quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Dólar ainda mais forte? – Zeina Latif

O Globo

O cenário internacional, que muito preocupa, inclusive o Banco Central, talvez não seja tão ruim quanto se teme

É comum entre analistas a visão de que o dólar tende a se valorizar globalmente com a política econômica isolacionista de Donald Trump. A menor oferta de mão de obra, por conta da deportação em massa de imigrantes ilegais, e as tarifas sobre os importados produziriam uma inflação mais alta, ainda que temporariamente.

Para contê-la, o Fed manteria os juros em patamares elevados. O resultado seria o fortalecimento do dólar, por conta do diferencial de juros a favor da atração de capitais para os EUA.

Essa equação, porém, é bem mais complexa.

Para começar, não há uma relação mecânica entre essas variáveis. A literatura econômica mostra que o diferencial de juros entre os países está longe de explicar satisfatoriamente o comportamento das moedas — ainda que em alguns momentos seu efeito prevaleça, como no choque de juros de Paul Volcker, ex-presidente do Fed, no início dos anos 1980, quando a chamada Fed fund rate atingiu 20% a.a.

Um segundo comentário é que os mercados são movidos por expectativas, já tendo antecipado, em alguma medida, a alta do dólar com Trump. A moeda vinha se valorizando antes de sua vitória e ganhou fôlego em seguida. Nos últimos dias, porém, nota-se uma correção de possível exagero, diante de sinais de algum pragmatismo dos EUA.

Ainda no campo das expectativas, é possível que os players de mercado passem a desconfiar dos ganhos econômicos que as medidas de Trump prometem, influenciando no comportamento do dólar adiante.

Afinal, é sabido que o protecionismo cobra seu preço no crescimento de longo prazo, ao prejudicar a eficiência produtiva e encarecer a produção. Mas mesmo eventuais ganhos de curto e médio prazos são incertos.

Se as medidas forem vistas como transitórias, associadas ao atual governo, de 4 anos apenas, não produzirão grandes mudanças na estrutura produtiva interna — para que fazer grande investimento para a substituição dos produtos importados se as proteções poderão ter vida curta?

Assim, o resultado seria a busca de novos parceiros comerciais, menos eficientes, e preços domésticos mais elevados.

Mais um fator a ser considerado é a importância da economia chinesa no comércio mundial e, assim, na dinâmica das moedas. Quando o comércio mundial vai bem, o dólar se enfraquece, pois a economia norte-americana, com menor peso do setor externo, é menos beneficiada. Foi o que ocorreu após a entrada da China na OMC, em dezembro de 2001.

Desde 2011, porém, nota-se uma tendência geral de valorização do dólar, em um contexto de desaceleração da China e do comércio mundial.

Em outras palavras, o dólar forte depende do vigor da economia norte-americana, mas em relação ao resto do mundo, e não em termos absolutos. Vale lembrar que na pandemia a moeda norte-americana sofreu bastante (não no Brasil) com os equívocos de Trump e o vigor da economia chinesa.

Isso dito, o fortalecimento adicional do dólar dependerá também da continuidade do quadro de desaceleração da China, o que não está suficientemente claro, tendo em vista os instrumentos para estimular a economia.

É verdade que a China foi prejudicada pela guerra comercial com os EUA. Mas conseguiu mitigar parte dos danos, por meio de diversificação comercial e investimentos em tecnologia. Suas exportações voltaram a ganhar força em 2024, com aumento de cerca de 11% no volume exportado em 2024 ante estabilidade no resto do mundo.

Uma última ponderação é que o dólar real efetivo (a cotação média ponderada do dólar contra uma ampla cesta de moedas, descontada a diferença de inflação dos países) está nas máximas históricas, segundo cálculos do Fed. O valor em dezembro de 2024 compara-se ao pico de setembro de 1985, na esteira do aperto monetário de Volcker e suas repercussões no mundo.

Enfim, tem muita água para passar embaixo dessa ponte. Seria precipitado declarar como dada a alta adicional do dólar com Trump.

Um quadro mais ameno do que o esperado para o dólar e os juros nos EUA será um alento para o Brasil.

Em tempo, vale acrescentar que o país está relativamente menos vulnerável à política de Trump, sendo um parceiro comercial pouco relevante e cuja pauta de exportação não ameaça a produção dos EUA.

O cenário internacional, que muito preocupa, inclusive o Banco Central, talvez não seja tão ruim quanto se teme.


Nenhum comentário: