domingo, 9 de fevereiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Enfraquecer Lei da Ficha Limpa é ofensa ao eleitor

O Globo

Projeto oportunista que quer reduzir prazo de inelegibilidade representa retrocesso institucional

É um acinte o Projeto de Lei Complementar (PLP) que propõe mudar a Lei da Ficha Limpa, para reduzir de oito anos a apenas dois o prazo de inelegibilidade de políticos condenados em segunda instância. A proposta do deputado federal Bibo Nunes (PL-RS) está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aguardando parecer do relator, deputado Filipe Barros (PL-PR). Nunes alega que o prazo de oito anos é “absurdo”. Ora, absurdo é abrir as portas do Executivo e do Legislativo a criminosos condenados.

Apesar de pernicioso para a sociedade e para a democracia, o projeto tem ganhado fôlego. Já soma mais de 70 assinaturas, reunindo deputados da oposição bolsonarista e da base governista. Nos últimos dias, foi endossado pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). “Oito anos representam quatro eleições no modelo democrático que temos, e quatro eleições são basicamente uma eternidade”, disse Motta. Trata-se de uma declaração sem sentido. O Brasil tem pautas muito mais relevantes e urgentes.

Independentemente das justificativas estapafúrdias, o que se quer é sabotar a vontade do eleitor. A Lei da Ficha Limpa surgiu de uma auspiciosa iniciativa popular, num momento em que o país se debatia contra a corrupção. Mais de 1,6 milhão de assinaturas a respaldaram. É, portanto, conquista inabalável da sociedade para trazer mais qualidade e seriedade à representação política. Uma década e meia depois, não há dúvida de que deu certo, preservando a lisura das eleições e fechando as portas a candidatos que, em vez de currículos, ostentam folhas corridas.

O objetivo indisfarçável do PLP é favorecer o ex-presidente Jair Bolsonaro, inelegível até 2030 por decisão do Tribunal Superior Eleitoral. Em 2023, ele foi condenado por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação, em razão da reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada em que atacou as urnas eletrônicas e do uso eleitoral das comemorações do 7 de Setembro. Sinal de que Bolsonaro espera reverter a condenação é não ter, até agora, apoiado outro candidato para as eleições de 2026. Ele também é alvo de outras acusações — entre elas, tentativa de golpe de Estado —, que poderão resultar em novas condenações.

A atual proposta não é a primeira investida contra a Lei da Ficha Limpa. No ano passado, a Câmara aprovou projeto da deputada Dani Cunha (União-RJ) com objetivos parecidos — um deles, beneficiar o próprio pai, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha. O projeto, que tramita no Senado, mantém os oito anos de inelegibilidade, mas o prazo passaria a ser contado da data da condenação, não mais do fim do cumprimento da pena. Na prática, abrevia a punição, favorecendo criminosos.

Projetos oportunistas para tornar inócua a Lei da Ficha Limpa representam enorme retrocesso institucional. Num país onde a corrupção é endêmica, e onde infelizmente o desmonte da Operação Lava-Jato pelo Supremo Tribunal Federal tornou mais fácil a vida dos corruptos, ela é ainda uma das poucas barreiras de contenção. Torna-se ainda mais necessária num momento em que o crime organizado se infiltra perigosamente na vida pública. Em vez de colocarem suas digitais em propostas que beneficiam criminosos e atentam contra a idoneidade das eleições, parlamentares que prezam suas biografias precisam impedir que tais aberrações prosperem. Do contrário, os eleitores e a História não os perdoarão.

Agrotóxicos são necessários, mas seu uso depende de embasamento técnico

O Globo

Com nova legislação sancionada por Lula, aprovação de novos defensivos agrícolas cresceu 19% no ano passado

Ambientalistas contestam as regras que facilitaram a aprovação de novos defensivos agrícolas estipuladas no Projeto de Lei sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em dezembro de 2023 — até o apelidaram “PL do Veneno”. Ao reduzir as exigências, a nova legislação contribuiu para a liberação de novos produtos. No ano passado, foram 663, um crescimento de 19% ante 2023. De acordo com reportagem do GLOBO, a maior parte são genéricos, cópias de princípios ativos inéditos e produtos feitos com ingredientes já testados no mercado. Entre eles, 106 defensivos biológicos, de baixo risco. Do total liberado, 464 eram para uso direto pelo agricultor e 199 para a produção de pesticidas.

Vetos impostos por Lula permitem que Anvisa e Ibama, organismos de vigilância sanitária e de proteção ao meio ambiente, tenham o mesmo poder de veto na liberação dos produtos que o Ministério da Agricultura. Mas, segundo o Ibama, falta regulamentação para a plena aplicação da lei. O Ministério da Agricultura afirma que, além de dar prioridade a produtos de baixo risco, “parte significativa” das liberações atendeu a decisões judiciais. A Coordenação-Geral de Agrotóxicos e Afins do ministério informa que o governo Jair Bolsonaro aprovou 2.182 agrotóxicos, maior quantidade desde 2003. Mas esses números não eximem o governo de regular o que for necessário para assegurar o envolvimento das autoridades ambientais e sanitárias na aprovação.

O uso indiscriminado dos agrotóxicos precisa ser evitado. É necessário que sejam prestadas, ao produtor e ao consumidor, informações claras sobre os produtos usados contra as pragas. Mas seria ilusório acreditar que extensas plantações voltadas para os mercados interno e externo possam prescindir de defensivos agrícolas. O Brasil não conseguiria se firmar como um dos maiores exportadores de grãos e carnes do mundo se deixasse plantações e pastos desprotegidos.

Como para qualquer agente químico, devem ser preocupação básica a prescrição de dosagem e periodicidade no uso. Também devem ser levados em conta agentes naturais que atuam contra pragas. Na polarização entre produtores rurais e ambientalistas, sai prejudicado o consumidor, que precisa de informações seguras e confiáveis sobre o que compra. Cabe ao governo alertar a população sobre os riscos, buscando o equilíbrio. O Brasil enfrenta concorrência acirrada no mercado externo. Portanto é necessário ser cada vez mais produtivo no campo. Isso requer fertilizantes, agentes químicos e tecnologia. Mas é preciso usá-los com responsabilidade e embasamento técnico, para garantir o abastecimento de produtos alimentícios básicos ao país, ajudando a manter a inflação sob controle, e exportar o excedente, sem descuidar da saúde da população.

Reforma política deveria evitar mudanças radicais

Folha de S. Paulo

Rediscutir normas eleitorais cria risco de retrocesso; caminho seguro é o de melhoria incremental, como voto facultativo

Ano ímpar, no calendário político, é período de tratar das regras das eleições subsequentes. Isso porque a Constituição impõe, nesse tema, o mínimo de 365 dias de carência desde a promulgação para que uma nova lei seja aplicada.

O recém-empossado presidente da Câmara dos DeputadosHugo Motta (Republicanos-PB), não perdeu tempo e já anunciou a criação de uma comissão especial para analisar projetos de reforma dos regimentos eleitorais.

A portentosa imaginação dos parlamentares é o limite quando se abre o certame bianual de debates sobre modificações nas regras de acesso ao poder político.

Do ponto de vista do interesse público, há três categorias de intervenção que deveriam ser monitoradas, principalmente para não piorar o que já não é bom e impedir retrocessos em pontos em que houve progressos.

O primeiro risco a evitar é o das reformas radicais, que se propõem a derrubar de chofre pilares do sistema que opera mais ou menos da mesma forma há 40 anos para substituí-los por instituições novíssimas. Representam promessas de maravilhas futuras que, de mais certo mesmo, produzem instabilidade e incertezas.

Nesse gênero de projetos, fala-se novamente em implantar o sistema de eleição distrital misto para vereadores e deputados. Em vez do regime proporcional vigente, em que os partidos têm tantos representantes quanto a sua votação, o distrital misto reserva tipicamente metade das vagas para ser decidida por embates majoritários em circunscrições territoriais. Nesse ponto, de desenhar os distritos, reside um de vários problemas do modelo.

 o chamado semipresidencialismo, tese que também começa a ser requentada, significaria mudança ainda mais profunda, afetando a divisão dos Poderes. Nada permite cogitar que o eleitorado brasileiro, que rejeitou explicitamente o parlamentarismo em 1993, esteja de acordo com a implantação de uma versão atenuada desse sistema de governo.

O segundo conjunto de intenções a rechaçar são aquelas que fortaleceriam as oligarquias partidárias, já deveras privilegiadas por regras e verbas, dificultando assim a competição eleitoral e a renovação dos representantes.

Cogita-se restabelecer as doações empresariais para campanhas, o que pode ser positivo se limitado a um valor nominal. Não há, porém, a necessária contrapartida de reduzir o nababesco financiamento público.

Já um terceiro caminho de projetos, os que implicam melhorias pontuais e incrementais no sistema, deveria ser incentivado. Por essa via paulatina o Brasil logrou combater a proliferação de legendas nos últimos anos, processo que não deveria ser ameaçado na atual rodada de reformas.

Adotar o voto facultativo, como o fazem as democracias maduras, e limitar a reeleição no Executivo a duas passagens, sejam elas alternadas ou consecutivas, seriam exemplos de mexidas de sentido focal, evolutivo e seguro.

No Brasil, prende-se muito e mal

Folha de S. Paulo

Déficit de vagas no sistema penitenciário subiu 113,5%; é preciso limitar prisão provisória e rever a lei sobre drogas

Segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos divulgados na quinta (6), o número de vagas nas prisões cresceu cinco vezes de 2000 a 2023, chegando a 643.173. Mas, como a população carcerária era de 850.377 pessoas há dois anos, a maior da série histórica, o déficit chegou a 207.204 —alta de 113,5% no período.

A tendência revela que o debate não pode se centrar na expansão da capacidade do sistema. O país ocupa o terceiro lugar no ranking mundial de população carcerária, atrás de EUA e China. A questão não é que no Brasil deve-se prender mais, e sim que prende-se muito e mal, como indica a taxa de prisões provisórias.

De acordo com o Ministério da Justiça27,7% dos detentos aguardavam julgamento no primeiro semestre de 2024. Pela lei, o encarceramento antes de condenação é recurso que deve ser usado com parcimônia, a partir de critérios específicos. Na prática, porém, a exceção tornou-se comum.

Urge, portanto, reduzir as prisões por crimes não violentos e sem decisão judicial definitiva.

Ademais, a falha legislação sobre crimes relacionados a drogas incha as penitenciárias. Nos primeiros seis meses de 2024, 24% dos detentos estavam atrás das grades por tráfico.

Como a lei de 2006 não estipula a diferença entre quem apenas consume e quem vende, negros e pobres sem ligação com facções criminosas tendem a ser enquadrados como traficantes, mesmo se forem só usuários.

Em junho de 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pelo limite de porte de 40g de maconha para fazer a distinção. Entretanto há outras drogas, e a revisão das penas será gradual, a partir de pedidos dos condenados.

Medidas populistas que visam aumentar ainda mais o encarceramento são, além de ineficazes e desumanas, dispendiosas. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estimou o custo anual da lei que impede a chamada "saidinha" de presos, aprovada no ano passado, em cerca de R$ 6 bilhões.

O plano Pena Justa, coordenado pelo CNJ e pelo Ministério da Justiça e apresentado em meados de 2024, é uma iniciativa promissora que busca identificar, a partir de indicadores como personalidade, riscos e necessidades, possibilidades de trabalho e estudo para os detentos e propiciar melhor individualização da pena.

Mas, se o Congresso Nacional não rever sua postura punitivista penal, e se o Judiciário, de forma geral, continuar a encarcerar quando tal medida não for imprescindível, as prisões continuarão abarrotadas de pessoas que nem sequer deveriam estar nelas.

Recados da desarmonia entre os Poderes

O Estado de S. Paulo

Novos presidentes da Câmara e do Senado deixaram claro o desequilíbrio guiado por um Congresso que não admite perder o poder que conquistou no manejo do Orçamento da União

Apesar da propalada harmonia entre os Poderes, consagrada na Constituição e reafirmada nos recentes discursos dos chefes do Legislativo e do Judiciário, os recados mútuos enviados nos últimos dias demonstram que não haverá vida fácil neste ano – muito menos relação harmônica e funcional entre o Congresso, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o governo do presidente Lula da Silva.

Tanto em seus discursos de posse quanto nas falas de abertura dos trabalhos legislativos, os novos presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), não só deixaram claro que o corporativismo regerá seus mandatos, como não hesitaram em descrever o desconforto deles e de seus liderados diante do risco de perderem a liberdade adquirida no manejo do Orçamento. Pelo que foi dito, não há perspectiva, no horizonte próximo, de o País ver reduzido o confronto aberto entre o STF e o Congresso, com participação direta de um Executivo enfraquecido, na contenção da farra das emendas parlamentares sem controle.

Como se sabe, o pagamento das emendas foi represado por ordem do ministro Flávio Dino, do STF, até que o Congresso cumpra regras de transparência e garanta mecanismos que permitam o seu rastreio e fiscalização. Mas, conforme os primeiros sinais que emitiram, Motta e Alcolumbre foram eleitos pelos seus pares com a missão de assegurar a liberação do pagamento represado e a própria manutenção do esquema, ainda que em outro formato. Não por outra razão, ao lado do presidente do STF, Luís Roberto Barroso, Alcolumbre não deixou dúvidas: “As decisões do STF devem ser respeitadas, mas é indispensável garantir que este Parlamento não seja cerceado em sua função primordial de legislar e representar os interesses do povo, inclusive levando recursos à sua região”. O “inclusive” é o ponto essencial do recado do novo presidente do Senado para defender, sem meias palavras, o privilégio adquirido pelos congressistas nos últimos anos: definir, direcionar e alterar, individualmente ou em bancadas, bilionários recursos do Orçamento.

Em seus discursos de celebração da vitória e de posse, Motta falou em “respeito às competências” dos Poderes e defendeu as emendas impositivas – instrumento que, segundo ele, significou “o fim das relações incestuosas entre Executivo e Legislativo”. Se, de fato, as emendas tornaram deputados e senadores menos sujeitos às ordens do governo, por outro lado asseguraram um excesso de poder ao Legislativo, adornado pela baixíssima transparência no uso dos recursos orçamentários. Esse feito se deu ao longo de dez anos, a partir do momento em que o Congresso inseriu na Constituição a obrigatoriedade de execução das emendas – um expediente a que todo parlamentar tinha direito, mas com liberação, até então, incerta e dependente de uma decisão do Executivo. Em 2019, também se tornaram impositivas as emendas de bancada, indicadas, distribuídas e executadas de forma opaca, com base em critérios imprecisos, para dizer o mínimo.

Hoje cerca de 23% de todo o gasto discricionário – aquele que não é despesa obrigatória, como aposentadorias e salários – está nas mãos de deputados e senadores. Eram 2% dez anos atrás. Como recentemente mostrou o professor Marcos Mendes, do Insper, em mais da metade dos países da OCDE os Parlamentos não podem emendar o Orçamento. Há países em que o porcentual não chega a 1% das despesas discricionárias, o que torna o Congresso brasileiro único no mundo em poder e recursos. Mas, abrindo os trabalhos do STF, o ministro Luís Roberto Barroso disse que não há necessidade de recados entre ele e representantes dos demais Poderes porque há “conversa direta, aberta e franca de pessoas que se querem bem, que se ajudam”. Enquanto o ministro comemorou o que chamou de “normalidade plena” e harmonia entre os Poderes, o distinto público fingiu que acreditou – não só pelos recados de Motta e Alcolumbre quanto pelo desequilíbrio e desarmonia guiados por um Congresso que não vai querer perder facilmente o poder que conquistou.

Haja conversa neste ano para resolver tal impasse.

Justiça disfuncional

O Estado de S. Paulo

O avanço do plenário virtual no STJ limita o direito de defesa, mas o problema de fundo é a sobrecarga das Cortes Superiores, fruto de uma legislação processual excessivamente permissiva

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou uma resolução no dia 22 passado que regulamenta os julgamentos pelo plenário virtual. Sucintamente, o STJ ampliou o rol de casos que podem ser julgados por meio eletrônico, estabeleceu mecanismos de transparência para os atos processuais virtuais e fixou regras para a sustentação oral dos advogados, de acordo com as mudanças introduzidas pela Emenda Regimental 45/2024. Segundo a Corte, o objetivo é reduzir a fila de processos, “a exemplo do modelo seguido pelo Supremo Tribunal Federal (STF)” desde 2007.

De antemão, cabe ressaltar que a questão dos julgamentos virtuais é de suma importância para o debate público por ter relação direta com a higidez do Estado de Direito no País. Em que pese a boa intenção do STJ e do STF de acelerar a prestação jurisdicional, está-se diante de uma evidente limitação do exercício do direito de defesa, razão pela qual a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e muitos advogados, individualmente, já manifestaram sérias preocupações com esse modelo de julgamento. Há ainda uma questão de fundo, que é a sobrecarga das Cortes Superiores, envolvidas que são em processos que jamais deveriam chegar até elas fosse a legislação processual brasileira um tanto menos permissiva.

A bem da Constituição, em particular da plenitude do direito de defesa, o correto seria o movimento contrário, vale dizer, o STF retroceder nos julgamentos pelo plenário virtual, e não outras Cortes ampliarem a adoção do modelo eletrônico. A atuação do Poder Judiciário deve ser pública (art. 93, IX). Por mais que o STJ e o STF garantam acesso aos atos processuais online em seus regimentos, à exceção dos casos sob sigilo, problemas de toda ordem podem comprometer o acompanhamento das sessões que eventualmente sejam realizadas em tempo real, sendo os de natureza técnica os mais óbvios. Em uma democracia, a Justiça deve primar pelo excesso de transparência.

Ademais, em virtude de muitos julgamentos pelo plenário virtual serem assíncronos, isto é, não ocorrerem em tempo real, a prática advocatícia fica muito prejudicada, o que afronta um dos mais preciosos direitos humanos, o direito à plena defesa. Pelas regras do plenário virtual, os advogados têm de enviar suas sustentações orais por meio eletrônico, gravadas, apenas torcendo para que seus argumentos sejam ouvidos pelos julgadores. Um advogado até pode solicitar que determinado processo seja transferido para o plenário físico, mas a palavra final cabe ao ministro relator. E não raro esses pedidos têm sido indeferidos, como alertou a OAB. Questões de ordem ou ponderações pontuais dos advogados no momento em que os interesses de seus clientes estão sob escrutínio dos magistrados também são suprimidas.

O julgamento pelo plenário virtual ainda impede o debate, tanto entre as partes contrárias como entre os próprios magistrados. Em grande medida, o cerceamento do livre confronto entre teses em disputa durante um julgamento, em tempo real, enfraquece não apenas a própria natureza de um tribunal colegiado, como, sobretudo, o amplo contraditório.

O STJ e o STF têm razão quando se dizem sobrecarregados. Sobre essa anomalia, ambas as Cortes têm pouca ou nenhuma responsabilidade, haja vista que praticamente todos os processos que chegam a Brasília encontram amparo na atual legislação processual. Sob qualquer ponto de vista, não tem o menor cabimento, por exemplo, uma ação penal contra um homem acusado de furtar dois pares de chinelos em Minas Gerais chegar até o gabinete do ministro do STF Alexandre de Moraes, como aconteceu há poucos dias. O réu foi perdoado à luz do princípio da insignificância, mas o fato de tê-lo sido por um ministro da Corte Suprema revela quão disfuncional é a Justiça brasileira.

Os tribunais superiores pouco têm a fazer enquanto o Congresso não se debruçar seriamente sobre a revisão de uma legislação processual extremamente permissiva. Tal como está, o emaranhado recursal que se presta a assegurar o direito à ampla defesa acaba, na prática, por cerceá-lo.

TV do PT, dinheiro dos contribuintes

O Estado de S. Paulo

Ao indicar emendas para bancar TV sindical privada, PT revela sua alma antirrepublicana

O Estadão revelou que a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) firmou dois convênios com a assim chamada TV do Trabalhador (TVT), ligada ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e à Central Única dos Trabalhadores (CUT), para bancar a renovação dos estúdios e dos equipamentos da emissora, além de financiar a produção de seus “programas jornalísticos”. As aspas aqui são necessárias, evidentemente, porque o que a TVT chama de jornalismo é conhecido no mundo real como propaganda. A bem da verdade, o canal poderia facilmente se chamar “TV do PT” ou “TV CUT” sem perder a identidade, pois é ao proselitismo político que se presta.

A generosa cortesia com chapéu alheio custará R$ 2,65 milhões aos contribuintes. A aquisição de novas câmeras e transmissores, entre outros equipamentos, e a produção dos programas serão pagas com recursos advindos de emendas ao Orçamento da União indicadas por 12 parlamentares das bancadas do PT na Câmara e no Senado, o que só adiciona insulto à injúria. Se já é reprovável o financiamento público de uma organização privada, tão ou mais grave é a violação dos princípios da moralidade e da racionalidade nos gastos públicos. Se a TVT não tem condições de financiar suas atividades, este é um problema exclusivo de seus gestores. O ônus, por óbvio, não tem de recair sobre o erário.

Que fique claro: o PT, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e a CUT, como quaisquer entidades privadas, têm assegurado o direito de ter seu próprio veículo de comunicação. Mas que o exerçam com seus próprios meios.

Embora faça parte da Rede Nacional de Comunicação Pública (RNCP), a TVT não é um canal de comunicação que serve ao conjunto da sociedade brasileira. Dado o traço de audiência, é lícito inferir que a esmagadora maioria dos cidadãos nem sequer ouviu falar do canal a serviço do PT e das agremiações sindicais, malgrado se dizer “do trabalhador”. Trata-se de uma emissora cuja origem e linha editorial são marcadamente associadas ao sindicalismo e à militância política petista, razão pela qual cabe ao PT, à CUT e aos sindicatos a esta vinculados custear a sua programação.

Para qualquer cidadão sensato, essa separação é perfeitamente compreensível. Já para os petistas, é inconcebível distinguir o interesse público dos interesses do partido ou do governo do presidente Lula da Silva. Nessa mixórdia, a apropriação da EBC para fins político-partidários é tratada como a coisa mais natural do mundo.

O Brasil enfrenta desafios fiscais que exigem responsabilidade e austeridade na aplicação dos recursos públicos. Cada centavo gasto pelo Estado deve ser justificado por seu retorno social amplo, beneficiando a coletividade, e não ser direcionado para sustentar veículos de comunicação de caráter privado, ainda que sob o disfarce de um convênio institucional.

Os contribuintes não podem ser forçados a financiar, mesmo indiretamente, a comunicação de um partido político ou outra entidade privada específica. O erário não pode ser empregado a serviço de interesses particulares. A ver como reagirão o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União.

 

 

 

 

 

 

 


Nenhum comentário: