- O Globo
Será Wassef o Queiroz do futuro?
Quem ouvir o senador Flávio Bolsonaro terá de repente a impressão de que nunca foi deputado estadual e de que o gabinete na Alerj era de Fabrício Queiroz. Não era; isto embora — justiça seja feita — fosse mesmo o ex-policial quem trabalhasse à vera ali. Nada a ver com a atividade parlamentar.
Quem ouvir, nos próximos dias, a família Bolsonaro terá de repente a impressão de que o destituído Frederik Wassef nunca foi advogado de Flávio e Jair Bolsonaro, e de que sua presença nos palácios onde mora e trabalha o presidente da República jamais houve. Houve; isto embora — justiça seja feita — nada de errado haja em cliente se reunir com defensor, tanto mais sendo este um amigo daquele.
Junta-se o útil ao agradável; assim se ergueu o patrimonialismo neste país.
O destino já uniu Queiroz e Wassef, o novo ex. Tudo a ver com o fato de este ter escondido aquele. Será Wassef o Queiroz do futuro? E quem seria, no caso, o Wassef de Wassef? Wassef deseja saber. Como Queiroz no passado, o advogado manda recados. Não quer ser abandonado. Teria até celular exclusivo para contatos com a família. Verbaliza mesmo a fé — pura mensagem — de que armariam contra ele para atingir o presidente. A acusação de armadilha é gentileza para com Bolsonaro; mas não turva a clareza da missiva: “eu sou você”.
Funcionou com Queiroz — logo lhe apareceu o anjo. Quem será o anjo de um anjo falador que — debatendo-se contra o fado — não parece ter vocação para Queiroz?
Seria mesmo Wassef o anjo de Queiroz?
Queiroz não foi descoberta de Flávio; uma aquisição sua para a gestão, em dinheiro vivo, do gabinete. Não. Queiroz, amigo de Jair desde que 01 era guri, foi designado pelo pai — que sempre dispôs dos mandatos dos filhos como extensões do seu. Queiroz é tanto Jair Bolsonaro quanto Flávio é Jair Bolsonaro.
Wassef tampouco foi descoberta de Flávio; uma revelação sua para a defesa judicial da família. Não. Wassef foi designado pelo pai para a defesa do clã — e ora reivindica ser Jair tanto quanto Queiroz é Jair. Intui que será investigado. A fotografia captura flagrante comprometedor: o então advogado de Flávio guardando em casa, homiziado, um outro investigado no inquérito, cuja detenção preventiva impôs-se por estar ele, desde o covil, movendo-se para obstruir a Justiça.
Isto mesmo: Wassef, defensor de Flávio até ontem, abrigava Queiroz — operador num esquema de corrupção no gabinete de seu cliente — enquanto o abrigado cuidava de interferir para dirigir testemunhas; nenhuma delas maior do que a mãe do miliciano Adriano da Nóbrega.
A senhora Raimunda Veras Magalhães esteve — longamente, assim como a nora — na folha de pagamento do gabinete; e sua movimentação em espécie é capítulo à parte. É quando entra na equação a mulher de Queiroz, Márcia Oliveira de Aguiar, ora foragida, talvez a principal agente no esforço para lesar as investigações, possivelmente incumbida de comandar o silêncio dos que compunham a vertente miliciana em que também se investiria o dinheiro amealhado por aquele modelo de rachadinha.
Lembremos. No único depoimento que deu ao MP, em fevereiro de 2019, Queiroz admitiu que o sistema de rachadinha era regra no escritório de Flávio. Apresentou, porém, ressalva que supunha atenuante: os recursos colhidos ali não iriam para o bolso do chefe, mas para um caixa paralelo destinado a ampliar, informalmente, o número de colaboradores do mandato. Ao serem contratados, os assessores eram informados de que teriam de dar parte da remuneração para sustentar aquela expansão. Tudo pago por fora — num exercício que chamou de “desconcentração de remuneração” e que seria desconhecida pelo deputado.
Com Queiroz preso, será natural que os investigadores lhe cobrem a lista desses auxiliares informais — e quanto ganhavam. Isto porque, em face do volume girado no esquema, ainda que gabinete estendido houvesse, seria algo marginal; e o MP tem como norte que esse programa de rachadinha alimentaria — aí, sim — uma indústria de lavagem de dinheiro por meio sobretudo de operações imobiliárias, entre as quais estariam contidos investimentos no ramo empreiteiro das milícias.
Exatamente: o dinheiro daquele caixa paralelo seria destinado também a financiar construções ilegais de prédios em localidades como a Muzema — ali onde dois edifícios irregulares caíram em 2019.
Rachadinha é recurso delinquente comum em legislativos Brasil adentro — já dizem os passapanistas para relativizar o crime. A prática, no entanto, agrava-se quando se questiona com que frequência terá servido para financiar a atividade econômica de milícias. Essa é, aliás, a razão por que sou cético acerca da possibilidade de Queiroz delatar. Para quê? Qual vantagem teria? Ou não será o delator aquele que entrega outrem em busca de se safar? E que alívio teria em liberdade aquele que delata uma organização criminosa conhecida por ter mui eficiente esquadrão da morte?
Haja anjo.
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