Enfraquecer Lei da Ficha Limpa é ofensa ao eleitor
O Globo
Projeto oportunista que quer reduzir prazo de
inelegibilidade representa retrocesso institucional
É um acinte o Projeto de Lei Complementar
(PLP) que propõe mudar a Lei da Ficha Limpa, para reduzir de oito anos a apenas
dois o prazo de inelegibilidade de políticos condenados em segunda instância. A
proposta do deputado federal Bibo Nunes (PL-RS) está na Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aguardando parecer do relator, deputado
Filipe Barros (PL-PR). Nunes alega que o prazo de oito anos é “absurdo”. Ora,
absurdo é abrir as portas do Executivo e do Legislativo a criminosos
condenados.
Apesar de pernicioso para a sociedade e para a democracia, o projeto tem ganhado fôlego. Já soma mais de 70 assinaturas, reunindo deputados da oposição bolsonarista e da base governista. Nos últimos dias, foi endossado pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). “Oito anos representam quatro eleições no modelo democrático que temos, e quatro eleições são basicamente uma eternidade”, disse Motta. Trata-se de uma declaração sem sentido. O Brasil tem pautas muito mais relevantes e urgentes.
Independentemente das justificativas
estapafúrdias, o que se quer é sabotar a vontade do eleitor. A Lei da Ficha
Limpa surgiu de uma auspiciosa iniciativa popular, num momento em que o país se
debatia contra a corrupção. Mais de 1,6 milhão de assinaturas a respaldaram. É,
portanto, conquista inabalável da sociedade para trazer mais qualidade e
seriedade à representação política. Uma década e meia depois, não há dúvida de
que deu certo, preservando a lisura das eleições e fechando as portas a
candidatos que, em vez de currículos, ostentam folhas corridas.
O objetivo indisfarçável do PLP é favorecer o
ex-presidente Jair
Bolsonaro, inelegível até 2030 por decisão do Tribunal Superior Eleitoral.
Em 2023, ele foi condenado por abuso de poder político e uso indevido dos meios
de comunicação, em razão da reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada em
que atacou as urnas eletrônicas e do uso eleitoral das comemorações do 7 de
Setembro. Sinal de que Bolsonaro espera reverter a condenação é não ter, até
agora, apoiado outro candidato para as eleições de 2026. Ele também é alvo de
outras acusações — entre elas, tentativa de golpe de Estado —, que poderão
resultar em novas condenações.
A atual proposta não é a primeira investida
contra a Lei da Ficha Limpa. No ano passado, a Câmara aprovou projeto da
deputada Dani Cunha (União-RJ) com objetivos parecidos — um deles, beneficiar o
próprio pai, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha. O projeto, que tramita no
Senado, mantém os oito anos de inelegibilidade, mas o prazo passaria a ser
contado da data da condenação, não mais do fim do cumprimento da pena. Na
prática, abrevia a punição, favorecendo criminosos.
Projetos oportunistas para tornar inócua a
Lei da Ficha Limpa representam enorme retrocesso institucional. Num país onde a
corrupção é endêmica, e onde infelizmente o desmonte da Operação Lava-Jato pelo
Supremo Tribunal Federal tornou mais fácil a vida dos corruptos, ela é ainda
uma das poucas barreiras de contenção. Torna-se ainda mais necessária num
momento em que o crime organizado se infiltra perigosamente na vida pública. Em
vez de colocarem suas digitais em propostas que beneficiam criminosos e atentam
contra a idoneidade das eleições, parlamentares que prezam suas biografias
precisam impedir que tais aberrações prosperem. Do contrário, os eleitores e a
História não os perdoarão.
Agrotóxicos são necessários, mas seu uso
depende de embasamento técnico
O Globo
Com nova legislação sancionada por Lula,
aprovação de novos defensivos agrícolas cresceu 19% no ano passado
Ambientalistas contestam as regras que
facilitaram a aprovação de novos defensivos agrícolas estipuladas no Projeto de
Lei sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em dezembro de 2023 —
até o apelidaram “PL do Veneno”. Ao reduzir as exigências, a nova legislação
contribuiu para a liberação de novos produtos. No ano passado, foram 663, um
crescimento de 19% ante 2023. De acordo com reportagem do GLOBO, a maior parte
são genéricos, cópias de princípios ativos inéditos e produtos feitos com ingredientes
já testados no mercado. Entre eles, 106 defensivos biológicos, de baixo risco.
Do total liberado, 464 eram para uso direto pelo agricultor e 199 para a
produção de pesticidas.
Vetos impostos por Lula permitem que Anvisa e Ibama,
organismos de vigilância sanitária e de proteção ao meio ambiente,
tenham o mesmo poder de veto na liberação dos produtos que o Ministério da
Agricultura. Mas, segundo o Ibama, falta regulamentação para a plena aplicação
da lei. O Ministério da Agricultura afirma que, além de dar prioridade a
produtos de baixo risco, “parte significativa” das liberações atendeu a
decisões judiciais. A Coordenação-Geral de Agrotóxicos e Afins do ministério
informa que o governo Jair Bolsonaro aprovou 2.182 agrotóxicos, maior
quantidade desde 2003. Mas esses números não eximem o governo de regular o que
for necessário para assegurar o envolvimento das autoridades ambientais e
sanitárias na aprovação.
O uso indiscriminado dos agrotóxicos precisa
ser evitado. É necessário que sejam prestadas, ao produtor e ao consumidor,
informações claras sobre os produtos usados contra as pragas. Mas seria
ilusório acreditar que extensas plantações voltadas para os mercados interno e
externo possam prescindir de defensivos agrícolas. O Brasil não conseguiria se
firmar como um dos maiores exportadores de grãos e carnes do mundo se deixasse
plantações e pastos desprotegidos.
Como para qualquer agente químico, devem ser
preocupação básica a prescrição de dosagem e periodicidade no uso. Também devem
ser levados em conta agentes naturais que atuam contra pragas. Na polarização
entre produtores rurais e ambientalistas, sai prejudicado o consumidor, que
precisa de informações seguras e confiáveis sobre o que compra. Cabe ao governo
alertar a população sobre os riscos, buscando o equilíbrio. O Brasil enfrenta
concorrência acirrada no mercado externo. Portanto é necessário ser cada vez
mais produtivo no campo. Isso requer fertilizantes, agentes químicos e
tecnologia. Mas é preciso usá-los com responsabilidade e embasamento técnico,
para garantir o abastecimento de produtos alimentícios básicos ao país,
ajudando a manter a inflação sob controle, e exportar o excedente, sem
descuidar da saúde da população.
Reforma política deveria evitar mudanças
radicais
Folha de S. Paulo
Rediscutir normas eleitorais cria risco de
retrocesso; caminho seguro é o de melhoria incremental, como voto facultativo
Ano ímpar, no calendário político, é período
de tratar das regras das eleições subsequentes.
Isso porque a Constituição impõe, nesse tema, o mínimo de 365 dias de carência
desde a promulgação para que uma nova lei seja aplicada.
O recém-empossado presidente da Câmara
dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB),
não perdeu tempo e já anunciou a criação de uma comissão
especial para analisar projetos de reforma dos regimentos eleitorais.
A portentosa imaginação dos parlamentares é o
limite quando se abre o certame bianual de debates sobre modificações nas
regras de acesso ao poder político.
Do ponto de vista do interesse público, há
três categorias de intervenção que deveriam ser monitoradas, principalmente
para não piorar o que já não é bom e impedir retrocessos em pontos em que houve
progressos.
O primeiro risco a evitar é o das reformas
radicais, que se propõem a derrubar de chofre pilares do sistema que opera mais
ou menos da mesma forma há 40 anos para substituí-los por instituições
novíssimas. Representam promessas de maravilhas futuras que, de mais certo
mesmo, produzem instabilidade e incertezas.
Nesse gênero de projetos, fala-se novamente
em implantar o sistema de eleição distrital misto para vereadores e deputados.
Em vez do regime proporcional vigente, em que os partidos têm tantos
representantes quanto a sua votação, o distrital misto reserva tipicamente
metade das vagas para ser decidida por embates majoritários em circunscrições
territoriais. Nesse ponto, de desenhar os distritos, reside um de vários
problemas do modelo.
Já o
chamado semipresidencialismo, tese que também começa a ser requentada,
significaria mudança ainda mais profunda, afetando a divisão dos Poderes. Nada
permite cogitar que o eleitorado brasileiro, que rejeitou explicitamente o
parlamentarismo em 1993, esteja de acordo com a implantação de uma versão
atenuada desse sistema de governo.
O segundo conjunto de intenções a rechaçar
são aquelas que fortaleceriam as oligarquias partidárias, já deveras
privilegiadas por regras e verbas, dificultando assim a competição eleitoral e
a renovação dos representantes.
Cogita-se restabelecer as doações
empresariais para campanhas, o que pode ser positivo se limitado a um valor
nominal. Não há, porém, a necessária contrapartida de reduzir o nababesco
financiamento público.
Já um terceiro caminho de projetos, os que
implicam melhorias pontuais e incrementais no sistema, deveria ser incentivado.
Por essa via paulatina o Brasil logrou
combater a proliferação de legendas nos últimos anos, processo que não
deveria ser ameaçado na atual rodada de reformas.
Adotar o voto facultativo, como o fazem as
democracias maduras, e limitar a reeleição no Executivo a duas passagens, sejam
elas alternadas ou consecutivas, seriam exemplos de mexidas de sentido focal,
evolutivo e seguro.
No Brasil, prende-se muito e mal
Folha de S. Paulo
Déficit de vagas no sistema penitenciário
subiu 113,5%; é preciso limitar prisão provisória e rever a lei sobre drogas
Segundo dados do Ministério dos Direitos
Humanos divulgados na quinta (6), o número de vagas nas prisões
cresceu cinco vezes de 2000 a 2023, chegando a 643.173. Mas, como a população
carcerária era de 850.377 pessoas há dois anos, a maior da série histórica, o
déficit chegou a 207.204 —alta de 113,5% no período.
A tendência revela que o debate não pode se
centrar na expansão da capacidade do sistema. O país ocupa o terceiro lugar no
ranking mundial de população carcerária, atrás de EUA e China. A questão
não é que no Brasil deve-se prender mais, e sim que prende-se muito e mal, como
indica a taxa de prisões provisórias.
De acordo com o Ministério
da Justiça, 27,7%
dos detentos aguardavam julgamento no primeiro semestre de 2024. Pela
lei, o encarceramento antes de condenação é recurso que deve ser usado com
parcimônia, a partir de critérios específicos. Na prática, porém, a exceção
tornou-se comum.
Urge, portanto, reduzir as prisões por crimes
não violentos e sem decisão judicial definitiva.
Ademais, a falha legislação sobre crimes relacionados a drogas incha as penitenciárias. Nos primeiros seis meses de 2024, 24% dos detentos estavam atrás das grades por tráfico.
Como a lei de 2006 não estipula a diferença
entre quem apenas consume e quem vende, negros e pobres sem ligação com facções
criminosas tendem a ser enquadrados como traficantes, mesmo se forem só
usuários.
Em junho de 2024, o Supremo Tribunal Federal
(STF) decidiu
pelo limite
de porte de 40g de maconha para fazer a distinção. Entretanto há outras
drogas, e a revisão das penas será gradual, a partir de pedidos dos condenados.
Medidas populistas que visam aumentar ainda
mais o encarceramento são, além de ineficazes e desumanas, dispendiosas. O
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estimou o
custo anual da lei que impede a chamada "saidinha" de presos,
aprovada no ano passado, em cerca de R$ 6 bilhões.
O plano Pena Justa, coordenado pelo CNJ e
pelo Ministério da Justiça e apresentado em meados de 2024, é uma iniciativa
promissora que busca identificar, a partir de indicadores
como personalidade, riscos e necessidades, possibilidades de trabalho e
estudo para os detentos e propiciar melhor individualização da pena.
Mas, se o Congresso Nacional não rever sua
postura punitivista penal, e se o Judiciário, de forma geral, continuar a
encarcerar quando tal medida não for imprescindível, as prisões continuarão
abarrotadas de pessoas que nem sequer deveriam estar nelas.
Recados da desarmonia entre os Poderes
O Estado de S. Paulo
Novos presidentes da Câmara e do Senado
deixaram claro o desequilíbrio guiado por um Congresso que não admite perder o
poder que conquistou no manejo do Orçamento da União
Apesar da propalada harmonia entre os
Poderes, consagrada na Constituição e reafirmada nos recentes discursos dos
chefes do Legislativo e do Judiciário, os recados mútuos enviados nos últimos
dias demonstram que não haverá vida fácil neste ano – muito menos relação
harmônica e funcional entre o Congresso, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o
governo do presidente Lula da Silva.
Tanto em seus discursos de posse quanto nas
falas de abertura dos trabalhos legislativos, os novos presidentes da Câmara,
Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP),
não só deixaram claro que o corporativismo regerá seus mandatos, como não
hesitaram em descrever o desconforto deles e de seus liderados diante do risco
de perderem a liberdade adquirida no manejo do Orçamento. Pelo que foi dito,
não há perspectiva, no horizonte próximo, de o País ver reduzido o confronto aberto
entre o STF e o Congresso, com participação direta de um Executivo
enfraquecido, na contenção da farra das emendas parlamentares sem controle.
Como se sabe, o pagamento das emendas foi
represado por ordem do ministro Flávio Dino, do STF, até que o Congresso cumpra
regras de transparência e garanta mecanismos que permitam o seu rastreio e
fiscalização. Mas, conforme os primeiros sinais que emitiram, Motta e
Alcolumbre foram eleitos pelos seus pares com a missão de assegurar a liberação
do pagamento represado e a própria manutenção do esquema, ainda que em outro
formato. Não por outra razão, ao lado do presidente do STF, Luís Roberto
Barroso, Alcolumbre não deixou dúvidas: “As decisões do STF devem ser
respeitadas, mas é indispensável garantir que este Parlamento não seja cerceado
em sua função primordial de legislar e representar os interesses do povo,
inclusive levando recursos à sua região”. O “inclusive” é o ponto essencial do
recado do novo presidente do Senado para defender, sem meias palavras, o
privilégio adquirido pelos congressistas nos últimos anos: definir, direcionar
e alterar, individualmente ou em bancadas, bilionários recursos do Orçamento.
Em seus discursos de celebração da vitória e
de posse, Motta falou em “respeito às competências” dos Poderes e defendeu as
emendas impositivas – instrumento que, segundo ele, significou “o fim das
relações incestuosas entre Executivo e Legislativo”. Se, de fato, as emendas
tornaram deputados e senadores menos sujeitos às ordens do governo, por outro
lado asseguraram um excesso de poder ao Legislativo, adornado pela baixíssima
transparência no uso dos recursos orçamentários. Esse feito se deu ao longo de
dez anos, a partir do momento em que o Congresso inseriu na Constituição a
obrigatoriedade de execução das emendas – um expediente a que todo parlamentar
tinha direito, mas com liberação, até então, incerta e dependente de uma
decisão do Executivo. Em 2019, também se tornaram impositivas as emendas de
bancada, indicadas, distribuídas e executadas de forma opaca, com base em
critérios imprecisos, para dizer o mínimo.
Hoje cerca de 23% de todo o gasto
discricionário – aquele que não é despesa obrigatória, como aposentadorias e
salários – está nas mãos de deputados e senadores. Eram 2% dez anos atrás. Como
recentemente mostrou o professor Marcos Mendes, do Insper, em mais da metade
dos países da OCDE os Parlamentos não podem emendar o Orçamento. Há países em
que o porcentual não chega a 1% das despesas discricionárias, o que torna o
Congresso brasileiro único no mundo em poder e recursos. Mas, abrindo os
trabalhos do STF, o ministro Luís Roberto Barroso disse que não há necessidade
de recados entre ele e representantes dos demais Poderes porque há “conversa
direta, aberta e franca de pessoas que se querem bem, que se ajudam”. Enquanto
o ministro comemorou o que chamou de “normalidade plena” e harmonia entre os
Poderes, o distinto público fingiu que acreditou – não só pelos recados de
Motta e Alcolumbre quanto pelo desequilíbrio e desarmonia guiados por um
Congresso que não vai querer perder facilmente o poder que conquistou.
Haja conversa neste ano para resolver tal
impasse.
Justiça disfuncional
O Estado de S. Paulo
O avanço do plenário virtual no STJ limita o
direito de defesa, mas o problema de fundo é a sobrecarga das Cortes
Superiores, fruto de uma legislação processual excessivamente permissiva
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou
uma resolução no dia 22 passado que regulamenta os julgamentos pelo plenário
virtual. Sucintamente, o STJ ampliou o rol de casos que podem ser julgados por
meio eletrônico, estabeleceu mecanismos de transparência para os atos
processuais virtuais e fixou regras para a sustentação oral dos advogados, de
acordo com as mudanças introduzidas pela Emenda Regimental 45/2024. Segundo a
Corte, o objetivo é reduzir a fila de processos, “a exemplo do modelo seguido
pelo Supremo Tribunal Federal (STF)” desde 2007.
De antemão, cabe ressaltar que a questão dos
julgamentos virtuais é de suma importância para o debate público por ter
relação direta com a higidez do Estado de Direito no País. Em que pese a boa
intenção do STJ e do STF de acelerar a prestação jurisdicional, está-se diante
de uma evidente limitação do exercício do direito de defesa, razão pela qual a
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e muitos advogados, individualmente, já
manifestaram sérias preocupações com esse modelo de julgamento. Há ainda uma questão
de fundo, que é a sobrecarga das Cortes Superiores, envolvidas que são em
processos que jamais deveriam chegar até elas fosse a legislação processual
brasileira um tanto menos permissiva.
A bem da Constituição, em particular da
plenitude do direito de defesa, o correto seria o movimento contrário, vale
dizer, o STF retroceder nos julgamentos pelo plenário virtual, e não outras
Cortes ampliarem a adoção do modelo eletrônico. A atuação do Poder Judiciário
deve ser pública (art. 93, IX). Por mais que o STJ e o STF garantam acesso aos
atos processuais online em seus regimentos, à exceção dos casos sob sigilo,
problemas de toda ordem podem comprometer o acompanhamento das sessões que
eventualmente sejam realizadas em tempo real, sendo os de natureza técnica os
mais óbvios. Em uma democracia, a Justiça deve primar pelo excesso de
transparência.
Ademais, em virtude de muitos julgamentos
pelo plenário virtual serem assíncronos, isto é, não ocorrerem em tempo real, a
prática advocatícia fica muito prejudicada, o que afronta um dos mais preciosos
direitos humanos, o direito à plena defesa. Pelas regras do plenário virtual,
os advogados têm de enviar suas sustentações orais por meio eletrônico,
gravadas, apenas torcendo para que seus argumentos sejam ouvidos pelos
julgadores. Um advogado até pode solicitar que determinado processo seja
transferido para o plenário físico, mas a palavra final cabe ao ministro
relator. E não raro esses pedidos têm sido indeferidos, como alertou a OAB.
Questões de ordem ou ponderações pontuais dos advogados no momento em que os
interesses de seus clientes estão sob escrutínio dos magistrados também são
suprimidas.
O julgamento pelo plenário virtual ainda
impede o debate, tanto entre as partes contrárias como entre os próprios
magistrados. Em grande medida, o cerceamento do livre confronto entre teses em
disputa durante um julgamento, em tempo real, enfraquece não apenas a própria
natureza de um tribunal colegiado, como, sobretudo, o amplo contraditório.
O STJ e o STF têm razão quando se dizem
sobrecarregados. Sobre essa anomalia, ambas as Cortes têm pouca ou nenhuma
responsabilidade, haja vista que praticamente todos os processos que chegam a
Brasília encontram amparo na atual legislação processual. Sob qualquer ponto de
vista, não tem o menor cabimento, por exemplo, uma ação penal contra um homem
acusado de furtar dois pares de chinelos em Minas Gerais chegar até o gabinete
do ministro do STF Alexandre de Moraes, como aconteceu há poucos dias. O réu foi
perdoado à luz do princípio da insignificância, mas o fato de tê-lo sido por um
ministro da Corte Suprema revela quão disfuncional é a Justiça brasileira.
Os tribunais superiores pouco têm a fazer
enquanto o Congresso não se debruçar seriamente sobre a revisão de uma
legislação processual extremamente permissiva. Tal como está, o emaranhado
recursal que se presta a assegurar o direito à ampla defesa acaba, na prática,
por cerceá-lo.
TV do PT, dinheiro dos contribuintes
O Estado de S. Paulo
Ao indicar emendas para bancar TV sindical
privada, PT revela sua alma antirrepublicana
O Estadão revelou que a Empresa
Brasileira de Comunicação (EBC) firmou dois convênios com a assim chamada TV do
Trabalhador (TVT), ligada ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e à Central
Única dos Trabalhadores (CUT), para bancar a renovação dos estúdios e dos
equipamentos da emissora, além de financiar a produção de seus “programas
jornalísticos”. As aspas aqui são necessárias, evidentemente, porque o que a
TVT chama de jornalismo é conhecido no mundo real como propaganda. A bem da
verdade, o canal poderia facilmente se chamar “TV do PT” ou “TV CUT” sem perder
a identidade, pois é ao proselitismo político que se presta.
A generosa cortesia com chapéu alheio custará
R$ 2,65 milhões aos contribuintes. A aquisição de novas câmeras e
transmissores, entre outros equipamentos, e a produção dos programas serão
pagas com recursos advindos de emendas ao Orçamento da União indicadas por 12
parlamentares das bancadas do PT na Câmara e no Senado, o que só adiciona
insulto à injúria. Se já é reprovável o financiamento público de uma
organização privada, tão ou mais grave é a violação dos princípios da
moralidade e da racionalidade nos gastos públicos. Se a TVT não tem condições
de financiar suas atividades, este é um problema exclusivo de seus gestores. O
ônus, por óbvio, não tem de recair sobre o erário.
Que fique claro: o PT, o Sindicato dos
Metalúrgicos do ABC e a CUT, como quaisquer entidades privadas, têm assegurado
o direito de ter seu próprio veículo de comunicação. Mas que o exerçam com seus
próprios meios.
Embora faça parte da Rede Nacional de
Comunicação Pública (RNCP), a TVT não é um canal de comunicação que serve ao
conjunto da sociedade brasileira. Dado o traço de audiência, é lícito inferir
que a esmagadora maioria dos cidadãos nem sequer ouviu falar do canal a serviço
do PT e das agremiações sindicais, malgrado se dizer “do trabalhador”. Trata-se
de uma emissora cuja origem e linha editorial são marcadamente associadas ao
sindicalismo e à militância política petista, razão pela qual cabe ao PT, à CUT
e aos sindicatos a esta vinculados custear a sua programação.
Para qualquer cidadão sensato, essa separação
é perfeitamente compreensível. Já para os petistas, é inconcebível distinguir o
interesse público dos interesses do partido ou do governo do presidente Lula da
Silva. Nessa mixórdia, a apropriação da EBC para fins político-partidários é
tratada como a coisa mais natural do mundo.
O Brasil enfrenta desafios fiscais que exigem
responsabilidade e austeridade na aplicação dos recursos públicos. Cada centavo
gasto pelo Estado deve ser justificado por seu retorno social amplo,
beneficiando a coletividade, e não ser direcionado para sustentar veículos de
comunicação de caráter privado, ainda que sob o disfarce de um convênio
institucional.
Os contribuintes não podem ser forçados a
financiar, mesmo indiretamente, a comunicação de um partido político ou outra
entidade privada específica. O erário não pode ser empregado a serviço de
interesses particulares. A ver como reagirão o Ministério Público e o Tribunal
de Contas da União.
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