quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Matias Spektor: Resistência militar

- Folha de S. Paulo

Promessa do candidato de povoar metade de seu ministério com militares cai muito mal

Um dia após ser oficializado candidato à Presidência, o deputado Jair Bolsonaro (PSL) levou sua campanha ao Clube da Aeronáutica. Lá chegando, o candidato ouviu a mensagem que circula há meses entre militares de alta patente.

“Mostre à sociedade que não é difícil compor um quadro administrativo com civis gabaritados”, sugeriu o ex-comandante da Aeronáutica tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista.

Na cúpula das Forças Armadas, a promessa do candidato de povoar metade de seu ministério com militares cai muito mal. A razão é o instinto de autopreservação da tropa: ao posicionar generais, almirantes e brigadeiros na vitrine principal de seu eventual governo, Bolsonaro terminaria transformando a tropa em vidraça.

A primeira prova de que tal preocupação faz sentido veio à tona nesta quarta (8), quando o jornal El País noticiou suspeitas de irregularidade envolvendo o candidato a vice na chapa de Bolsonaro, o controverso general Antonio Hamilton Mourão. Segundo os documentos divulgados, o suposto esquema de corrupção envolveria compras militares, uma empresa privada espanhola e um lobista.

A cúpula das Forças Armadas sabe que o capitão reformado abusa da mitologia segundo a qual os militares seriam imunes aos vícios típicos do sistema político brasileiro. Mas na prática quem está no comando da tropa reconhece que a força enfrenta os mesmos problemas e gargalos que assolam o resto do serviço público nacional.

A preocupação de quem entende do jogo não se limita a eventuais denúncias de corrupção. Se entrarem para a política, os militares serão cobrados por boa governança na provisão de bens públicos, sendo obrigados a mediar os interesses conflitantes que dividem a sociedade brasileira.

Mesmo na área da segurança pública, onde as Forças já atuaram em diversas ocasiões, a entrega de bons resultados está longe de ser trivial. A intervenção no Rio de Janeiro —com o aumento expressivo de mortes em chacinas para uma redução pequena do crime— ilustra o problema.

A cúpula entende que, ao assumir cargos políticos, os militares correm o risco de perder a boa reputação de que gozam junto à opinião pública. De quebra, poderá haver um agravamento das tensões entre as três Forças na disputa por orçamentos e influência na Esplanada, para nem falar da volta às manchetes dos crimes e excessos cometidos durante o último regime autoritário.

Para o grupo de alta patente que assiste com espanto às propostas de Bolsonaro, há uma chance real de, em nome do suposto fortalecimento do setor militar, uma eventual Presidência do candidato do PSL terminar deixando a corporação mais fraca.
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Matias Spektor, professor de relações internacionais na FGV.

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