quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Expectativa de turbulência eleitoral desafia o Tesouro: Editorial/Valor Econômico

O Tesouro resolveu mudar algumas práticas de financiamento da dívida mobiliária federal neste ano. Um dos principais objetivos é alongar o prazo de vencimento dos títulos que serão oferecidos nos leilões regulares, em troca dos papéis que estarão vencendo. Apesar das perspectivas positivas para a inflação e os juros, a tarefa parece difícil diante da imprevisibilidade que cercará a disputa eleitoral, além das dúvidas sobre a aprovação da reforma da previdência e da política monetária nos países ricos.

Os novos títulos que chegarão ao mercado no primeiro semestre serão as LTNs com vencimento em abril de 2020 e em janeiro de 2022. Serão emitidas NTN-Fs, igualmente prefixadas, com vencimento em janeiro de 2029, no lugar dos papéis que vencem em janeiro de 2027, papéis que atraem especialmente os investidores estrangeiros. O calendário de alguns leilões será alterado. As vendas de NTN-Fs passarão de quinzenais a semanais, como ocorria até 2010. Desde 2011 começaram a ser realizados a cada 15 dias com o intuito de estimular o mercado secundário, objetivo que será posto de lado agora.

A intenção, explicou o Tesouro, é diluir a oferta para dar mais flexibilidade à administração da dívida. Além disso, o Tesouro suspenderá as recompras trimestrais de NTN-Fs e NTN-Bs, que poderão ser realizadas a qualquer momento.

Alongar o prazo médio dos títulos públicos e aumentar a venda de papéis prefixados e dos remunerados por índices de preços, em lugar dos indexados à variação da Selic, têm sido metas antigas do Tesouro. Em 2017 a aposta se assentou na expectativa de melhores condições de financiamento da dívida mobiliária após a aprovação da fixação do teto para os gastos públicos e encaminhamento da reforma da previdência. Mas a instabilidade política criada pelas acusações contra o presidente Michel Temer enfraqueceu a expectativa de ajuste fiscal e comprometeu alguns avanços na administração da dívida mobiliária.

De janeiro a novembro de 2017, o estoque da dívida pública federal cresceu 12,2%, mais do que os 11,45% de 2016, uma expansão expressiva em termos reais, considerando-se que a inflação esperada para 2017 está ao redor de 3%. O prazo médio dos títulos diminuiu, de 4,5 anos em 2016 para 4,3 anos. A porcentagem de títulos que vence em 12 meses aumentou para 17%, após ter caído de 21,6% para 16,8% entre 2015 e 2016, menor percentual da série.

A intenção do Tesouro de ampliar a venda de papéis prefixados também parece difícil de ser concretizada. O interesse dos investidores por esses títulos diminuiu com a instabilidade criada pelo impeachment de Dilma Rousseff, e, depois, pela divulgação da delação da J&F, de modo que a fatia dos prefixados no estoque total da dívida mobiliária caiu de 39,4% em 2015 para 35,7% em 2016 e para 35,2% em novembro passado. Em seu lugar, cresceu quase dez pontos a fatia dos títulos de taxas flutuantes, indexados à Selic - os preferidos pelos investidores em momentos de instabilidade -, saindo de 22,8% em 2015 para 28,2% em 2016 e 31,6% em novembro passado. Os papéis indexados a índice de preços também tiveram a participação diminuída de 31,8% em 2016 para 29,7% em novembro.

Além disso, os principais compradores das NTN-Fs, os investidores estrangeiros, vêm reduzindo gradualmente a participação no financiamento da dívida mobiliária brasileira, que caiu de 18,8% em 2015 para 14,3% em 2016 e 12,7% em novembro, movimento atribuído pelo Tesouro "ao cenário macroeconômico doméstico e às incertezas políticas do período, que resultaram em volatilidade no mercado financeiro do país".

Por outro lado, os fundos de investimento e de previdência seguiram aumentando a participação entre os financiadores da dívida mobiliária, enquanto as instituições financeiras vêm diminuindo suas posições - representavam um quarto da base de investidores, agora estão com 21,8%. Os fundos de previdência, por sua vez, ampliaram a fatia de 21,4% em 2015 para 25,1% em 2016 e para 25,7% em novembro, enquanto os fundos passaram de 19,6% para 22,1% e assumiram agora a liderança com 25,9%.

Para o Tesouro o novo mix de financiadores é positivo porque significa uma base mais estável, com objetivos de longo prazo. Mas as demais mudanças são necessariamente graduais. Nem sempre os interesses do Tesouro coincidem com a percepção de risco dos investidores.

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