Valor Econômico
Aponta tentativa concertada para construção
de esferas de influência, e emergentes prontos a trabalhar com quem oferecer
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Ursula von der Leyen, presidente da Comissão
Europeia, o braço executivo da União Europeia (27 países), fez ontem o discurso
anual para os embaixadores europeus, em Bruxelas. Dessa vez, ela disse que
procurou refletir a necessidade urgente de entender o estado de mudança do
mundo.
Aos diplomatas europeus por todos os cantos do planeta, ela destacou como ficou ultrapassada a imagem de um mundo indo na direção de mais cooperação e hiperglobalizado. O que se vê agora é que ‘os grandes medos estão de volta, desde o medo suscitado pelas mudanças climáticas, passando pela Inteligência Artificial, até o medo da migração ou simplesmente de ser deixado para trás. E isso também permeia os assuntos globais’, afirmou.
Nesse cenário, a presidente da Comissão
Europeia observa que os países utilizam suas forças como armas (weaponization)
uns contra os outros. E constata que ‘já entramos amplamente em uma era de
geopolítica hipercompetitiva e baseada no ‘tudo transacional’. E isso
inevitavelmente tem impacto sobre cada um de nossos relacionamentos’.
‘Vivemos num mundo em que não podemos mais
considerar muita coisa como garantida – nem mesmo as regras e as normas
elaboradas ao longo dos últimos 70 anos’, acrescentou. ‘Um mundo no qual as
grandes potências tentam obter qualquer vantagem possível usando qualquer
ferramenta que funcione melhor, seja ela econômica, tecnológica ou de
segurança. Às vezes, as três ao mesmo tempo’.
Continuou: ‘Um mundo no qual assistimos hoje
a uma tentativa concertada de construir esferas de influência - e mesmo de se
apropriar de territórios – exatamente como no século XIX ou no auge da Guerra
Fria. Um mundo no qual novas potências autoritárias estão se unindo a uma
Rússia vilã, pronta a explorar qualquer divisão ou fraqueza nas alianças
existentes’.
Também ‘um mundo no qual potências emergentes
se desiludiram com a maneira como o sistema internacional funciona e estão cada
vez mais buscando alternativas. Na maioria dos casos, elas estarão prontas a
trabalhar com quem colocar a melhor oferta na mesa’.
Ela admitiu que certos europeus podem não
gostar dessa ‘realidade mais dura e mais transacional’. No entanto, considera
que a Europa precisa lidar com o mundo tal como ele se apresenta. E disse estar
convencida de que, ‘neste mundo imprevisível, a melhor estratégia para a Europa
é de manter a cabeça fria, tomar decisões não com base na emoção ou na
nostalgia de um mundo que já existiu, e sim com base em um julgamento calculado
sobre o que é de nosso próprio interesse no mundo atual’.
Acrescentou Ursula von der Leyen: ‘Devemos
continuar comprometidos com a ideia de que cada país deve ser livre para
escolher seu destino democraticamente. Que as fronteiras não podem ser
alteradas pela força. Que a Carta das Nações Unidas está no centro de nosso
compromisso’.
Para promover esses valores, avisa que a
Europa precisa mudar sua maneira de proceder, ser mais ágil e audaciosa, passar
à ação. ‘Poderemos ser levados a nos envolver em negociações difíceis, mesmo
com parceiros de longa data. E talvez também tenhamos que trabalhar com países
que não compartilham os mesmos valores que nós, mas com os quais temos
interesses comuns’, avisou.
Isso porque, argumentou ela, ‘o princípio
básico da diplomacia nesse novo mundo é de não perder de vista o objetivo a
alcançar. Isso implica encontrar pontos em comum com os parceiros para
benefício mútuo e aceitar que, ocasionalmente, teremos que concordar em
discordar’.
Destacou que isso será ‘ainda mais importante
à medida que o mundo se torna mais perigoso e a concorrência econômica se
intensifica’. Uma corrida já está lançada, como disse: dos chips à IA, do lítio
ao quantum, das tecnologias limpas ao espaço. Uma corrida armamentista. E
previu que novas corridas continuarão a se acelerar - em tudo, desde o espaço
da informação, rotas marítimas ou equipamentos militares avançados.
‘Precisamos fazer nossa lição de casa na
Europa para nos mantermos no ritmo’, disse. E mencionou o recem lançado
programa ‘Competitiveness Compass’ para a Europa reforçar pontos fortes e
fechar a lacuna de inovação, estabelecer um roteiro para a descarbonização e a
competitividade, reduzir dependências e aumentar resiliência e segurança
econômica, ‘porque somente com bases fortes poderemos projetar nosso poder’.
‘Sabemos que haverá um aumento no uso de
ameaças e de ferramentas de coerção econômica, como sanções, controles de
exportação e tarifas’, alertou ela. Sem mencionar explicitamente Donald Trump,
acrescentou: ‘Vimos isso novamente nos últimos dias e a rapidez com que as
coisas podem se agravar. Quero deixar claro: a Europa protegerá sua segurança
econômica e nacional. Mas também é importante que encontremos o justo
equilíbrio. Queremos evitar uma corrida global para o fundo do poço que não é
do interesse de ninguém’.
Ursula von der Leyen insistiu que a Europa
quer se concentrar no fortalecimento dos laços econômicos que ajudam a criar
empregos, a baixar os preços e a fortalecer sua segurança. ‘E esse é,
obviamente, o caso quando se trata dos Estados Unidos, um país com o qual temos
os laços mais fortes. Compartilhamos muitas das mesmas preocupações, seja com a
estabilidade regional ou com a economia global (…) Seremos abertos e
pragmáticos’.
Aos embaixadores europeus, explicou que a
mensagem que a Europa precisa transmitir aos parceiros em todo o mundo é:’
quando faz sentido para a Europa, a Europa pode fazer com que funcione. Se
houver benefícios mútuos em vista, estaremos prontos para colaborar com vocês’.
Exemplificou que não foi por acaso que, em
apenas dois meses, a UE concluiu novas parcerias com o Mercosul, o México e a
Suíça, e reiniciou as negociações com a Malásia.
‘Esse compromisso global é mais importante do
que nunca no mundo de hoje’, acrescentou. Previu que este será um ano intenso
no relacionamento com a China, um dos mais intrincados e importantes do mundo.
‘E a maneira como o administraremos será um fator determinante para nossa
futura prosperidade econômica e segurança nacional’, disse. ‘
'A China é um parceiro comercial vital, responsável por cerca de 9% de nossas exportações de mercadorias e mais de 20% de nossas importações de mercadorias. A maior parte desse comércio é mutuamente benéfica. No entanto, observamos desequilíbrios e riscos crescentes que acompanham os negócios com a China. Continuaremos a reduzir os riscos do nosso relacionamento econômico, como temos feito nos últimos anos’, acrescentou.
Ursula von der Leyen reiterou que a guerra na Ucrânia continua a ser a crise mais central e consequente para o futuro da Europa. A guerra em grande escala da Rússia entrará em breve em seu quarto ano. ‘Putin está se esforçando mais do que nunca para vencer essa guerra no terreno. Seu objetivo continua sendo a capitulação da Ucrânia. E então sabemos o que pode acontecer em seguida’.
Disse que a primeira prioridade da UE é
fortalecer a resistência da Ucrânia. Ao mesmo tempo, agora também é o momento
de exercer pressão máxima sobre a Rússia. Sua economia está lutando contra a
inflação e taxas de juros elevadas. O 16º pacote de sanções europeias contra
Moscou está a caminho. E a UE continuará a eliminação gradual do uso de
combustíveis fósseis russos.
‘E não se trata apenas da Ucrânia. Em um
mundo onde o tamanho e o peso importam e onde os países pequenos podem ser
chantageados com mais facilidade, é de nosso interesse comum unir a família
europeia’, observou.
Reiterou que a Europa está pronta para
desempenhar seu papel em todos os desafios globais. Como defender os objetivos
do Acordo de Paris e apoiar o Brasil na realização de uma COP30 bem-sucedida em
Belém neste ano. Apoiar a Organização Mundial da Saúde na prevenção de novas
pandemias. E fornecer ajuda humanitária aos necessitados.
Depois de reconhecer mais uma vez que o mundo é um lugar mais perigoso do que nunca e que as ameaças vêm em diferentes formas e de muitas direções diferentes, ela citou o intelectual sueco Hans Rosling, de que ‘devemos resistir à tentação de esperar ingenuamente sem razão, mas também resistir à tentação de temer sem razão’. Ou seja, que não se pense em termos de pessimismo, ou mesmo de otimismo. ‘Pense em termos do possível. E é exatamente isso que a Europa fará’, completou.
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