terça-feira, 23 de junho de 2020

Congresso tenta mais uma vez aprovar marco do saneamento – Editorial | Valor Econômico

A cada R$ 1 investido em saneamento, economiza-se R$ 4 em gastos com saúde, segundo a OMS

Deve ser votado pelo Senado nesta semana o novo marco regulatório do saneamento. A pandemia do novo coronavírus recolocou o assunto na ordem do dia. Os índices de saneamento do país são lamentáveis. Cerca de 100 milhões de habitantes, praticamente metade da população, não têm acesso a rede de esgoto, e muito pouco do que é coletado é tratado. Outros 35 milhões não recebem água tratada. Para vastas camadas da população é simplesmente impossível observar os cuidados mínimos de higiene que o combate à pandemia exige.

Apesar disso, alguns partidos resistem a retomar o assunto, que vem sendo discutido desde o ano passado nas duas casas legislativas. Os motivos são variados. Há objeção da parte dos líderes do PSB, PSD e PT que criticam a inserção do tema na pauta das sessões virtuais, estabelecidas no início da crise para se tocar à distância temas relacionados à pandemia e ao estado de calamidade. O líder do PSD, senador Otto Alencar (BA) chega a não ver relação do “projeto com a pandemia, mas com as doenças veiculadas pela água”, e pede “apuração maior, estudos e audiências das partes envolvidas”.

Do lado do governo e dos partidos que apoiam o projeto, a expectativa é que ele seja um dos estimuladores da retomada dos investimentos no pós-pandemia. O novo marco regulatório, previsto para entrar em vigor em 2021, abre espaço para investimentos estimados em R$ 700 bilhões até 2033 com o estímulo dado às privatizações e concessões dos serviços.

A demanda por discussões mais aprofundadas carece de fundamento. O projeto de lei em avaliação no Senado, o PL 4.162/2019, veio da Câmara dos Deputados, onde foi aprovado em dezembro do ano passado. Havia um projeto anterior, do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), engavetado pelos deputados e substituído por uma proposta encaminhada pelo Poder Executivo, em agosto. Por ter origem no Poder Executivo e conter mudanças do relator Geninho Zuliani (DEM-SP), a palavra final é da Câmara dos Deputados.

Desde o início do ano, o Senado já chegou a discutir o projeto da Câmara por três meses e fez 20 audiências a respeito dele, contabiliza a casa. Para facilitar a tramitação, o relator, senador Tasso Jereissati, sugeriu a manutenção do texto enviado pela Câmara, abrindo mão de mudanças. A intenção é agilizar o processo ao evitar alterações e ele precise retornar à Câmara para nova análise dos deputados.

Mas alguns partidos prometem resistir. Um dos pontos mais polêmicos - desde sempre - é o que permite a entrada do setor privado no saneamento. Pelo projeto, os municípios terão que fazer licitações para definir qual empresa, seja ela pública ou privada, será responsável pelo serviço de saneamento. Os acordos em vigor serão mantidos até março de 2022. A partir daí, poderão ser prorrogados por 30 anos, desde que as empresas comprovem viabilidade econômico-financeira e o cumprimento de metas. As empresas devem garantir cobertura de 99% para o fornecimento de água potável e de 90% para coleta e tratamento de esgoto até 2033. Estados e municípios poderão contratar serviços de forma coletiva, condição estabelecida para resolver o problema de cidades cujo porte pode não ser suficiente para atrair interessados para a licitação. A adesão é voluntária.

A Agência Nacional de Águas (ANA) vai regular o saneamento básico e poderá oferecer ajuda técnica e financeira para municípios e blocos deles implementarem seus planos para a área. O apoio estará condicionado a regras como a adesão ao sistema de prestação regionalizada e à substituição dos contratos vigentes, em troca de licitação.

O projeto de lei prevê que famílias de baixa renda poderão receber subsídios para cobrir os custos do fornecimento dos serviços de saneamento e conexão grátis à rede de esgoto para contornar o problema das que não fazem a ligação para não gastar e seguem usando fossas ou despejando o esgoto em rios e córregos. Foram fixados novos prazos para o fim dos lixões a céu aberto.

Com a limitação fiscal dos Estados, municípios e da União, o novo marco regulatório do saneamento indica a solução possível para resolver uma questão que se tornou ainda mais vital com a pandemia. A OMS estima que anualmente 15 mil pessoas morrem e 350 mil são internadas no Brasil todos os anos devido a doenças ligadas à precariedade do saneamento básico. Segundo o organismo, a cada R$ 1 investido em saneamento, economiza-se R$ 4 em gastos com saúde.

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