- O Estado de S.Paulo
Acabar simplesmente com os subsídios é mais uma crença equivocada no tudo ou nada
O momento, todos sabem, é de austeridade. Cada centavo economizado faz diferença, seja pelo valor moral, diante de 13 milhões de desempregados, seja pelo ambiente de lassidão fiscal.
As despesas públicas ultrapassaram a capacidade de geração de receitas, o que pressionou a dívida pública. Nesse contexto, cabem várias recomendações, das quais ressaltarei duas: combater excessos e redefinir prioridades. Um dos candidatos favoritos à revisão são os subsídios, mas seria um grave erro, a esse pretexto, abandonar políticas de desenvolvimento. Seria vestir o santo do ajuste fiscal desvestindo o do crescimento. Vamos aos dados.
As despesas primárias, que excluem os juros sobre a dívida, cresceram 6% ao ano acima da inflação nas últimas duas décadas e o PIB, 2,5% ao ano. Como as receitas dependem do PIB, foi questão de tempo para que esse descompasso fizesse crescer a dívida. De 2013 para cá, a dívida pública saltou de 53% para 77% do PIB, tornando-se difícil de estabilizar, em face dos juros siderais e do PIB no chão. Esse diagnóstico tem de estar muito claro para os políticos, os economistas, a opinião pública e a sociedade em geral. O ajuste fiscal é imperativo.
Nesse ambiente, a discussão sobre os subsídios ganhou corpo. O Estado deve ou não ter políticas de desenvolvimento, estimulando setores, mantendo um banco de fomento como o BNDES e financiando programas setoriais e regionais?
O subsídio é uma despesa para viabilizar ou estimular determinada atividade econômica. Dentre outras possibilidades, ele pode ser concedido pela fixação de taxas de juros abaixo do custo de mercado. Se o mercado de crédito fosse concorrencial, no Brasil, os juros tenderiam a ser mais baixos que os atuais.
No Brasil, meia dúzia de bancos comandam a quase totalidade das operações de crédito. A margem de lucro elevada é o sinal mais evidente desse poder de mercado. Questões regulatórias e outras barreiras limitam a competição, a despeito do empenho com que o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, vem agindo para mudar esse quadro. Mesmo o mais liberal dos economistas concordará, então, que algum subsídio é justificável nesse ambiente.
Alguns projetos que apresentam as chamadas externalidades positivas e têm maduração de longo prazo são também candidatos a subsídios. Quando uma estrada é construída, além do seu valor intrínseco, ela produz efeitos secundários muito positivos sobre outros mercados, estimulando a produção. Novos investimentos privados se tornam viáveis.
Nestes e em outros casos é recomendável que se adotem subsídios. É essencial, por exemplo, o papel do BNDES (ou do Banco do Nordeste) em ofertar crédito subsidiado para a iniciativa privada quando se tratar de bons projetos na área de infraestrutura logística, social e urbana. O custo do subsídio é superado pelos benefícios diretos e indiretos que ela propicia, situação em que o subsídio é justificado.
É verdade que as escolhas políticas, como não deve deixar de ser, obedecem à influência dos vários setores da sociedade. Mas o controle da situação fiscal não pode ser negligenciado. Do contrário, não há crescimento nem distribuição de renda. O que precisa ser combatido são os interesses não republicanos e a ineficiência. Enfiar R$ 500 bilhões nos bancos públicos para fazer investimentos ineficientes foi pouco inteligente.
Já propus neste espaço a criação de um sistema nacional de consolidação e controle de subsídios no Brasil. Estudo recente do Ministério da Fazenda mostrou que somente os subsídios da União foram de 1,3% do PIB em 2017, quase o triplo do valor gasto com o PAC naquele ano. Qual o resultado desses subsídios para a sociedade?
Há casos e casos. Cortar linearmente, com tantos instrumentos disponíveis de avaliação de gastos, é o pior a fazer. Cortar, sim, mas com critérios de mérito.
Houve, nos últimos anos, uma demonização do subsídio. A apressada adoção da Taxa de Longo Prazo (TLP), concebida para replicar os juros de mercado, no lugar da TJLP, tem minado o BNDES. O BNB, como noticiou o Estadão, tem suprido parte da demanda, mas a verdade é que falta planejamento de longo prazo a orientar a política de subsídios. Para ter claro, os desembolsos do BNDES caíram de R$ 88,3 bilhões, no final de 2016, para R$ 70,8 bilhões, em 2017. No primeiro semestre de 2018, foram desembolsados R$ 27,8 bilhões, quase R$ 3 bilhões a menos do que no primeiro semestre de 2017. Sim, era preciso extinguir a política de se endividar para anabolizar o BNDES. O problema é que se atacou também a fonte constitucional do banco – os 40% do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), único recurso fixado para a finalidade essencial de expandir o investimento. Emprestar mais de R$ 190 bilhões ao ano, como no auge da política de injeção de dívida no BNDES, não era correto; como tampouco seria acabar com o banco.
Os países praticam políticas de incentivo baseadas em critérios técnicos e políticos. No nosso caso, parte da intelligentsia recomenda abrir mão desses instrumentos de política econômica. Devemos buscar condições de competitividade, inserção internacional e, sobretudo, ampliação das exportações de maior valor agregado. Para isso, simplesmente extinguir a política de subsídios é um tremendo tiro no pé. A recente crise dos caminhoneiros foi resolvida, em boa medida, com a assunção de um subsídio de R$ 9,5 bilhões, segundo cálculos do próprio governo. Se tivesse prevalecido o fanatismo ortodoxo, certamente estaríamos hoje mergulhados numa crise sem precedentes.
Precisamos de uma política que combine austeridade e inventividade, indispensável a um projeto de país. Não há solução única para a questão do desequilíbrio das contas públicas. Acabar simplesmente com os subsídios é mais uma crença equivocada no tudo ou nada, no agora ou nunca. Os desafios são complexos e, como tais, exigirão soluções sofisticadas e bem executadas.
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*Senador (PSDB-SP)
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