- Valor Econômico
É hora de considerar seriamente a possibilidade de diferentes futuros e mobilizar energia para evitar os piores
Em uma semana, o segundo trimestre de 2020 chegará ao fim, encerrando a “recessão do coronavírus”. De fato, o pior momento da recessão já ficou para trás, com a atividade econômica tendo melhorado em maio e junho. A previsão é que esse processo ganhe força daqui para a frente, com uma forte recuperação no período julho-setembro, seguida de altas mais modestas nos trimestres seguintes.
Qualitativamente, há bastante concordância sobre esse cenário, ainda que com divergências quantitativas. A estimativa mediana de mercado, computada pelo Boletim Focus do Banco Central, é que o PIB tenha contraído 12,2% no segundo trimestre, em termos dessazonalizados, na comparação com o período janeiro-março, e que no terceiro trimestre o PIB cresça 6,5%, com altas mais modestas nos trimestres seguintes.
Pessoalmente, acredito em uma queda mais moderada no segundo trimestre, na faixa de 10%, e uma recuperação mais contida no resto ano, com o PIB fechando 2020 com retração de 5,5%, melhor que os 6,5% de queda que projeta o analista mediano do mercado. Concordo com este, porém, em que provavelmente apenas em 2024, ou depois, veremos o PIB brasileiro voltar ao nível de 2014.
Há, todavia, analistas mais otimistas, que acreditam em uma normalização mais rápida da atividade, uma retomada em “V”, conforme se “religa” a economia. Também há quem acredite que o crescimento do PIB pode acelerar a reboque dos fortes estímulos, fiscais e monetários, adotados desde março pelos governos de diversos países. De fato, o ambiente externo é favorável, com a alta liquidez resultante da emissão de trilhões de dólares pelos bancos centrais aumentando o apetite pelo risco e permitindo alguma recuperação do preço de ativos em mercados emergentes. Em maio, isso ajudou o Brasil a registrar um saldo positivo de US$ 3,1 bilhões no câmbio contratado, depois de acumular um déficit de US$ 60,3 bilhões nos 12 meses anteriores.
Há grande concordância, também, em que a elevadíssima incerteza econômica que se observa hoje no Brasil será um trava à retomada do crescimento, ao desencorajar o investimento e, em menor escala, o consumo das famílias. Paradoxalmente, porém, toda essa incerteza não tem motivado uma discussão mais intensa de cenários alternativos para os próximos anos.
Em momentos como estes é interessante lembrar das lições da Economia Comportamental, que mostram que o ser humano tende a subestimar a incerteza, em linha com os argumentos de Nassim Taleb, que deve estar feliz com o rendimento de 3.612% obtidos em março passado pelo fundo Universa Investments, do qual é consultor, apostando em riscos extremos (bloom.bg/2VjTdF5).
Nesse sentido, tenho me perguntado se o cenário que traçamos para o país é realista. Não porque ele seja inconsistente com a teoria econômica ou que haja erro nas planilhas de Excel. Mas em relação a se conseguimos seguir essa trajetória sem “combinar antes com os russos”. A meu ver, há pelo menos dois riscos fundamentais, o social e o fiscal, que são interligados pela política.
Com a queda do PIB, o emprego também caiu e vai cair mais, e com força. Inclusive por a crise ter afetado desproporcionalmente os serviços e a construção, que, excluindo a administração pública, responderam em 2019 por 61% das ocupações no Brasil. A crise também impactou mais as micro, pequenas e médias empresas, que empregam mais e têm mais dificuldade em sobreviver, pela falta de reservas e acesso ao crédito. Nesse quadro, as projeções apontam para uma taxa de desocupação no final do ano na faixa de 18% a 20%. Ou seja, 5 a 6 pontos percentuais (pp) acima do recorde de 13,7% registrado no primeiro trimestre de 2017. A desocupação subiria com rapidez, mas a queda seria lenta, ao ritmo de 1 pp ao ano, ou menos.
Será isso viável? Será sustentável tanta gente ficar sem trabalhar por tanto tempo? O mais provável, na minha visão, é que não, que haja uma explosão no número de trabalhadores informais, em atividades legais, ou não. Isso levará a um esgarçamento do tecido social, dificultará o controle da pandemia e pressionará o governo a manter vários dos programas “temporários” adotados este ano, como o Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e, especialmente, o Auxílio Financeiro Emergencial.
Dado esse quadro, é difícil acreditar na projeção do mercado de que o déficit público primário, depois de atingir 10% do PIB este ano, caia para 2,3% do PIB em 2021 e 1,5% do PIB em 2022. Mesmo nesse cenário, otimista, a meu ver, a dívida pública bruta, depois de superar 90% do PIB este ano, continuaria a subir nos anos seguintes. Até que valor dessa dívida os investidores estarão dispostos a continuar financiando o governo? Com o presidente perdendo popularidade, quão disposto ele estará para reduzir as despesas públicas e aumentar a tributação?
Como disse Groucho Marx, é difícil fazer previsões, especialmente sobre o futuro. Porém, com a incerteza tão alta, como mostram nossos indicadores, é hora de considerar seriamente a possibilidade de diferentes futuros à nossa frente. E mobilizar energias para evitar os piores.
*Armando Castelar Pinheiro é Coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV, professor da Direito-Rio/FGV e do IE/UFRJ
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