Valor Econômico
Parlamentares terão de retomar este ano uma discussão sobre os critérios de repartição dos recursos do Fundo de Participação dos Estados, que se arrasta sem solução desde pelo menos desde a Constituição de 1988
Neste ano, o Congresso Nacional precisará
retomar uma discussão que se arrasta sem solução desde pelo menos desde a
Constituição de 1988: os critérios de repartição dos recursos do Fundo de
Participação dos Estados (FPE). Decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal
(STF) em 2023 diz que as regras atualmente aplicadas só valem até 31 de
dezembro de 2025.
O FPE é formado com parte das receitas do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), dois tributos federais, e repartido entre os Estados para reduzir desigualdades. No ano passado, foi um bolo de R$ 149,8 bilhões que, para as unidades menos desenvolvidas da Federação, representou parcela importante das receitas.
“Isso vai gerar boas discussões,
provavelmente”, disse à coluna o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron.
“É uma discussão federativa que vai ficar no Congresso Nacional e haverá esse
jogo de forças para, de forma legítima, preservar ou ampliar o espaço que é
reservado para cada Estado.” O Tesouro poderá participar com subsídios
técnicos, informou. Porém, ainda não foi chamado.
Essa queda de braços já ocorreu outras vezes
no Legislativo. A diferença, desta vez, é que há um segundo bolo de dinheiro a
ser disputado: o do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), criado
na reforma tributária, cuja regulamentação será enviada ao Legislativo este
ano. Setenta por cento do dinheiro será distribuído conforme os critérios de
repartição do FPE.
“É nitroglicerina pura”, comentou o
ex-secretário da Receita José Tostes. “Tem que regulamentar o fundo e tem que
regulamentar os novos critérios do FPE.”
Ele tem chamado a atenção para o elevado
custo dos quatro fundos criados na reforma tributária, que somados
ultrapassarão R$ 1 trilhão. Por outro lado, cálculos do professor Bráulio
Borges, pesquisador do FGV Ibre e economista sênior da LCA Consultores, apontam
para ganhos econômicos de R$ 6 trilhões com a reforma.
Está previsto que, já neste ano, a União fará
um aporte de cerca de R$ 9 bilhões em um dos fundos da reforma, o de
Compensação de Benefícios Fiscais. A despesa não está prevista no orçamento.
O projeto de lei de regulamentação do fundo
será encaminhado ao Congresso “mais à frente”, disse Ceron. A ideia é discutir
as regras “com calma”, além de seus impactos fiscais no curto prazo. “Por
enquanto, ele [o fundo] é só uma despesa financeira que não tem nenhuma
execução”, informou. “Fica reservado esse recurso e só quando ele for executado
faremos a incorporação das estatísticas ou não.”
Usar os critérios do FPE para repartir os
recursos do FNDR não é boa ideia, diz estudo elaborado por Marcos Mendes,
pesquisador associado do Insper, em coautoria com o economista Sergio Gobetti.
O trabalho afirma que os atuais critérios do FPE beneficiam mais os Estados
menos populosos e prejudicam aqueles de baixa renda com população maior. Usar
esses mesmos critérios para repartir o FNDR manteria a inconsistência, avaliam.
A dupla propõe um novo critério de cálculo para a distribuição do FPE.
A decisão do STF sobre os critérios do FPE,
porém, mostra a dificuldade em se encontrar um cálculo que atenda a todos os
Estados. O voto da relatora do caso, ministra Cármen Lúcia, diz que os a
divisão estabelecida pela lei complementar 62, de 1989, foi julgada
inconstitucional em 2010, porque não mantinha o equilíbrio socioeconômico entre
os Estados.
Na decisão, ficou estabelecido que os
critérios seriam aplicados até 2012 e que, nesse prazo, uma lei com novos
critérios deveria ser aprovada. A Lei Complementar 143/2013 buscou atender essa
determinação. No entanto, foi questionada junto ao Supremo pelo governo de
Alagoas, pois estabelecia um período de transição muito longo para as novas
regras
Passaram-se dez anos até que o caso fosse
decidido pelo Judiciário. No entendimento da relatora, a transição longa faria
com que os critérios invalidados pelo STF continuassem a ser aplicados para
grande parte dos recursos do FPE.
A discussão sobre o FPE e os fundos da
reforma tributária ocorre num momento em que as transferências da União para os
Estados estão em alta. O Valor trouxe
esta semana cálculos de Bráulio Borges segundo os quais houve avanço de quase
70% nas transferências da União aos entes subnacionais no período de 2017 até
setembro de 2024.
Estão nesse cálculo, além do FPE e do Fundo
de Participação dos Municípios (FPM), transferências como o Fundeb, a lei
Kandir e as emendas Pix.
Além disso, em janeiro, o governo sancionou
um novo programa de renegociação de dívidas estaduais cujo impacto foi estimado
em até R$ 105,9 bilhões até 2029.
O problema, avaliou Marcos Mendes, é que
esses recursos estão sendo gastos em despesas como salários, difíceis de cortar
num cenário com menos receitas. Na sua visão, os Estados estão caminhando para
uma crise fiscal como a vista no final dos anos 1990.
Há muitas transformações por vir nas finanças dos Estados. Seria uma boa oportunidade para abandonar velhas práticas e evitar um novo buraco nas contas do setor público.
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