Esforço fiscal adicional precisa recair sobre as classes de renda mais elevada
Neste final de 2020, as incertezas sobre a perenidade da recuperação econômica em curso nos países mais importantes do mundo voltaram a crescer com a chegada da chamada segunda onda da pandemia. Inicialmente associada ao inverno no hemisfério norte, ela atinge também países, como o Brasil, situados abaixo da linha do Equador. Um “castigo” para as sociedades que não trataram a pandemia com o devido respeito. Felizmente a vacina contra a covid-19 será uma realidade ainda no primeiro trimestre de 2021 evitando que uma segunda rodada do isolamento social jogue a economia em nova recessão. O comportamento dos mercados nos últimos dias é uma prova desta afirmação.
Conhecemos
hoje o cronograma desta batalha mortal entre o ser humano organizado em
sociedade e a natureza representada pelo vírus. Surpreendidos pela rapidez e
mortalidade com que o vírus se espalhou, os governos reagiram com as armas que
o conhecimento científico coloca à sua disposição em momentos como este. E elas
vieram tanto do campo das ciências, em especial da medicina, como da gestão da
economia. O primeiro movimento foi o de definir um protocolo multidisciplinar
de ações para enfrentar esse inimigo desconhecido e perigoso.
Gostaria
de refletir neste espaço do Valor sobre
os resultados deste protocolo na Economia, área em que me sinto profissionalmente
mais qualificado. Os economistas e governantes já viveram momentos em que novos
protocolos de ações tiveram que ser construídos para enfrentar situações
inesperadas, mas com efeitos sociais e políticos explosivos. No caso da
covid-19 os governantes foram buscar no passado ensinamentos para orientar suas
ações emergenciais. O mesmo ocorreu aqui no Brasil e, na minha opinião, foi um
dos mais exitosos e eficientes entre os que foram acionados por países
emergentes e mesmo os desenvolvidos.
O
Banco Central teve uma ação decisiva no mercado de crédito para as empresas, o
que levou a uma expansão vigorosa ao longo do ano. Da mesma forma, via Copom,
agiu rapidamente na acomodação das condições monetárias e na redução dos juros
sob seu controle direto. Paralelamente o Ministério da Economia tomou várias
medidas de expansão fiscal, tanto na ajuda financeira para Estados como para
empresas e a parcela mais vulnerável da sociedade, compensando com seus
recursos parte da brusca redução de renda criada pelo afastamento social e a
recessão que se seguiu. Os números são hoje conhecidos e chegam a mais de 10%
do PIB.
Além
destas ações institucionais, as reações de consumidores e empresas vieram em
ajuda no enfrentamento da crise. As economias de mercado têm esta capacidade de
reagir de forma espontânea quando atingidas por eventos como a chegada da
covid-19. Dois mecanismos merecem ser citados no caso do Brasil: de um lado a
reação defensiva dos consumidores à recuperação rápida da atividade econômica
sob os estímulos do governo criando um imenso pool de poupança privada
adicional e que representa uma reserva de consumo para ser utilizada no ciclo
de recuperação em 2021.
Outro
estímulo natural criado no Brasil pela reação dos mercados foi a desvalorização
de mais de 50% do real nos últimos seis meses, em um momento em que os salários
privados ficaram praticamente estáveis em função da inflação baixa e do aumento
do desemprego. Isto foi particularmente importante nos setores exportadores,
mas também ajudaram a indústria com baixa exposição aos mercados internacionais
pelo aumento de sua competitividade em relação as importações. Isto ocorre pois
a folha de salários em US$ caiu praticamente 50% neste período, o que
representou na prática a criação de um imposto de importação da ordem de 12% em
vários mercados importantes. Como resultado, a produção industrial brasileira
já é hoje 2% superior à de 2019 e um dos setores que mais rapidamente voltaram
a crescer.
A
recuperação rápida da atividade econômica no Brasil foi conseguida
principalmente em função de uma expansão vigorosa dos gastos do governo em um
momento em que a arrecadação corrente de tributos era reduzida pela recessão.
Portanto era natural - e necessário - que seu déficit fiscal tivesse um grande
aumento no período mais agudo da crise. Somente com o retorno do crescimento
econômico sustentado a partir de 2021 é que o governo poderá voltar a uma
situação orçamentaria de superávits primários que estabilize a curva da dívida
pública.
A
partir daí seria desejável que, junto com o Congresso, o governo criasse um
protocolo de ações emergenciais para reduzir a corcova na dívida pública criada
pelo enfrentamento da covid-19 e sinalizasse uma linha descendente de
crescimento para o futuro. A dependência estrutural de nossa economia em
relação à poupança externa nos obriga a trabalhar com um protocolo que
incorpore valores aceitos pelos investidores internacionais. E deste protocolo
fazem parte métricas sobre a expansão da dívida pública em uma linha do tempo
de prazo mais longo. Dele deriva a importância do nível da dívida pública bruta
em relação ao PIB e a perenidade do superávit primário como parâmetros a serem
seguidos.
Mas
este esforço fiscal adicional e temporal precisa recair sobre as classes de
renda mais elevada na sociedade e que foram diretamente as mais beneficiadas
pela recuperação rápida da economia. O mais justo seria o aumento da faixa
superior do IR dos rendimentos de salário e a tributação com IR dos dividendos
pagos pelas empresas privadas e públicas por um período finito de alguns anos.
*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.
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