terça-feira, 20 de outubro de 2020

Míriam Leitão - Ministro para sete mandatos

- O Globo

A senadora Simone Tebet (MDB-MS) presidirá amanhã na CCJ a sessão de sabatina do indicado para ser ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Ela nega que vá ser apenas um rito pró-forma, mas admite que no Brasil o interrogatório do candidato é curto. Contudo, acha que não é esse o problema e defende uma mudança na Constituição para alterar a maneira como é escolhido o ministro do Supremo e seu tempo de permanência.

— O maior problema é constitucional, é preciso mudar a forma de indicar os ministros. É muito poder na mão de um presidente. E mudar a vitaliciedade. Melhor seria um período fixo, de 10 anos, com quarentena de cinco anos para se candidatar a qualquer cargo público — disse a senadora.

Essa é uma discussão que vem de algum tempo no Senado, mas a senadora reforça o ponto de que não é por ser o atual presidente. Ela explicou que, se for aprovada, a PEC só valerá no ano seguinte à aprovação. Como não seria votada este ano, mas apenas em 2021, valerá em 2022, quando Bolsonaro já terá feito as duas escolhas do seu mandato.

O debate vem do fato de que há muitas formas de se organizar em países democráticos o poder de escolha e o tempo de permanência de ministros da suprema corte. Há países em que os ministros têm mandatos fixos. Na Alemanha, são 12 anos, mas com limite de 68 anos. Na França, são nove anos. Nos EUA é vitalício mesmo. No Brasil, até 75 anos, o que é um tempo que permitirá, por exemplo, o desembargador Kássio Nunes ficar até 2047. Ele sairá no sétimo mandato após o presidente atual. É poder demais de quem escolhe, é excessivo o tempo de quem é escolhido, e o Senado para piorar aprova tudo que chega lá.

Uma PEC de 2015 de autoria do senador Lasier Martins (Podemos-RS) tentando alterar esse sistema tramitou no Congresso por algum tempo e foi retomada no ano passado. A PEC estabelecia o período de dez anos e foi votada na CCJ.

— Inclusive eu votei favorável, foi relatada pelo senador Antonio Anastasia (PSD-MG). A primeira mudança era dar ao presidente uma lista tríplice, com um indicado pelo próprio Supremo, outro pela PGR e outro pela OAB. Haveria um juiz, um procurador e um advogado, e o presidente escolheria e enviaria para o Senado.

Em 2016 foi aprovada na CCJ, mas em 2018 foi arquivada ao fim da legislatura. No início de 2019 houve um pedido para desarquivar e foi de novo para a CCJ.

— No mesmo momento em que cheguei aqui eu entreguei ao relator original, o senador Anastasia. Mas havia outras prioridades naquele momento, como o pacote anticrime e a discussão da segunda instância. Este ano veio a pandemia — explicou a senadora.

Seja como for, é necessário, mesmo que o presidente não fosse Bolsonaro com seus estranhos motivos de escolha. Os critérios de Bolsonaro vão do hábito tubaína ou de ser ou não terrivelmente evangélico. “Tinha uns 10 currículos na minha mesa, eu ia optar por um. Eu até falei: olha esse cara tem que tomar uma cerveja comigo ou tubaína. Eu não vou indicar um cara só pelo currículo. Ele tem que ter afinidade comigo, através da tubaína ou coca-cola”, argumentou o presidente.

Pode haver muito debate sobre tudo isso e sua implicação em escolhas de outros tribunais, mas o fato é que uma pessoa escolhida quando jovem pode ficar 30 anos no cargo com poderes que aumentaram nos últimos anos. Se é um bom ministro, o tempo pode não parecer longo, se é uma má escolha — e disso há exemplo inclusive no STF de hoje — o país precisa carregar por tempo excessivo.

O debate é por que o Senado não exerce seus poderes constitucionais e barra quando é inconveniente, quando há riscos na indicação para além de questões meramente subjetivas? O regimento interno do Senado prevê um trâmite célere, muito mais do que nos Estados Unidos, onde se vê agora o absurdo de uma indicação extemporânea. Aqui, a sabatina deve ser na quarta-feira e em seguida pode ir para o plenário. Muito provavelmente esta semana termina com Kássio Nunes Marques sendo aprovado ministro do STF. Entre as várias perguntas que ele precisa responder com sinceridade é quem o apresentou ao presidente Bolsonaro. Ele nega que tenha sido o encrencado advogado Frederick Wassef. Menos mal. O relatório do senador Eduardo Braga é laudatório e não ajuda em nada o processo de escolha. Mas seria bom se os senadores brasileiros exercessem o seu papel institucional de nos deixar conhecer quem foi escolhido numa roda de tubaína.

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