Séria,
sabatina no Senado deve ser capaz de confirmar se Kassio Nunes Marques preenche
requisitos para ser ministro do STF.
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado deve sabatinar amanhã o desembargador Kassio Nunes Marques, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) com a aposentadoria do ministro Celso de Mello. Depois da análise pela CCJ, cabe ao plenário do Senado decidir sobre o nome indicado. A aprovação requer maioria absoluta dos senadores.
Em
respeito à Constituição, todo o procedimento no Senado relativo à escolha de um
novo ministro do STF deve ser cumprido de forma absolutamente rigorosa. Os
acertos políticos devem dar espaço a uma análise serena e conscienciosa pelos
membros da CCJ e, depois, pelo plenário do Senado. Em vez de conveniências
político-partidárias, o que deve orientar a sabatina é a responsabilidade de
atestar o cumprimento dos requisitos constitucionais para o Supremo.
As
condições são claras: notável saber jurídico e reputação ilibada. Não são
requisitos abstratos ou de difícil aferição. Por exemplo, o texto
constitucional exige que o saber jurídico do indicado seja facilmente percebido
por todos. Se há alguma dúvida a respeito do grau de conhecimento jurídico do
indicado, o requisito constitucional não está preenchido.
O
mesmo ocorre com a reputação ilibada. A Constituição exige que os cidadãos
escolhidos para compor a mais alta Corte do País tenham reputação “límpida,
intacta, sem mancha, sem sombra, sem nenhuma suspeita”, como se escreveu neste
espaço. Vale lembrar que a sabatina no Senado não é o julgamento de uma ação
penal, como se eventual dúvida relativa à sua reputação devesse favorecer a
aprovação do nome indicado, numa espécie de in dubio pro reo.
A
Constituição prevê uma lógica diferente. Havendo dúvida sobre o conhecimento
jurídico ou a reputação da pessoa indicada, seu nome deve ser rejeitado – e
isso não é nenhum demérito, pois a rigor não existe postulante à vaga. Como
escreveu, em dezembro de 1992, o ministro do STF Paulo Brossard ao então presidente
da República Itamar Franco, “é preciso não esquecer que ninguém, por mais
eminente que seja, tem direito de postular o cargo (de ministro do Supremo),
que não se pleiteia, e aquele que o fizer, a ele se descredencia”.
Se
o Senado deve sempre realizar a sabatina dos indicados ao Supremo de modo
criterioso, a análise do nome indicado pelo presidente Jair Bolsonaro requer
especial cuidado. Em primeiro lugar, porque o próprio presidente da República
tem dito que, na definição do nome a ser indicado ao Supremo, usou critérios
muito diferentes dos previstos na Constituição. “Kassio Nunes já tomou muita
tubaína comigo. (...) A questão de amizade é importante, né? O convívio da
gente”, disse Jair Bolsonaro numa live.
Sem
maiores pudores, o presidente Bolsonaro admite que deseja se valer do poder de
indicar novos ministros do Supremo para colocar amigos na Corte – e que, uma
vez lá dentro, eles continuem atuando como amigos e defensores de seus
interesses. Mais do que magistrados, Jair Bolsonaro almeja aliados – se
possível, vassalos – do governo dentro do STF. Logicamente, o Senado não pode
ser conivente com essa declarada tentativa de subjugar o Supremo a interesses
subalternos.
Além
disso, vieram a público inconsistências no currículo de Kassio Nunes Marques. A
sabatina não é uma prova de títulos, mas é uma avaliação sobre a reputação da
pessoa indicada. Como dispõe a Constituição, não cabem inconsistências na vida
de um ministro do Supremo.
No
relatório apresentado à CCJ, o senador Eduardo Braga (MDB-AM) minimizou as
questões curriculares. Teria sido tão somente “uma confusão semântica”, bem
como “uma suposta sobreposição cronológica nos cursos que frequentou”. Que o
Senado não minimize sua responsabilidade constitucional na sabatina. Poucos
atos da vida pública têm tantos e tão duradouros efeitos sobre a vida dos
brasileiros e o funcionamento do Estado como a nomeação de um novo ministro do
STF. Não cabe aprovação automática. Séria, a sabatina deve ser capaz de
confirmar, longe das margens da dúvida, que o interessado preenche os
requisitos constitucionais.
Avançando no nevoeiro – Opinião | O Estado de S. Paulo
Retomada
continua, mas desemprego e incerteza atrapalham o ritmo da atividade
Com expansão de 2,2%, a economia continuou a recuperar-se em agosto, mas em ritmo mais lento que nos dois meses anteriores, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Depois do desastre de março e abril, o Produto Interno Bruto (PIB), dinamizado pelo consumo das famílias, cresceu 0,7% em maio, 4,6% em junho e 2,4% em julho, de acordo com o Monitor do PIB-FGV. Comércio varejista e indústria seguem avançando mais rapidamente que o setor de serviços, o mais prejudicado pelo distanciamento social. “Certamente a incerteza quanto ao futuro da pandemia inibe uma recuperação mais robusta de todas as atividades”, comentou o responsável pelo estudo, o economista Claudio Considera.
A
pandemia ainda é um importante fator de incerteza, mas outras dúvidas também
alimentam, hoje, a insegurança quanto à evolução da economia. Sondagem prévia
da FGV com dados obtidos até a semana passada mostrou empresários e
consumidores menos confiantes do que no fim de setembro. O ministro da Economia
e seus assessores deveriam dar atenção a essas informações, mas talvez estejam
sem tempo para isso. Andam muito ocupados com as confusões criadas pelo
Executivo e pela base aliada. Nem sequer o Orçamento de 2021 é assunto
pacificado.
O
Índice de Confiança Empresarial diminuiu 1,1 ponto e caiu para 96,4, derrubado
pelos empresários de comércio, serviços e construção. Os dirigentes da
indústria de transformação continuaram apostando na melhora. O Índice de
Confiança do Consumidor (ICC) baixou para 79,5 pontos, com recuo de 3,9. A
linha 100 delimita os territórios negativo e positivo. Só a indústria, com 112
pontos, está na área positiva.
“O
nível de confiança muito baixo dos consumidores decorre em grande medida da
preocupação com o mercado de trabalho, a aceleração recente dos preços dos
alimentos e da incerteza com a pandemia e com o fim do período dos benefícios
emergenciais”, disse a coordenadora das sondagens, Viviane Seda Bittencourt. “O
descolamento entre a confiança de empresários e a dos consumidores é o maior
desde 2010”, acrescentou.
Se
os consumidores estão de fato preocupados com o mercado de trabalho, têm
motivos muito fortes para isso. Catorze milhões de pessoas, 14,4% da força de
trabalho, estavam desempregadas na quarta semana de setembro. Foi a maior taxa
desde a primeira semana de maio. Com alguma oscilação, a porcentagem dos
desocupados cresceu enquanto a atividade se recuperava depois da grande queda
de abril. Negócios e emprego seguiram trajetórias divergentes nesse período.
Embora vendas e produção tenham crescido, a porcentagem dos desocupados
continuou em alta, assim como o contingente dos trabalhadores subutilizados –
mais de 30 milhões, pelos últimos levantamentos.
A
perda de ritmo assinalada pelo Monitor do PIB seria menos preocupante
– talvez pouco preocupante – em outro cenário de emprego e de incerteza. O
aumento de confiança observado em setembro já se esvaiu, em boa parte, em
vários setores, segundo a FGV. Além disso, as condições do mercado de trabalho
continuaram muito ruins.
Essas
condições podem melhorar com as contratações de fim de ano, mas nada permite
esperar recuperação continuada em 2021. O emprego normalmente diminui em cada
começo de ano, mas em tempos melhores a queda é suave e a reação é rápida.
De
toda forma, o Monitor mostrou o crescimento persistente em agosto,
com o PIB mensal 2,2% maior que o de julho e 4,9% menor que o de um ano antes.
A comparação com igual mês de 2019 foi menos negativa que em maio e junho e
também esse ponto é animador. No trimestre até agosto o consumo familiar foi
6,7% menor que o de igual período do ano passado, mas também nesse tipo de
comparação houve melhora.
O
investimento produtivo, medido como formação bruta de capital fixo, continuou,
como era previsível, muito baixo. O valor registrado no período junho-agosto
foi 4,2% menor que o de um ano antes, principalmente por causa do recuo nas
compras de máquinas e equipamentos. O efeito será notado no médio prazo, no
potencial de crescimento.
O domínio das milícias – Opinião | O Estado de S. Paulo
Ainda
não somos a Colômbia, mas exemplo do Rio mostra o caminho mais curto para
chegar lá
A Polícia Civil do Rio de Janeiro criou há duas semanas uma força-tarefa para tentar impedir que milícias intimidem candidatos e eleitores e, assim, influenciem o resultado das eleições para a prefeitura e a Câmara dos Vereadores. É uma medida de extrema importância, pois não há democracia onde não há eleições livres e com condições de igualdade entre candidatos. Aparentemente, contudo, o aparato estatal de segurança e de aplicação da lei chegou tarde: pesquisa realizada por diversos centros acadêmicos especializados em criminalidade informa que mais da metade do território carioca já está sob domínio dos grupos paramilitares.
O
estudo intitulado Mapa dos Grupos Armados do Rio de Janeiro, resultado de
parceria entre grupos de estudo da Universidade Federal Fluminense e da
Universidade de São Paulo, além de plataformas que agregam dados sobre
violência armada, mostra que 55,7% da cidade é controlada pelas milícias.
O
mesmo estudo indica que outros 15,4% do território são dominados por facções de
narcotraficantes. Há ainda 25,2% que estão sob disputa de milícias e facções.
Apenas 1,9% da cidade do Rio de Janeiro não tem a presença de nenhum desses
grupos do crime organizado.
É
um cenário alarmante. A segunda maior metrópole do País, antiga capital da
República, está hoje quase completamente tomada por bandos criminosos, que
submetem os cidadãos a todo tipo de violência e, na base da intimidação,
constroem sólida rede de poder.
O
Estado se ausentou há tanto tempo das áreas periféricas e dos morros do Rio de
Janeiro que a expansão da estrutura criminosa naquelas localidades chega a ser
uma consequência natural. Mas quando se constata que quase não há lugar do Rio
de Janeiro livre de milicianos e narcotraficantes, conclui-se que tal situação
decerto não é fruto apenas da omissão do Estado, mas da colaboração ativa de
parte de seus agentes e representantes com o crime organizado.
Em
2009 – há mais de uma década, portanto –, a Polícia Civil do Rio anunciava a
criação de um grupo de trabalho para aperfeiçoar as investigações sobre os
crimes cometidos pelas milícias. Pelo que se observa do estudo sobre o domínio
do crime organizado na região metropolitana do Rio, esse esforço foi, no
mínimo, insuficiente.
A
pesquisa mostra que 33,1% da população da cidade do Rio está em regiões em que
as milícias atuam. Já as áreas controladas pelo tráfico de drogas concentram
24% dos cariocas. Outros 41,4% estão em regiões disputadas por narcotraficantes
e milicianos. Somente 1,5% dos cariocas são cidadãos plenos – isto é, são
livres para fazer suas escolhas e não estão submetidos a um poder paralelo,
para o qual as leis que regem a vida numa democracia não valem e as diferenças
são resolvidas em geral à bala.
A
consolidação desse imenso domínio passa necessariamente pela conquista do poder
político. Já se sabe que os grupos paramilitares lançaram seus candidatos a
cargos eletivos, vários dos quais sob a bandeira da segurança pública. Muitos
são policiais, tanto aposentados como da ativa, que prometem justamente
combater o narcotráfico, o que configura um inegável apelo político-eleitoral
para uma sociedade assustada com a violência.
O
financiamento desses grupos vem sobretudo da extorsão, ao estilo da Cosa Nostra
siciliana. Nas áreas sob seu domínio, cobram dos moradores taxas sobre o fornecimento
ilegal de serviços como TV a cabo, água, luz, transporte e segurança. De uns
tempos para cá, os milicianos entraram também no ramo imobiliário, por meio de
grilagem e construção de prédios em áreas irregulares.
Esse
domínio territorial, paralelo à conquista do poder político, ameaça alijar de
vez o Estado de parte significativa de uma das principais cidades do País. É
bom lembrar que foi assim que a Colômbia se transformou em terra de ninguém,
entregue até recentemente a cartéis de drogas, a narcoguerrilhas e a grupos
paramilitares. Ainda não somos a Colômbia, é claro, mas o exemplo do Rio de
Janeiro mostra qual é o caminho mais curto para chegar lá.
5G sem ideologia – Opinião | Folha de S. Paulo
Brasil
deve privilegiar eficiência diante de nova revolução nas comunicações
O
Brasil anda a passos lentos no rumo de uma economia de mercado funcional, em
que exista liberdade de empreender, condições equânimes de competição e,
portanto, decisões de investimento orientadas pela eficiência. O avanço é
lento, a expansão da produtividade é baixa e, como se não bastasse, há quem
queira minar tais esforços.
Ao
ameaçar intervir no mercado de equipamentos de telecomunicação de 5G, o governo
de Jair Bolsonaro quer submeter decisões pautadas pela lógica da eficácia por
razões ditas de Estado ou segurança nacional —sem que se vejam até aqui motivos
para tanto.
“Quem
vai decidir 5G sou eu. Não é terceiro, ninguém dando palpite por aí, não”,
disse o presidente, em 3 de setembro. Tratava-se, ao que parece, de reação à
desenvoltura com que o vice-presidente, general Hamilton Mourão, pronunciara-se
sobre o tema na véspera.
Qualquer
que fosse o motivo, a bravata embute uma sinalização das mais preocupantes. O
país, afinal, dispõe de uma Agênca Nacional de Telecomunicações (Anatel), à
qual cabe o papel de regular o setor com autonomia em relação ao governante de
turno.
Em
conflito econômico, tecnológico e diplomático com a China, os Estados Unidos
fazem pressão brutal para barrar o
acesso das empresas chinesas aos mercados. Japão, Reino Unido e
França, na prática, barraram a Huawei do 5G, e a Alemanha estuda medidas que
devem inviabilizá-la no país.
O
Brasil está, assim, no meio de uma disputa entre um tradicional aliado, os EUA,
e o maior parceiro comercial, o gigante asiático.
A
postura deve ser de pragmatismo, levando em conta os interesses da economia e
dos consumidores brasileiros. A busca deve ser pela combinação ótima de melhor
tecnologia e menores custos, evitando a todo custo o atraso em mais uma
revolução iminente no setor de telecomunicações.
O
interesse estratégico a ser levado em conta é o do desenvolvimento de um
mercado aberto, de regras previsíveis e impessoais, favorável ao investimento.
Parece óbvio, mas é algo que o país demonstra histórica dificuldade em
compreender e colocar em prática.
Até a aposentadoria – Opinião | Folha de S. Paulo
Permanência
longa no STF ajuda a conferir independência aos seus integrantes
A
sempre citada frase de Winston Churchill sobre a democracia, de que é o pior
sistema de governo excetuados os demais, vale também, adaptada, para qualificar
o modo de nomear juízes para as cortes superiores em repúblicas como a
norte-americana e a brasileira.
Lá,
como cá, os magistrados do tribunal constitucional são indicados pelo
presidente, mas admitidos ao posto apenas se endossados pela maioria dos
senadores. Nos dois modelos, o mandato se estende até a velhice. Nos EUA,
termina com a morte; no Brasil, com a aposentadoria compulsória aos 75 anos.
Como
tudo em política, o mecanismo tem pontos fracos. Privilegia o presidente da
República no ato da escolha e alonga a permanência de juízes tecnicamente
ruins.
Por
isso amiúde surgem propostas de
reformar o instituto, como a do senador Lasier Martins (Podemos-RS),
que fixa em dez anos não renováveis o mandato no STF. A amplitude da escolha do
chefe de Estado também seria reduzida: teria de indicar ao Senado um dos
integrantes de lista tríplice elaborada por um colegiado de chefes de
tribunais, da Procuradoria e da Ordem dos Advogados do Brasil.
Aproveitando-se
da iminente
sabatina de Kassio Nunes, um grupo de senadores tenta fazer o
projeto sair da estaca zero. Os benefícios da mudança, contudo, estão muito
longe de superar os seus custos.
A
garantia do exercício até a aposentadoria já funciona como limitador
relativamente eficaz da influência político-partidária.
Uma
vez empossado, o juiz do STF não depende de padrinhos para manter-se na corte.
Esse fato foi demonstrado reiteradamente nos últimos anos, com ministros
frustrando, inclusive na esfera penal, interesses de quem os nomeou.
O
incentivo à independência não será o mesmo se a permanência se reduzir a dez
anos. O magistrado preocupado com o que vai fazer no futuro próximo pode ser
tentado a usar o seu enorme poder temporário para favorecer um grupo político
ou potenciais empregadores.
O
sistema atual também contém antídotos seja contra o protagonismo excessivo do
presidente da República na indicação, seja contra a baixa qualidade dos
escolhidos.
Basta
que o crivo prescrito na lei, a cargo da sociedade e sobretudo de seus
representantes no Senado, seja exercido com obstinação. É desnecessário
adicionar corporativismo à receita, o que seria certo numa lista confeccionada
por autoridades que não foram eleitas.
Boas
democracias não mudam instituições ao sabor dos ventos. Insistem para que a
virtude dos códigos se consubstancie na prática.
Sabatina de Kassio precisa ser para valer – Opinião | O Globo
Só
um escrutínio sério permitirá a nomeação de alguém qualificado para o cargo de
ministro do STF
Não
deverá haver surpresa na sabatina que a Comissão de Constituição e Justiça
(CCJ) do Senado fará amanhã do desembargador Kassio Marques, indicado do
presidente Bolsonaro para a vaga do ministro Celso de Mello no Supremo Tribunal
Federal (STF).
É
praticamente certa a aprovação pelo plenário da Casa, com o apoio de ao menos
44 dos 81 senadores, três a mais do que o necessário, segundo levantamento da
“Folha de S.Paulo”. Trata-se de mais uma demonstração de como Brasília é uma
cidade distante do Brasil.
Nessas
horas, valem mais os acordões brasilienses que a biografia do indicado. A
costura em torno de Kassio une esquerda e direita de todos os matizes. PT e a
esquerda veem nele mais um voto contra tudo o que lembre a Lava-Jato, embora muitos
senadores neguem a motivação. A direita em torno de Bolsonaro também partilha o
mesmo desejo de esconjurar o tal “lava-jatismo”. Para não falar no Centrão, a
cuja articulação se atribui a indicação do desembargador piauiense.
O
Senado caminha, portanto, para mais uma vez não levar a sério sua função de
escrutinador de indicados ao Supremo. Fora as acusações de plágio e manipulação
do currículo, não faltam perguntas pertinentes a fazer ao indicado. Qual sua
posição acerca da prisão em segunda instância ou das delações premiadas? Que
tem ele a dizer a respeito da liberdade de expressão nas redes sociais e do uso
delas para atingir adversários políticos com fake news? Ou da profusão de
decisões monocráticas dos ministros? Qual sua opinião sobre homofobia e
liberdade religiosa? Descriminalização da maconha ou aborto? Ele se sente
impedido para atuar nos inquéritos envolvendo o senador Flávio Bolsonaro, dado
que sua indicação, pelo que consta, passou por ele e pelo advogado Frederick
Wassef?
Nada
muito diferente do que vem sendo feito no Senado americano, onde a juíza Amy
Coney Barrett, indicada para a Suprema Corte pelo presidente Trump, tem sido
submetida a sessões exaustivas nos últimos dias. Não se trata de impor
restrições de ordem ideológica. Todo presidente tem direito de indicar alguém
com quem tenha afinidade. Mas é preciso que a indicação seja qualificada. Por
isso, juízes indicados por democratas ou republicanos podem não escapar de
críticas de cunho político, mas há muito não consta registro de reparos
técnicos.
Não
é à toa que, dos 163 indicados à Suprema Corte americana desde 1789, 39 não
tenham sido aprovados, enquanto, no Brasil, de 168 indicações anteriores ao
STF, apenas cinco não superaram a sabatina, todas no governo Floriano Peixoto
(1891-1894). Faz 126 anos que o Senado não reprova um indicado. O método
desleixado e irresponsável está em vigor desde então. Para acabar com ele, os
senadores têm obrigação de submeter Kassio amanhã a uma sabatina para valer, do
contrário estará a pairar sobre todos o espectro do “acordão”.
Piora nos indicadores de violência reflete escolhas políticas erradas – Opinião | O Globo
Números
flutuam ao sabor dos interesses corporativos da polícia e da disputa entre
facções criminosas
A
alta nas mortes violentas constatada nos números divulgados ontem pelo Fórum
Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) serve de alerta. Depois de queda
expressiva em 2018 e 2019, os indicadores voltaram a subir em plena pandemia. A
violência cresceu em 21 dos 27 estados, em particular no Nordeste, onde fora
registrada a maior queda no ano anterior.
Diante
de tais fatos, costuma haver duas explicações. A primeira, ligada a fatores
sociais (como proporção de jovens, grupo com maior propensão à violência) ou
econômicos (fim da recessão na queda, nova crise na pandemia). A segunda,
associada à dinâmica do conflito entre facções criminosas. Cresce o morticínio
quando há disputa por território, cai na consolidação.
Um
terceiro fator ajuda a entender o que aconteceu nos quatro estados que
registraram maior piora: Ceará, Maranhão, Espírito Santo e Paraíba. Em todos,
houve conflito político entre as forças de segurança e os governos. O melhor
exemplo é o Ceará, palco do motim policial em fevereiro, que deixou a população
desprotegida, à mercê de gangues de bandidos ou policiais mascarados. Os
homicídios cearenses quase dobraram no primeiro semestre.
Onde
a disputa territorial arrefeceu, em compensação, as mortes violentas caíram. É
essa a explicação mais plausível para a melhora no Pará e no Rio, estados com
ação organizada de milícias. De acordo com uma pesquisa do Núcleo de Estudos sobre
Violência da USP, elas já controlam 57% da capital fluminense. “Não é paz, é
imposição do terror, do controle territorial”, diz Renato Sérgio de Lima,
diretor-presidente do FBSP. “Milícia sufoca até o registro do crime.”
A
letalidade policial atingiu em 2019 o maior patamar na série histórica,
respondendo por 13% das mortes violentas no país. O Rio foi responsável por 28%
das mortes pela polícia, que representaram 30% das mortes intencionais no
estado. Não se trata de algo inevitável, mas de uma opção política ligada a
interesses eleitorais. Não necessariamente ideológicos. No Distrito Federal, um
governo conservador tem obtido bons indicadores apostando em investigação,
perícia e combate à corrupção policial.
O
relaxamento nos controles de armas é inequívoco. Nem aquelas em poder da
polícia estão todas cadastradas nos sistemas do governo. Em um ano, houve alta
de 120% nos registros de armas de fogo por colecionadores, caçadores e
amadores. Seria prematuro estabelecer qualquer relação entre esforços para
burlar o Estatuto do Desarmamento, com anuência do governo, e a piora nos
indicadores de violência. Mas, pelo visto, armar-se mais não tem contribuído em
nada para garantir maior segurança da população.
Herança desafiadora aguarda os futuros prefeitos – Opinião | Valor Econômico
Prática
de jogar as despesas para o ano seguinte é disseminada
A
menos de um mês das eleições municipais é possível ter uma ideia das
dificuldades fiscais que os futuros prefeitos vão herdar ao assumir o comando
das cidades assoladas pela pandemia. O aumento das despesas com saúde e
assistência social e a profunda queda das receitas abalaram as finanças
municipais, que já não estavam lá essas coisas.
Os
gastos com saúde que correspondem em média a um quarto do total dispendido
pelas prefeituras, puxaram as despesas totais, segundo dados do anuário “Multi
Cidades”, elaborado pela Frente Nacional de Prefeitos (FNP), que cobre o
primeiro semestre (Valor, 15/10). Enquanto as despesas totais aumentaram 4% em
termos reais nos primeiros seis meses do ano, em comparação com o mesmo período
de 2019, apenas as relacionadas à saúde saltaram 11,5%.
O
efeito da pandemia do novo coronavírus fica evidente quando se examinam os
dados ao longo do tempo: o crescimento real das despesas com saúde saiu de 3,2%
no primeiro bimestre na comparação com o mesmo período de 2019, para 13,9% na
mesma base de comparação em relação ao segundo bimestre e para 15,8% no terceiro.
Pelo mesmo motivo, os gastos com assistência social também cresceram, 6,5% no
semestre. Para se comparar, outra despesa elevada, que é a de pessoal e
representa quase a metade dos gastos totais, subiu 3,4%.
Outro
alívio veio da suspensão do pagamento da dívida que resultou em redução real de
10,8% na despesa com juros e amortização no primeiro semestre em comparação com
o mesmo período de 2019. O fechamento das escolas conteve em 3,8% o crescimento
em termos reais dos gastos municipais com educação.
As
receitas minguaram e o resultado só não foi catastrófico por conta da ajuda
federal. Levando em conta o socorro da União, a arrecadação própria e
transferências, as receitas dos municípios aumentaram 2,2% no semestre. A queda
do nível de atividades causada pelo isolamento social teve forte impacto na
arrecadação de impostos. Um dos mais afetados foi o ISS, aplicado sobre os
serviços, uma das principais fontes de receita dos municípios. A queda real na
arrecadação de ISS foi de 5,2% no semestre, na comparação com o mesmo período
de 2019, sendo que apenas no segundo trimestre o baque foi de 16,8%. Em valor,
a perda atingiu R$ 2,13 bilhões em comparação com o mesmo período de 2019.
Outros tributos municipais como IPVA e IPTU caíram.
Houve
perda também na receita do ICMS, tributo estadual que tem 25% do total
arrecadado canalizado para os municípios. Apesar de a arrecadação ter melhorado
com a liberação do auxílio emergencial e a flexibilização do isolamento social,
o balanço semestral apurado pelo anuário Multi Cidades registrou queda real de
4,1% na arrecadação do ICMS distribuído aos municípios no primeiro semestre em
junho, revertendo três anos de altas consecutivas. A perda foi de R$ 2,4
bilhões e um terço ficou concentrada nos municípios com mais de 500 mil habitantes.
Os
números põem em evidência a importância da ajuda federal aos municípios, embora
os prefeitos queixem-se da demora na liberação dos repasses. Os pouco mais de
R$ 42 bilhões canalizados para as cidades foram liberados entre julho a
setembro, sendo que a demanda por serviços, começou já em março e se estendeu
por abril e maio, com a montagem dos hospitais de campanha e reforço dos
equipamentos das unidades existentes.
A
pressão sobre os cofres municipais vai continuar forte nos primeiros anos de mandato
dos futuros prefeitos. Se no lado da receita a arrecadação deve demorar a
voltar aos níveis anteriores à pandemia, acompanhando o ritmo incerto da
economia, do lado das despesas os gastos devem ser pressionados pela maior
demanda por serviços públicos, principalmente de saúde e educação. Nas grandes
cidades, o financiamento do transporte público já virou uma fonte de
preocupação que deve se estender às novas administrações.
Antes da pandemia, 75% dos municípios tinham situação fiscal considerada crítica. Quase 35% deles não se sustentavam nem tinham recursos inclusive para custear a Câmara de Vereadores e a estrutura administrativa da cidade. A prática de jogar as despesas para o ano seguinte é disseminada. Entram e saem os prefeitos e a redistribuição de responsabilidades e receitas entre os entes da federação segue intacta na pauta.
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