domingo, 9 de fevereiro de 2025

Pondo os números da comida na mesa - Míriam Leitão

O Globo

Alguns preços continuarão pressionados, mas a inflação de alimentos deste ano será mais baixa do que no ano passado

No preço dos alimentos, o pior passou. Quem diz é o economista José Roberto Mendonça de Barros. Isso não significa vida fácil. Alguns preços continuarão pressionados, mas a inflação de alimentos deste ano será mais baixa do que no ano passado. A supersafra de soja deve derrubar deve derrubar as cotações internacionais, reduzir o preços da ração, que, por sua vez, diminui o custo de aves e suínos. Carne bovina continua no ciclo altista do boi. O café continuará amargo.

O custo do alimento é o mais sensível, bate no orçamento familiar, aumenta o mau humor da população com os governos, mas as intervenções estatais no passado deram muito errado. Há medidas que o governo pode tomar, mas é bem menos óbvio do que parece aos políticos. O assunto virou parte da guerra dos bonés, mas, nesse ponto, a oposição não tem razão alguma: os preços de alimentos explodiram no governo Bolsonaro. Quando a demagogia entra no assunto, o melhor remédio é olhar os números.

José Roberto Mendonça de Barros diz o seguinte sobre o que deve acontecer este ano:

— A minha percepção é que o pior ficou para trás. Estamos entrando numa safra que será boa e o preço de vários produtos tende a cair. Com isso, o índice médio de inflação agrícola será menor. A inflação no domicílio deste ano deve ficar em torno de 6% a 6,5%. Tudo depende muito do que vai acontecer com a taxa de câmbio.

Há um grupo de produtos que não vai cair porque tem escassez global, como o café.

— A quebra de safra do Vietnã foi grande, então a demanda pelo café robusta conilon do Espírito Santo está muito forte e extravasou para o resto. O Brasil exportou bastante, 50,4 milhões de sacas, mas não tem café no mundo. A safra que será colhida está projetada em torno de 50 milhões de sacas, mas não é uma ‘safrona’ para derrubar os valores praticados. O segundo problema é a laranja: as plantações foram atingidas pelos furacões que devastaram a Flórida.

Tem ainda o problema do “ciclo do boi”, que continua presente. Depois da grande venda de bois em 2023, que derrubou os preços, veio a outra parte do ciclo, a renovação do rebanho. Por isso, a carne bovina não tem expectativa de queda, apesar da redução do custo da ração que afeta outras carnes.

— As notícias recentes são de que a produção de soja, apesar de alguma quebra no Mato Grosso do Sul, no Paraná e no Rio Grande do Sul, será excepcional no Centro-Oeste e alguns falam em 170 milhões de toneladas. Isso é grande. Aí derruba mesmo os preços internacionais. Provavelmente, acontecerá o mesmo com o milho. A safra de grãos será boa e dá para dizer que os preços terão um alívio. A ração fica mais barata e há uma redução dos preços dos suínos, frango, ovos e mesmo na carne vermelha. Isso será de grande ajuda. O leite vai depender. Se chover bem, o preço ao produtor fica bom e a produção aumenta. Há produtos que caíram bastante: cebola caiu 35%, tomate, 25%, batata, 12%, cenoura, 18%.

No ano passado, os preços de alimentos subiram muito, depois da deflação em 2023. Laranja teve alta de 48%, carnes 20%, café, 40%. Tudo isso e o câmbio subindo no fim do ano puxaram para cima o IPCA.

No IGP-DI de janeiro, houve mudança forte em alimentos processados no índice de preços ao produtor. Saiu de uma alta de 1,61% para uma queda de 0,64%. Óleo de soja, açúcar e carnes mudaram o sinal. O economista André Braz acha que é preciso esperar um pouco para ver a tendência, mas neste momento há alguns preços com possibilidade de redução.

Os preços de alimentos obedecem a um sem-número de variáveis, mas ter uma política econômica previsível ajuda. Uma crise internacional pode atingir a cesta de consumos. E foi isso que aconteceu na pandemia. Mas não foi a única razão. A condução da crise sanitária pelo governo —errática, conflituosa e sem estratégia — piorou tudo.

Pelos dados do Banco Central, de 2020 a 2022, o grupo de alimentação no domicílio acumulou alta de preços duas vezes superior ao IPCA. Ficou em 44,8%. Sendo que cereais e leguminosas subiram 50%, tubérculos e legumes, 115%, frutas, 60% e carnes, 30%.

Mas o fato é: os preços de alimentos subiram muito no governo Bolsonaro e o boné com a inscrição “comida barata novamente” aposta que o consumidor não tenha memória do que ocorreu em sua própria mesa. Por outro lado, o governo atual tem que ter uma estratégia de agir apenas onde possa ajudar, sem querer repetir o que, no passado, deu muito errado.

 

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