Mana Rizzo
BRASÍLIA - Documento sigiloso obtido pelo Estado confirma que o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência (GSI) mobilizou a Agência Brasileira de inteligência (Abin) para monitorar portuários e sindicatos contrários à Medida Provisória 595, conhecida como MP dos Portos. O ofício desmente o general José Elito, ministro-chefe do GSI, que na semana passada chamou de "mentirosa" reportagem do Estado que revelava a ação da Abin no porto de Suape (PE).
Identificado como "Ordem de Missão 022/82105", de 13 de março de 2013, o ofício encaminhado a superintendências da Abin em 15 estados litorâneos traz em destaque o alvo dos agentes: "Mobilização de Portuários". O GSI confirma a autenticidade do documento (leia ao lado).
A "missão" da Abin, informa o documento, é identificar ações grevistas como reação à medida provisória que altera o funcionamento dos portos. O alvo central são sindicalistas ligados à Força Sindical. A central sindical se uniu às críticas feitas pelo governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), contra a MP dos Portos, Campos é possível candidato à Presidência em 2014.
Reportagem do Estado mostrou na última quinta-feira que a Abin vigia os passos dos portuários de Suape, em Pernambuco. Na ocasião, o general Elito, após reunião com a presidente Dilma Rousseff, divulgou nota dizendo ser "mentirosa a afirmação de que o GSI/ABIN tenha montado qualquer operação para monitorar o movimento sindical no Porto de Suape ou em qualquer outra instituição do País".
A ordem contida no ofício 022/82105, porém, é clara sobre o monitoramento de sindicatos que atuam em portos. "Dirigentes sindicais ligados à Força Sindical pretendem promover paralisação nacional de 24 horas no dia 19 mar. 2013", alerta o documento sigiloso. Em outro trecho, cita a Federação Nacional dos Portuários e a Central Única dos Trabalhadores (CUT): "Portuários filiados a essas entidades devem começar a se reunir em assembleias a partir de 15 mar. 2013 para definir os rumos da mobilização - ações paredistas não podem ser descartadas".
Câmera israelense. Pouco antes de deflagrada a Ordem de Missão, em 13 de março, uma equipe formada por agentes de Brasília percorreu os Estados alvo para uma ação de vigilância prévia que incluiu, pela primeira vez, a utilização de um equipamento de filmagem israelense que permite a transmissão, em tempo real e em alta resolução, de imagens captadas nos portos.
No bunker montado em Brasília para a análise da movimentação dos portuários e associações da categoria, os agentes, nos dias que antecederam à data considerada como de provável paralisação, foram colocados em plantão permanente, distribuídos em quatro turnos de seis horas (19hs-01h; 01h-07h; 07h-13hs e 13hs-19hs).
A estrutura utilizada para mapear a ação dos portuários e sindicatos foi semelhante, em tamanho,, utilização de recursos humanos e até mesmo na montagem de uma sala especial para os analistas envolvidos na operação, à montada para a Rio + 20.
Além das equipes mobilizadas nas superintendências para a espionagem de campo, oficiais lotados em outros Estados foram deslocados para Brasília e incorporados à força-tarefa de espionagem sindical. Todos os reforços foram alojados na Escola de Inteligência (Esint), localizada dentro da própria Abin, no Setor Policial Sul, na capital.
Suape. Nas superintendências, conforme o Estado apurou, a Ordem de Missão expedida pela direção da Abin, comandada pelo analista Wilson Trezza, foi desdobrada em novas missões, algumas mais intensas, com infiltrados, como a desencadeada em Suape. O porto pernambucano foi considerado um epicentro pela capacidade de movimentação de cargas e potencial de irradiação da greve a outros Estados.
Nove dias antes de desencadeada a operação nacional pela Abin, o presidente da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho (PDT-SP), reuniu-se com portuários e com o governador Eduardo Campos, quando a paralisação foi discutida. Antes, apesar de invasões de navios em Santos e do bloqueio, em 22 de fevereiro, de 16 navios em Paranaguá (PR), nenhuma ação, conforme revelou o Estado, fora desencadeada.
Dirigentes da Força Sindical reagiram à ação da Abin. Ontem, em evento da central em São Paulo do qual Eduardo Campos foi convidado a comparecer, o tema Abin voltou à tona (mais informações abaixo).
‘Militarização’. O aparato utilizado e o objetivo da missão provocou tensão dentro do próprio governo, entre os órgãos que compõem o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin). Acionada, a Diretoria de Inteligência da Polícia Federal se recusou a participar da operação.
A característica da missão e a prioridade dada à movimentação dos sindicatos e portuários é sintoma, segundo agentes ouvidos reservadamente pela reportagem, da “militarização” da ABIN, sob o comando hierárquico do general Elito.
Boa parte das superintendências é hoje chefiada por R-2, como no jargão interno os oficiais de inteligência identificam os militares com passagem pelos serviços de informação das Forças Armadas e que foram incorporados à ABIN.
Essa estrutura de comando dá prioridade a uma “pauta ideológica”, segundo oficias de inteligência ouvidos pelo Estado, com foco no acompanhamento de movimentos sindicais e sociais.
Documento recebe selo para driblar lei
0 documento obtido pelo Estado leva o carimbo "sigiloso", 0 que exclui o texto da Lei de Acesso à Informação. A lei estabeleceu que documentos só podem ser classificados como "ultrassecretos", "secretos" ou "reservados", e estabelece os prazos de 15,10 e cinco anos, respectivamente, para sua liberação. Classificado como "sigiloso", o ofício deixa de se enquadrar aos prazos e fica imune à lei.
Assim, se um cidadão pedir acesso a documentos da Abin por meio das classificações oficiais, esse ofício nunca vai aparecer.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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