Enquanto o tempo passa, fica cada vez mais evidente que é também necessário rever as regras da obrigatoriedade de despesas e a indexação de gastos
A sociedade brasileira enfrenta um momento crítico nas finanças públicas, e dependerá da sua posição nas urnas sobre o que fazer, se o país dará um salto de qualidade no manejo das finanças ou continuará cambaleante, em círculos, alternando surtos de crescimento, só na aparência sustentável, com fases corretivas em meio à inflação e recessão. Como a de que se está saindo.
Em entrevista antes da virada do ano a “O Estado de S.Paulo”, a secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi, expôs o cenário: como as despesas se aproximam do teto constitucional, é preciso fazer escolhas. Algo a que governos e políticos em geral não estão acostumados. Continua dominante a visão arcaica, e errada, de que dinheiro público sempre aparece quando dele se precisa. Porém, não é mais assim, com inflação civilizada e controles como a Lei de Responsabilidade Fiscal e o próprio teto inscrito na Constituição.
A crise do Rio de Janeiro é cabal demonstração de que Estado também quebra. Que o digam servidores, aposentados e pensionistas da máquina burocrática fluminense.
A secretária foi feliz ao citar o reajuste do funcionalismo previsto para o ano que vem, adiado pelo governo, de maneira sensata, por MP, mas que foi derrubada monocraticamente pelo ministro do Supremo Ricardo Lewandowski.
Na penada do ministro, surgiu automaticamente um buraco de R$ 6 bilhões no Orçamento deste ano, a ser coberto de alguma maneira. Que os políticos escolham onde cortar.
Tende a ser, como sempre, nos investimentos, passíveis de cortes, e já bastante baixos, e em algumas despesas de custeio. O resultado é que haverá menos dinheiro ainda para a conservação de estradas, onde acidentes matam bastante a cada feriadão, como o que passou. Os desastres, por sua vez, aumentam a pressão sobre postos de atendimento de emergência e hospitais públicos, também vítimas da crise fiscal. Este é o encadeamento derivado da decisão tomada por Lewandowski.
A secretária, na entrevista, abordou, na verdade, o enorme efeito pedagógico do teto constitucional conjugado com a Lei de Responsabilidade — que mostrou sua eficácia no impeachment de Dilma — e da “regra de ouro”, também inscrita na Carta. Segundo a qual, não é possível o Estado emitir títulos para financiar gastos correntes. Ele o faz costumeiramente para rolar a dívida (daí ela continuar em ascensão). Mas não pode emiti-los para bancar aposentadorias, salários de servidores, custeio da máquina, gastos, enfim, de custeio. E se está perto disso.
Por isso, ainda segundo Vescovi, além da reforma da Previdência, imprescindível, vai ser preciso rever o excesso de despesas obrigatórias, que engessam o Orçamento. Além da indexação desses gastos. A crise e o teto forçam a reconstrução das finanças públicas em bases não populistas.
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