- Valor Econômico
Disseminação de 'fake news' nas eleições preocupa
A proximidade da campanha eleitoral colocou a atual onda de notícias falsas na internet, conhecidas internacionalmente como "fake news", em posição de destaque na lista de preocupações de diversas autoridades. Não só por considerarem que elas têm a capacidade de transformar a já polarizada política brasileira em um ambiente ainda mais hostil. Integrantes do governo, do Legislativo e do Judiciário tratam também a questão como um risco à soberania nacional.
A disseminação de notícias falsas não é um fenômeno novo. Historiadores relatam casos semelhantes ocorridos centenas de anos atrás, quando textos caluniosos eram espalhados para difamar políticos, clérigos ou apenas desinformar a população. A novidade é o uso da tecnologia para criar falsas sensações de apoio ou condenação a ideias e pessoas, assim como disseminar boatos na internet. Os "robôs sociais", perfis controlados por softwares, podem gerar artificialmente conteúdos e interagir com usuários reais. Como resultado, realizar interferências em discussões e até mesmo gerar debates forjados.
O recente surto de notícias falsas ganhou destaque por interferir em processos eleitorais ou consultas populares realizados mundo afora, com acusações de interferências externas em assuntos domésticos dos países envolvidos, além de impactos na política internacional e na economia global.
Exemplos não faltam. Passam pelos ataques à campanha de Hillary Clinton e à vitória de Donald Trump nos Estados Unidos aos debates sobre a saída do Reino Unido da União Europeia e ao processo que culminou no Brexit. A eleição que levou Emmanuel Macron ao poder na França é outro caso. Em dezembro, o governo espanhol se preparou para combater notícias falsas durante as eleições na Catalunha. Autoridades do México também alertam para o risco de as "fake news" inundarem as eleições gerais a serem realizadas neste ano.
É positiva, portanto, a iniciativa das autoridades brasileiras de tentar reduzir o impacto das "fake news" no processo eleitoral, mesmo que tal combate ainda esteja incipiente no mundo todo e tenha a sua eficácia questionada. E é mais do que simbólico o fato de o grupo de trabalho impulsionado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também ser formado pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), pela Polícia Federal e pelo Exército, que tem um Comando de Defesa Cibernética, além do Comitê Gestor da Internet.
Esse conselho consultivo foi criado pelo ministro Gilmar Mendes no fim do ano passado, e terá sua segunda reunião no dia 15 de janeiro. O ministro Luiz Fux, que ocupará a presidência do TSE de fevereiro a agosto, já afirmou que manterá o assunto entre as prioridades de sua gestão.
O desafio será grande, embora já existam algumas formas de identificar atores e fontes primárias na internet por meio da ciência que analisa os dados que circulam na rede. Pela primeira vez candidatos, partidos e coligações poderão contratar serviços de impulsionamento de conteúdo. Ou seja, meios de "viralizar" suas mensagens. Por sua vez, o TSE estuda desenvolver ferramentas para receber denúncias sobre perfis, sites e blogs falsos que estejam disseminando notícias falsas. E pode ajustar suas resoluções até 5 de março.
Membros desse grupo consultivo ficaram impressionados com um estudo da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas, segundo o qual robôs foram responsáveis por parte das interações observadas nas redes sociais já durante os debates eleitorais de 2014, o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, as últimas eleições municipais, a greve geral convocada em abril de 2017 e a votação da reforma trabalhista no Senado.
O envolvimento do brasileiro com as redes sociais é crescente, mas a credibilidade delas é questionada pelos usuários. Recentemente, uma pesquisa interna encomendada ao Ibope pelo Palácio do Planalto apurou que as redes sociais se tornaram o segundo meio mais comum de o eleitorado se "informar", perdendo apenas para os telejornais. Em terceiro lugar, ficaram os aplicativos de mensagens instantâneas. Mesmo assim, enquanto 39% dos entrevistados afirmaram confiar muito nos jornais de TV, apenas 11% disseram o mesmo em relação às redes sociais e 6% aos aplicativos de mensagens.
A iniciativa capitaneada pela Justiça Eleitoral é um avanço, mas pode depender do apoio das empresas responsáveis pelas redes sociais e sistemas de busca na internet. Aliás, as autoridades brasileiras acreditam que essas companhias podem querer aproveitar as eleições no Brasil, uma das maiores democracias do mundo, para demonstrar uma postura colaborativa e com isso evitar eventuais regulações mais restritivas no país e no exterior. Os aplicativos de mensagens instantâneas são um caso a parte, pois seus controladores alegam que o conteúdo trocado é criptografado.
Os eleitores brasileiros até podem ponderar que são céticos em relação ao que leem nas redes sociais, mas será necessário redobrar o cuidado. A campanha tende a ser virulenta e permeada por debates sobre os polêmicos temas relacionados a liberdades individuais, o necessário ajuste fiscal a ser promovido pelo próximo presidente da República e a reforma da Previdência, caso o governo Michel Temer não consiga mesmo aprová-la. Um campo fértil para a proliferação de notícias falsas.
A experiência internacional também nos mostra outra face desse fenômeno, do qual o presidente americano, Donald Trump, tem se notabilizado como grande exemplo. Na tentativa de desqualificar notícias verdadeiras prejudiciais às suas imagens, políticos buscam classificar tais reportagens como "fake news", numa estratégia para afastar o cidadão do noticiário negativo. O eleitor deve estar atento também a esses casos para saber diferenciar cada situação. Afinal, não são raros os exemplos de estelionato eleitoral no país e ataques pessoais a candidatos durante as campanhas.
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