Em 2011 e 2012 a inflação acelerou cerca de um ponto percentual em relação à média dos anos anteriores, caminhando para uma patamar médio próximo a 6,5%. Isto ocorreu num contexto em que a taxa de crescimento recuou fortemente de um patamar médio de 4% ao ano, entre 2004 e 2010, para a média de apenas 1,8% ao ano em 2011/2012.
O quadro é preocupante pois, com um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de apenas 0,9% no ano passado, a inflação devia ter desacelerado e não acelerado. Neste quadro, à primeira vista, o tradicional remédio de desaquecer a economia através da elevação da taxa de juros parece perder sentido.
Neste panorama de baixo crescimento, se as principais causas da inflação alta fossem choques vindos do lado da oferta ou pressões de custos oriundos da depreciação da taxa de câmbio e de choques externo e interno de preços de alimentos, a aceleração da inflação seriam transitória. Não seria necessário elevar a taxa de juros, pois os preços de alimentos já estão cedendo no mercado internacional, internamente a perspectiva é de uma boa safra agrícola e o efeito relevante da depreciação do câmbio no ano passado já foi absorvido.
O BC deveria elevar os juros, neutralizando a apreciação cambial para não comprimir os preços dos "tradables"
Mas o problema da inflação brasileira não se esgota nestas e outras pressões transitórias. Existem pressões persistentes e que tornam o reajustes de preços quase que generalizado.
Em primeiro lugar, estamos vivendo no mercado de trabalho uma situação inédita de pleno emprego. Neste novo quadro a elevação dos salários acima da produtividade, isto é, o aumento do custo unitário de trabalho tem sido generalizado na economia brasileira. Esta pressão origina-se no setor de serviços, que lidera o crescimento, favorecido pelo prolongado período de apreciação da taxa de câmbio. Sendo um setor "non tradables" pode facilmente repassar as pressões salariais para os preços sem sofrer competição dos importados. Esta pressão se transforma em tendência generalizada já que trabalho é um fator universal de produção.
Mesmo em setores que tenham contraído a produção, como a indústria de transformação, não há como escapar desta pressão de custos. De fato, estes setores ou absorveram estas pressões reduzindo suas margens de lucro ou foram substituídas pelas importações. Na verdade, a pressão inflacionária seria muito maior se a taxa de câmbio não fosse apreciada e controlada pelo Banco Central. É como se tivéssemos adotado uma política de meta de inflação e considerássemos na meta apenas os preços dos "tradables" (bens da indústria de transformação), que seria controlados ao se controlar a taxa de câmbio. A inflação dos "non tradables" corre livremente sendo até estimulado quando o governo toma medidas de estímulo à demanda na indústria. Mas o problema é que a indústria de transformação representa apenas 13,2% do PIB e os serviços, mais de 60%.
De qualquer forma não há outro caminho para conter estas pressões inflacionárias a não ser esfriar a demanda de serviços e, por esta via, o mercado de trabalho.
A segunda pressão persistente é o componente inercial devido à persistência da indexação formal e obrigatória em que a inflação passada se torna em futura por lei. Por exemplo, todos os contratos de prestação de serviços ou de fornecimento de bens com mais de um ano de duração têm uma cláusula de reajuste. Mensalidades escolares e tarifas públicas em geral têm reajuste anual. Os ativos financeiros em geral estão indexadas à inflação via taxa diária de juros Selic/DI. Estima-se que um terço dos preços ao consumidor esteja indexado.
A terceira pressão volátil, mas que tende a tornar-se persistente vem da expectativa de inflação. Num país que viveu um processo de hiperinflação há menos de 20 anos tem ainda na memória de grande parcela de sua população a prática da indexação generalizada. Com boa parte dos preços indexada formalmente, a inflação permanecendo em um patamar não desprezível mais de 6% ao ano, os reajustes de preços tendem a ser generalizada. Se o Banco Central e o governo não agirem convincentemente corremos o risco do hábito de reajustar os preços de acordo com a inflação passada voltar com toda a sua força.
É neste quadro complexo e delicado que o Banco Central e o governo têm que agir cedo ou tarde. Se o governo não está disposto a fazer uma "contração fiscal" que mereça este nome não resta senão o Banco Central elevar a taxa de juros. Evidentemente, se os preços na economia brasileira forem desindexados, incluindo os preços dos ativos financeiros, pequena elevação de juros teria efeito forte sobre o preço dos ativos financeiros e daí para os seus fluxos, para a demanda e, finalmente, na inflação, no devido tempo. Mas, no contexto brasileiro, com os canais dos preços dos ativos financeiros obstruídos e com a persistência da indexação de preços, os efeitos da elevação das taxas de juros têm atuado principalmente por meio do canal de transmissão da apreciação cambial, com contração dos preços industriais e da oferta das empresas que dependem de capital de giro, particularmente as pequenas e médias. Como a apreciação da taxa de câmbio está na origem da elevação dos salários e da inflação de serviços, o Banco Central deveria elevar a taxa de juros, mas neutralizando a apreciação cambial de forma que não serão os preços dos "tradables" (indústria de transformação) que serão comprimidos mais uma vez, com a invasão de importados, mas sim os preços dos serviços.
Yoshiaki Nakano - mestre e doutor em economia pela Cornell University. Professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EESP/FGV). Ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP).
Fonte: Valor Econômico
Nenhum comentário:
Postar um comentário