (Republicanos-PB)
acabava de ser alçado presidente da Câmara por 444 votos, em uma Casa composta
por 513 integrantes. Já Davi Alcolumbre (União-AP) recebera os votos de 73 dos
81 senadores.
O recado do Parlamento foi claro. Os dois têm
amplo respaldo para lutar pelos interesses do Legislativo - entre eles, manter
o controle de volumosos recursos orçamentários pelo Congresso.
Em um movimento ensaiado, Motta, Alcolumbre e
diversos parlamentares passaram a dizer que ninguém no Legislativo seria contra
um maior detalhamento da destinação das verbas das emendas, desde que os demais
Poderes fizessem o mesmo em relação aos seus respectivos gastos. Isso serviria
para cada empreendimento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), os
cartões corporativos da Presidência da República ou, por exemplo, viagens de
ministros do STF.
Colocar todo mundo na mesma pista de dança
pode, a longo prazo, assegurar maior rastreabilidade dos recursos públicos.
Isso é positivo. Mas está claro o risco de um Poder pisar no pé de outro, e
esse descompasso acabar inviabilizando uma solução estrutural para o problema
das emendas.
Segundo relatos, Motta e Alcolumbre ouviram
de um ministro do Supremo presente no encontro que as eleições dos dois
representavam um marco de mudança geracional nas estruturas de poder, algo que
deveria ser aproveitado para dar mais leveza à política e neutralizar os polos
radicais.
Esta é, aliás, uma das preocupações de Motta.
Eleito presidente da Câmara aos 35 anos de idade, o deputado assume com a
certeza de que precisa tomar cuidado para “não envelhecer no cargo”. Usará
bastante as redes sociais.
Ele também sabe que não pode deixar que “o
sistema o engula”. A contundência de seu discurso de vitória foi construído com
esse objetivo e surpreendeu aliados. Seus primeiros passos foram dados para
ocupar o centro do tablado e fortalecer nessa posição seu grupo político, que
conta também com lideranças do MDB e PP.
O deputado acena para todos os lados, sem se
comprometer com propostas que agora possam gerar turbulências. Faz declarações
que propositalmente deixam um ou outro polo descontente, em uma valsa na qual
dá um passo para a direita, outro para a esquerda, mas sempre repousando os pés
ao centro.
Deputados da esquerda chegaram a se animar
com seu discurso de vitória, permeado de passagens em defesa da democracia. Mas
se enganou quem interpretou isso como um bloqueio total das propostas que visam
beneficiar os participantes dos atos golpistas que culminaram no 8 de janeiro
de 2023.
O projeto de anistia não o move, apesar da
pressão do PL. Mas pode haver espaço para discutir iniciativas que reduzam as
penas de alguns condenados, apesar do alerta feito por ministros do STF de que
muitos dos golpistas puderam fazer acordos para amenizar as penas e não
aceitaram por questões ideológicas.
A defesa da democracia foi, na prática, um
meio para construir uma plataforma de proteção do Parlamento e do que os
deputados consideram ser suas prerrogativas.
Em paralelo, a estratégia também é
neutralizar o que as legendas de centro consideram ser uma tentativa da
esquerda de monopolizar o discurso de defesa da democracia. As menções a
Ulysses Guimarães estão nesse contexto, assim como o desfecho de seu discurso
com a frase “ainda estamos aqui”, numa referência ao premiado filme que retrata
o drama da família do ex-deputado Rubens Paiva, preso, torturado e morto pela
ditadura militar.
Nesse “dois para lá, dois para cá”, Motta
sabidamente desagradou à extrema direita com essas frases. Estava na conta.
Na área econômica, o recado é que a agenda
legislativa defendida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem um aliado
à frente da Mesa Diretora da Câmara. Mas que fique claro para o governo e para
a oposição: isso não quer dizer aderência a toda pauta de interesse do Palácio
do Planalto. Muito menos do PT.
Com essa dança, o Centrão mostra para
petistas e bolsonaristas que 2025 é visto como um ano de contenção, sem passos
arrojados para a esquerda ou direita. Será um desafio executar uma coreografia
tradicional sem parecer antiquado.
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