terça-feira, 20 de outubro de 2020

Hélio Schwartsman - O teto e o gasto

- Folha de S. Paulo

Costumamos aumentar despesa pública para resolver dificuldades políticas

Minha aposta é que o teto de gastos cairá, não necessariamente porque seja o melhor para o país, mas porque nos acostumamos a resolver dificuldades políticas aumentando a despesa pública. A carga tributária, que era de 22,4% do PIB em 1988, ano em que entrou em vigor a nova Constituição, bateu nos 33,2% em 2019. E é difícil quebrar velhos hábitos, como bem sabem os viciados.

Não é obviamente uma fórmula sustentável, mesmo porque a quantidade de demandas sociais justas que seria possível incluir no Orçamento é infinita. E, apesar do aumento de quase 11 pontos nos tributos nas últimas três décadas, não avançamos tanto na criação de uma sociedade justa. Acho que precisaremos de traumas fiscais mais fortes do que os que já tivemos para convencer as pessoas de que o equivalente econômico do moto-perpétuo não foi descoberto.

Não quero com isso afirmar que o teto seja perfeito. Limites lineares quase nunca são a solução ótima para nenhum problema, mas tampouco podemos ignorar que esse mecanismo já nos proporcionou dividendos. Ele está entre os fatores que contribuíram para a queda na taxa básica de juros. Nossa situação hoje seria substancialmente pior se a Selic estivesse acima dos 10%, como permaneceu ao longo de muitos anos.

O ponto que me parece necessário enfatizar é que o teto poderia ser uma ferramenta muito boa para aprimorarmos a qualidade do gasto público, já que ele em tese nos obriga a cancelar despesas antigas para abrigar novas. Exceto para quem acha que cada real empenhado pelo governo está sendo muito bem utilizado, essa seria uma boa oportunidade para trocar gastos de pior qualidade por programas mais eficientes —e observem que essa é uma prática que deveríamos seguir mesmo que não houvesse o teto.

No mundo desenvolvido, a avaliação de gastos pelo impacto social que ocasionam se tornou uma ciência. É uma ciência que não chegou ao Brasil.

Nenhum comentário: