Folha de S. Paulo
Comunicação pós-analógica não tem nada a ver
com lero-lero diplomático nem com informação verdadeira
Despertando na metade do mandato com a palavra comunicação na cabeça, Lula trocou de secretários, Pimenta por Sidônio. Nome com pedigree latino: Caius Sollis Modestus Apollinaris Sidonius foi genro de imperador, bispo, poeta e diplomata competente. Este último atributo é sugestivo para o recém-chegado, pois qualquer tarefa pública demanda hoje jogo de dentro com as cascavéis do entorno partidário e jogo de fora, estilo Garrincha, para driblar a mentira institucionalizada. Duas manhas familiares à capoeira.
Baiano, Sidônio pode até ser esperto em
ambas. Mas a comunicação pós-analógica não tem nada a ver com lero-lero
diplomático nem com informação verdadeira. Tem a ver com crença. E o que se
transforma em convicção não é a qualidade das proposições, mas a solidez do
sistema em que aparecem. A força da convicção pode ser maior que a da verdade.
O primeiro meio-ambiente do indivíduo é a
própria mente, mas essa "morada" primeira é condicionada por um comum
inerente ao meio vital. Aprende-se por confiança na autoridade das fontes
(pais, professores). Só que a rede eletrônica cria hoje um meio (vital?) em que algoritmos
autônomos abrem caminho para discursos subterrâneos incontroláveis.
Daí uma realidade separada, com lógica e
linguagem próprias, sem referências objetivas e sem compromisso com verdade.
Nada impede que o falseamento se converta em objeto de desejo, não tanto como
mentira deliberada, mas como "psitacismo" ou fala de papagaio, mera
repetição do que se ouve. Isso que neoliberais e adictos de redes sociais
confundem com liberdade de expressão.
Não erra quem diz que essa é uma visão
acadêmica. De fato, se trata de conhecimento familiar a pesquisadores da era
pós-analógica. Comunicação sempre foi encontro simbólico de duas partes,
portanto, diálogo radical, e não transmissão unilateral de conteúdos de um polo
a outro. Voltada para estruturas político-econômicas e velhas utopias, a
esquerda jurássica confundiu comunicação com propaganda, desconhecendo sua
função, que hoje atende à lógica das sensações, e não dos argumentos. Perdeu o
rumo sob o capitalismo financeiro, com a digitalização dos meios vitais. Não
que a direita tenha entendido, mas aproveitou: a ignorância torna-se douta à
sombra da arrogância dos pretensos donos da verdade.
Assim, dúvidas razoáveis sobre a nova
empreitada. O governo tem alma, mas velha, já sem corpo. Sidônio aperfeiçoaria
a informação, tirando ministérios da conveniente letargia, falando para além da
bolha. Para isso, uma campanha
de mobilização democrática nesse instante de realinhamento ou
esfacelamento da direita. Com discurso sincero e boa diplomacia, a verdade se
mostraria. Analógica, claro. Os epígonos de Caius Sidonius aplaudiriam.
Mas será que a questão é só de bem comunicar?
De apenas evitar falhas como a do Pix? Se for, Sidônio, na Idade Média como na
Mídia, o que se exige de uma comunicação sensível para as massas é pão,
segurança, circo e uma cara (um foco visível), que o governo não tem. E
dificilmente terá enquanto refém emparedado pela máquina parasitária de
"unidades orçamentárias" (em vez de representantes do povo) chamada
centrão, cuja estratégia é a não comunicação, o silêncio da caverna de
Ali-Babá.
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