Representação
maior de negros, mulheres, gays e mandatos coletivos trazem novo ar à política
A
eleição municipal oxigenou a política nacional. Além da renovação significativa
das bancadas de vereadores — mais de 40% em algumas capitais — , trouxe maior
diversidade racial, de gênero e até na forma de organizar a representação
parlamentar, com a multiplicação de mandatos coletivos.
Negros
eram 42%, agora são aproximadamente 45% dos 58 mil vereadores eleitos. A
tendência é a proporção aumentar, com partidos obrigados ao financiamento
eleitoral equitativo por raça. O melhor desempenho nesse aspecto foi do PCdoB,
com negros representando dois terços dos candidatos eleitos. Ao todo, os
indígenas conseguiram 25 prefeituras no país.
A
participação feminina continua incipiente. Mulheres são maioria (53%) no
eleitorado, mas ficaram restritas a 33,6% das mais de 557 mil candidaturas.
Houve algum avanço. Conquistaram 13% das prefeituras no primeiro turno, segundo
a Justiça Eleitoral, e devem superar 18% nas câmaras. São Paulo aumentou a
bancada de quatro para onze vereadoras, no total de 55. No Rio, eram sete, e a
partir do próximo ano serão dez entre 51 parlamentares.
Cariocas
deram nova dinâmica à disputa feminina. Rosa Fernandes, líder conservadora do
PSC na Zona Norte, continuou na posição de candidata mais bem votada. É notável
que, depois de 28 anos na Câmara do Rio, tenha sido reeleita com 26 mil votos,
somente mil de vantagem sobre a estreante Tainá de Paula, arquiteta e militante
de uma ala do movimento negro vinculado ao PT.
Outra
novidade é a ascensão eleitoral de movimentos identitários de gênero ou
orientação sexual. Pelo menos 30 eleitos se identificam como transexuais,
bissexuais ou gays, e outros nove ficaram na suplência. Erika Hilton e Linda
Brasil, ambas do PSOL, foram campeãs entre vereadoras de São Paulo e Aracaju.
Fato
relevante, ainda, é a multiplicação das candidaturas coletivas, iniciativa de
pequenos grupos com afinidade política, comprometidos com objetivos específicos
no mandato. Não são reconhecidas pela lei eleitoral, mas desde de 2016 fazem
parte da realidade política. Houve um grande aumento de candidaturas coletivas,
ou compartilhadas, constatou o Centro de Política e Economia do Setor Público,
da Fundação Getulio Vargas. Há quatro anos, eram 13 casos. Agora foram 257, a
maioria no estado de São Paulo e em partidos de esquerda, que tentam resgatar
laços rotos da própria representatividade. A Bancada Feminista (46,2 mil votos)
e o Quilombo Periférico (22,7 mil) terão duas cadeiras no plenário da câmara
paulistana.
Pode
não parecer muito no conjunto de 5.570 câmaras, mas as mudanças nas urnas
ajudam a fomentar o pluralismo de que carece a democracia brasileira, nesta
etapa de sua história marcada pelos laivos autoritários e preconceituosos do
governo Jair Bolsonaro.
Sem
foco, o subsídio à cesta básica beneficia mais os ricos que os pobres – Opinião
| O Globo
Dinheiro
destinado a isenção tributária seria suficiente para dobrar recursos do Bolsa
Família
A
política de subsídios aos produtos da cesta básica deveria ser um instrumento
para reduzir a pobreza, mas beneficia mais os ricos que os pobres. A
constatação fica clara em análises da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), da
Receita Federal e do Tribunal de Contas da União (TCU).
Tais
órgãos sugerem que seria melhor ao país se, em vez de desonerar os impostos
cobrados sobre produtos da cesta básica, os recursos do Estado fossem
destinados a programas alternativos, mais eficazes na redução da pobreza e da
desigualdade social. Citam como exemplo o Bolsa Família, que transfere renda
diretamente a cerca de 14 milhões de famílias.
Os
subsídios à cesta básica de produtos alimentícios e higiene representam R$ 32
bilhões por ano. É uma das maiores isenções tributárias federais (5,4% do
total). Supera em R$ 2 bilhões o gasto com o Bolsa Família.
No
entanto, pelas contas da STN, da Receita e do TCU, tal isenção é doze vezes
menos eficiente na transferência de renda à população mais pobre que o Bolsa
Família. Isso porque, no caso da cesta básica, é impossível distinguir o
benefício tributário por nível de renda ou por tipo de produto adquirido,
embora o objetivo seja atender à população de baixa renda, mais vulnerável à
insegurança alimentar.
Avalia-se
que realocar os recursos federais hoje destinados à cesta básica alcançaria com
muito mais eficácia os mais pobres. “Estamos falando de R$ 32 bilhões”, disse
há poucos dias o secretário-adjunto da Receita, Marcelo Silva, numa audiência
pública. “Chegaríamos ao cúmulo de dobrar o valor do Bolsa Família ou de dobrar
o número de pessoas assistidas no programa. Uma política muito mais robusta,
mais ampla, muito mais eficaz que a da cesta básica.”
O
TCU resolveu agir. Intimou a Casa Civil a apresentar ainda neste mês uma
análise formal dos eventuais impedimentos do governo em promover uma revisão
dos subsídios à cesta básica e de mudar a aplicação dos recursos. Ao mesmo
tempo, encaminhou ao Congresso, onde se examina a instituição de uma política
de renda mínima, a série de estudos comparativos do gasto estatal com programas
sociais mais eficazes, mais abrangentes e mais focalizados na população de
baixa renda.
Para
além da fixação eleitoreira do presidente Jair Bolsonaro em um novo programa
social, trata-se de um debate político relevante, necessário e urgente,
sobretudo numa etapa de agonia fiscal e de aumento da miséria e da
desigualdade.
Contas públicas e reformas – Opinião | O Estado de S. Paulo
Com
eleições, a agenda do Congresso foi praticamente suspensa. O Ministério da
Economia segue agitando bandeira da responsabilidade fiscal, mas sem estratégia
Há cerca de um ano o governo inundou o Congresso com um pacotaço de medidas – o chamado “Plano mais Brasil” – para, segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes, implementar “um novo regime de responsabilidade fiscal”. No papel, o programa era ambicioso, incluindo três propostas de emenda constitucional (PECs): a “emergencial”, para frear a escalada dos gastos obrigatórios; a do Pacto Federativo, para modernizar e aprimorar a distribuição dos recursos aos Estados; e a da extinção dos fundos públicos, para gerar caixa. Além disso, previa-se uma ampla reforma administrativa – que, bem tímida, chegou só há poucos meses – e um projeto de ajuda aos Estados à beira do colapso fiscal.
A
pandemia tornou a adoção dessas medidas ainda mais premente do que antes, mas o
governo deixou-se tomar por uma espécie de letargia. A cadeia de produção
travou, o desemprego aumentou, a arrecadação caiu e os gastos cresceram. Tanto
pior quando a temível “segunda onda” parece se avolumar no horizonte antes que
a primeira tenha passado.
E
nada saiu do papel. Com as eleições, a agenda do Congresso foi praticamente
suspensa. O Ministério da Economia segue agitando a bandeira da
responsabilidade fiscal, mas sem nenhuma estratégia, enquanto outros ministros
pressionam pelo rompimento do teto de gastos. Em “esplêndido isolamento”, o
presidente da República se entregou às negociações fisiológicas para se garantir
no cargo, defender a sua prole e promover sua campanha à reeleição.
Mas
a matemática é implacável: o País chegará ao fim deste ano com uma dívida
pública próxima a 100% do PIB – bem maior do que entre seus pares no bloco dos
países em desenvolvimento. O endividamento em si não é o problema. Os gastos
emergenciais o tornaram indispensável, e um novo choque do vírus poderá
pressioná-lo ainda mais. Mas ele só é sustentável se combinado com esforços
para consertar os fundamentos da economia. Isso implica desengessar o
Orçamento, proporcionar eficiência ao governo e tornar a tributação mais
progressiva e mais favorável à alocação racional de recursos.
Mas
não há qualquer programa de ação do governo para viabilizar estas reformas e,
assim, as condições de empréstimo se deterioram a cada dia. Com as incertezas
sobre a ancoragem fiscal, o câmbio não parou de se depreciar desde o começo do
ano, os sinais de inflação despontam (sobretudo para os mais pobres) e cresce o
risco de o Banco Central ter de subir os juros.
A
flexibilização do teto de gastos para atender a demandas emergenciais seria, em
tese, possível. Mas isso precisaria vir acompanhado de um compromisso firme com
reformas estruturais. Na prática, o Planalto e seus apaniguados no chamado
Centrão buscam flexibilizar o teto apenas para continuar gastando.
“Quando
há um governo de má qualidade”, precisou o ex-presidente do Banco Central
Affonso Celso Pastore ao Estado, “é preciso impor a esse governo a
restrição fiscal de fora para dentro.” Sem nenhuma confiança em quem está com
as mãos no timão, o País não pode se dar ao luxo de abandonar a sua âncora, a
saber: o teto de gastos previsto constitucionalmente. “Com a dívida pública
ascendendo a 100% do PIB”, alertou recentemente um parecer técnico do FMI, “preservar
o teto constitucional de gastos como âncora fiscal é fundamental para apoiar a
confiança no mercado e manter contido o prêmio de risco soberano”, ou seja, o
risco associado à dívida pública.
A
ousadia nos gastos é possível num ambiente de confiança. Mas, realisticamente,
nada no Planalto sugere essa confiança. A curto prazo, a única saída para
evitar a espiral de depreciação do câmbio, aumento dos juros e o risco de
inflação é pressionar o Poder Público para colocar os projetos de reformas na
linha de produção, além de cortar gastos.
Como
as reformas patinam no Congresso, seja por conveniências corporativas, seja
pela desarticulação do governo, a PEC Emergencial torna-se mais emergencial do
que nunca: ela garantirá os gatilhos para impedir reajustes salariais,
contratações e ações dos Três Poderes que impliquem aumento de despesas acima
da inflação. Esses gatilhos darão fôlego de um a dois anos para que se possa
discutir uma reforma fiscal consistente.
Saindo do buraco – Opinião | O Estado de S. Paulo
A
economia se move, mas é preciso investir muito mais para ganhar dinamismo
A recuperação continua, as vitrinas se enfeitam e o fim de ano traz a perspectiva de melhores negócios, mas as contas disponíveis mostram uma retomada incompleta. O avanço de 7,5% no terceiro trimestre foi insuficiente para reverter o tombo do trimestre anterior, quando a economia despencou 9,7%. Além disso, a atividade no período de julho a setembro foi 4,4% inferior à de um ano antes e 5% menor que a dos três meses finais de 2019, segundo o Monitor do PIB-FGV.
O Monitor,
publicação mensal da Fundação Getúlio Vargas (FGV), é em geral uma boa prévia
das contas nacionais, apresentadas a cada três meses pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE). O anúncio oficial do Produto Interno Bruto
(PIB) do terceiro trimestre está programado para 3 de dezembro. O balanço geral
de 2020 só deverá ser conhecido no começo de março do próximo ano. As projeções
divulgadas até agora apontam uma queda em relação a 2019 – um recuo na faixa de
4% a 4,6%.
Sair
do buraco tem sido difícil também para países do mundo rico e para a maior
parte dos emergentes. Depois de afundar 10,6% no segundo trimestre, os 37
membros da OCDE, a Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento,
avançaram em média 9% nos três meses seguintes, sem recobrar, portanto, o
espaço perdido. Nas sete maiores economias a queda de 11,9% foi seguida de um
repique de apenas 4,2%.
A
comparação fica muito menos confortável para o Brasil quando se examinam outros
dados. O desempenho da economia brasileira foi muito fraco nos últimos dez
anos. Nesse período o País cresceu menos que outros emergentes, incluídos os
mais dinâmicos da América do Sul, e, além disso, atravessou uma recessão em
2015 e 2016.
O
avanço a partir de 2017 foi também muito lento. O crescimento do PIB em 2018
foi revisto pelo IBGE de 1,3% para 1,8%. Segundo o Monitor, o dado
de 2019 será provavelmente retificado de 1,1% para 1,6%. Se essa expectativa
for confirmada, o desempenho no primeiro ano de mandato do presidente Jair
Bolsonaro continuará inferior ao do último ano do presidente Michel Temer. A
sequência de números nesses anos passará de 1,3% e 1,1% para 1,8% e 1,6%.
É
preciso levar em conta a fraca evolução da economia no último decênio para avaliar
a situação atual e as perspectivas de expansão a partir do próximo ano. Por
enquanto, os números da reação a partir de maio dão algum alívio.
O
balanço elaborado pela FGV mostra um terceiro trimestre com recuperação da
indústria e, em ritmo bem mais lento, dos serviços. A agropecuária passou pelo
choque de março-abril praticamente sem dano, ou sem dano significativo. Houve
recuo na exportação de bens e serviços, mas do lado da importação o
encolhimento foi maior. O consumo foi o motor principal da recuperação iniciada
em maio.
Na
comparação interanual, a boa notícia é o desempenho da indústria, com produção,
em setembro, 2,2% maior que a do mês correspondente em 2019. A melhora nesse
tipo de confronto ocorreu depois de seis meses de quedas consecutivas.
Para
2019 as projeções do mercado e de fontes oficiais indicam crescimento econômico
na faixa de 3% a 3,5%, insuficiente para o País voltar ao nível de produção de
2019. Também na maioria dos países avançados e emergentes será necessário mais
de um ano para eliminar a queda de 2020.
Depois
dessa primeira fase, muitas economias poderão deslanchar. Isso dependerá do
potencial de crescimento de cada país. No caso do Brasil, o baixo investimento
em máquinas, equipamentos e obras será uma provável limitação.
Desde
o primeiro trimestre de 2000, a taxa de investimento mensal corresponde a 17,9%
do PIB. No terceiro trimestre, a relação, segundo a FGV, ficou em 16,4%. Foi
mais alta que a média calculada a partir de 2015 (15,6%), mas inferior ao
padrão nacional de duas décadas e muito baixa pelos padrões internacionais e
para as necessidades brasileiras. O maior desafio será elevar o investimento em
infraestrutura. Isso dependerá de concessões e privatizações, duas linhas de
ação emperradas no atual governo.
Ruído nas pesquisas eleitorais – Opinião | O Estado de S. Paulo
Está
claro que elas precisam passar por um contínuo processo de recalibragem
Nos últimos anos, concomitantemente com os ruídos no debate público suscitados pela ascensão dos populismos e a polarização nas redes sociais – que deveriam ser uma ferramenta do processo democrático –, as pesquisas de intenção de voto têm mostrado imprecisões preocupantes. Especialmente desde as eleições norte-americanas de 2016, quando as pesquisas subestimaram amplamente o eleitorado de Donald Trump apontando a vitória de Hillary Clinton, os institutos de pesquisa têm sofrido severas críticas e ataques à sua credibilidade.
Nas
eleições norte-americanas de 2020, as projeções apontaram corretamente que Joe
Biden levaria a maioria absoluta dos votos e dos delegados. Contudo, a margem
de diferença foi bem menor do que se previa e em vários Estados as pesquisas
apontaram equivocadamente a derrota de Trump.
Ainda
tomará muitos meses até que a indústria de pesquisas colete todos os dados
necessários para extrair sólidas conclusões de sua atuação. Mas o Pew
Research Center, um dos mais reputados institutos de pesquisa do mundo,
apresentou um diagnóstico preliminar com uma série de hipóteses sugestivas e
prescrições terapêuticas. A avaliação é restrita aos EUA, mas, abstraídas
as particularidades do sistema eleitoral americano, pode ser útil aos analistas
que lidam com o mesmo problema em outros países.
Possivelmente,
a principal hipótese a justificar os erros de avaliação seria a “não resposta
partidária”. Segundo ela, eleitores democratas são mais acessíveis e
bem-dispostos a responder pesquisas do que os republicanos, em geral mais
desconfiados de instituições como a grande mídia e institutos de pesquisas.
Isso implica uma sub-representação sistêmica a ser compensada pelos
procedimentos estatísticos não só para as pesquisas de intenção de voto, mas para
as pesquisas de opinião em geral, como por exemplo as relacionadas ao
coronavírus ou às mudanças climáticas.
O
desafio é duplo: estimar corretamente e recorrentemente a parcela de eleitores
conservadores e corrigir na sua amostragem os eventuais desequilíbrios entre
aqueles predispostos a participar das pesquisas e os não predispostos.
Uma
segunda hipótese foi popularizada como a dos eleitores “envergonhados”. Nesse
caso, muitos eleitores de Trump teriam se esquivado de declarar seus votos ou
por temor de constrangimento social ou para deliberadamente desorientar os
pesquisadores. A ideia é plausível, mas, segundo o Pew Research, improvável:
uma quantidade considerável de pesquisas não foi capaz de produzir evidências
que a corroborem. Muitas pesquisas eleitorais, por exemplo, subestimaram os
eleitores de diversos candidatos republicanos bem menos controvertidos do que
Trump.
As
duas outras hipóteses estão relacionadas com falhas nas estimativas de
comparecimento. Em sistemas nos quais o voto não é obrigatório, as pesquisas
têm de estimar não só a intenção de voto, mas a intenção de votar. Nesse caso,
é possível que os institutos até tivessem uma amostragem correta dos apoiadores
de Trump, mas não tenham mensurado corretamente o seu entusiasmo para comparecer
às urnas.
A
outra possibilidade é mais circunstancial: eleitores democratas revelaram
tendencialmente mais apreensão com o vírus, e talvez tenham declarado o voto,
mas acabaram por não comparecer às urnas, enquanto os eleitores republicanos
conduziram um esforço eleitoral mais tradicional, indo às ruas e comparecendo
aos colégios eleitorais. Neste caso, a pandemia teria só acentuado um risco de
distorção, de resto bastante evidente, a ser minimizado: nem todas as intenções
de voto podem ser consideradas efetivamente como votos.
Tudo
somado, é possível que todos estes fatores tenham convergido numa “tempestade
perfeita” que acabou por tirar as pesquisas dos eixos. De todo modo, é
promissor que as imprecisões tenham sido bem menores que em 2016. Resta claro,
contudo, que, sendo a democracia, por natureza, como que um ser vivo em
constante mutação, as pesquisas precisam passar por um contínuo processo de
recalibragem para acompanhar as transformações comportamentais do eleitorado.
Bomba-relógio – Opinião | Folha de S. Paulo
Com
previsões sombrias para dívida pública, Bolsonaro tem pouco tempo para agir
Passado
o segundo turno das eleições municipais, marcado para o próximo domingo (29),
restará muito pouco tempo para que o governo de Jair Bolsonaro tome decisões
fundamentais a respeito do Orçamento de 2021 e o reequilíbrio
futuro das finanças públicas.
Os
riscos de grave crise econômica são elevados, tendo em vista a inércia
gerencial e a covardia política para lidar com temas difíceis demonstradas pelo
presidente. A pandemia de Covid-19, que derrubou a economia e levou a um
aumento inaudito de despesas, tornou sombria uma situação fiscal que já era das
mais difíceis.
Segundo
projeções da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado, a
dívida pública terminará o ano em 93,1% do Produto Interno Bruto, o maior
número entre os principais emergentes, e continuará crescendo até atingir
112,4% do PIB em 2030.
No
cenário base da IFI, que pressupõe uma retomada modesta da economia a partir do
ano que vem, o governo não voltará a ter superávits primários (excluindo gastos
com juros) até pelo menos o fim da década. No cenário pessimista, com
crescimento menor e juros mais altos, a dívida explode e atinge 156% do PIB no
período.
Em
meio ao quadro dramático, ainda está por ser votada a lei orçamentária do
próximo ano e não há clareza sobre os objetivos do governo —se haverá ou não
prorrogação do auxílio emergencial e quais são as medidas para conter a piora
do endividamento.
O
primeiro passo deveria ser reforçar o teto de gastos inscrito na Constituição,
com a previsão de gatilhos para a redução automática de despesas obrigatórias.
Mesmo com problemas de funcionamento, o teto é hoje a única referência para a
solvência do Estado.
Enfraquecê-lo
a esta altura provavelmente levaria a uma disparada dos juros de longo prazo e
da desvalorização do real ante o dólar. Esta resultaria em mais inflação e
obrigaria o Banco Central a elevar sua taxa básica.
Com
o salto da dívida ocasionado pela pandemia, o ajuste gradual das contas do
Tesouro Nacional terá de ser complementado por medidas mais fortes para
restaurar superávits nas contas.
É
preciso reduzir benefícios fiscais injustificáveis e fazer avançar a reforma
tributária. A versão em discussão na Câmara, que simplifica a miríade de
impostos indiretos em favor de uma coleta única sobre valor agregado, tem
potencial de alavancar a produtividade e o crescimento, o que facilitaria
enormemente o ajuste fiscal.
Todos
esses temas são complexos, envolvem interesses poderosos e exigem coragem e
estratégia política. Por motivos óbvios, não é fácil ser otimista no momento.
Agruras socialistas – Opinião | Folha de S. Paulo
Em
baixa, governo português tem sucesso ameaçado por Covid e pressão por gastos
Pouco
mais de um ano após as eleições que o reconduziram ao cargo, quando desfez o
insólito arranjo de siglas de esquerda que com sucesso governou Portugal de
2015 a 2019, o primeiro-ministro António Costa vê-se às voltas com as agruras
de um governo de minoria.
Dificuldades
para aprovar o Orçamento, críticas à condução do combate à pandemia, perda de
popularidade e um inesperado revés eleitoral compõem o cenário turbulento no
qual se equilibra o líder do Partido Socialista (PS).
O
desafio mais premente concerne ao Orçamento para o ano que vem. Sem contar com
maioria no Parlamento, o premiê português vem sendo emparedado tanto à direita
como à esquerda.
O
Partido Comunista e o Bloco de Esquerda, antigos parceiros de governo, subiram
o preço do apoio, exigindo o cumprimento de uma série de compromissos sociais
para aprovarem o projeto.
Já
a oposição cobra mais recursos para o enfrentamento dos problemas econômicos
resultantes da pandemia. Ao todo, foram propostas nada menos que 1.365
modificações à peça governamental.
Tais
imposições colocam em xeque a política de disciplina fiscal que os socialistas
vêm aplicando nos últimos anos —uma combinação algo heterodoxa de corte de
despesas e investimentos públicos com aumento de salários.
A
dificuldade no Parlamento faz par com a insatisfação das ruas. Com o
recrudescimento da pandemia, o governo adotou uma série de novas restrições que
atingiram em cheio o setor de comércio e serviços, impactando sobretudo a
cadeia de restaurantes, cujo peso na economia do país é grande.
As
medidas não foram bem recebidas por empresários e funcionários, que reclamam,
em protestos organizados por todo o país, maior apoio estatal. Isso, somado à
explosão de casos de Covid-19, fez a popularidade de Costa recuar 12 pontos nos
últimos três meses.
Como
se não bastasse, o Partido Socialista acaba de perder o comando da região
autônoma dos Açores, que administrou nos últimos 24 anos. A coalização
direitista vitoriosa sinaliza um novo arranjo político que pode vir a ameaçar a
hegemonia nacional do PS.
Apesar
do desgaste acumulado, é improvável que o governo socialista soçobre por ora,
perto do pleito presidencial. Entretanto nada garante que, passado o sufrágio
de janeiro, suas fragilidades não venham a cobrar um preço mais alto.
Apagão no Amapá municia grupos contra privatização – Opinião | Valor Econômico
Tragédia
foi politizada, subiu no palanque eleitoral de Macapá
O
trágico apagão no Amapá e a entrada da Eletronorte em cena para restabelecer o
fornecimento de energia deram mais munição aos grupos que, desde sempre, atuam
contra a privatização da Eletrobras no Congresso Nacional. Pior ainda, o tema
foi politizado: subiu no palanque eleitoral de Macapá. Para adicionar
incerteza, a disputa pelas mesas diretoras da Câmara e do Senado dificulta as
discussões sobre o tema. Mas esta deveria ser uma oportunidade para destravar o
debate.
O
episódio expôs uma situação em que a institucionalidade criada em torno da
privatização de serviços públicos não funcionou. Uma concessionária privada que
falhou em criar condições para cumprir seu compromisso de fornecer energia e
uma agência reguladora que não foi capaz de evitar o desfecho desastroso,
embora conhecesse o problema há anos. E a Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel), diga-se, está entre as mais bem avaliadas.
Nada
disso, porém, deveria justificar a manutenção da Eletrobras na situação em que
se encontra. A estatal apresentou prejuízo em 2017 e atualmente, embora com
lucro, tem baixa capacidade de investimento. A solução proposta pelo governo
não é entregar a estatal a um grupo privado, e sim trazer mais dinheiro para
ela, pulverizando suas ações e diluindo a participação estatal. Com isso, em
tese, é ampliado o controle da sociedade sobre a condução da empresa. Deve
haver, porém, uma golden share para o governo utilizar em situações
específicas.
Em
várias aparições públicas ao longo da semana passada, o ministro da Economia,
Paulo Guedes, reafirmou a prioridade na privatização da estatal de energia.
Reconheceu serem justas as críticas que lhe fazem pelo atraso na venda de
empresas, uma promessa de campanha que até agora não saiu da estaca zero. E
admitiu que há um problema “nosso”, referindo-se ao governo, de uma “opção
definitiva” pela privatização.
No
caso da Eletrobras, apontou o dedo acusador para o Congresso. Haveria uma
aliança de centro-esquerda contra a operação que ele, “ingenuamente”,
desconhecia quando anunciou que privatizaria a empresa e outras três este ano.
Nos bastidores, a queixa é que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ)
teria acordado com a oposição barrar o processo, em troca de apoio a seu
candidato à própria sucessão, ainda indefinido.
Além
de jogar os holofotes sobre o tema, Guedes movimentou a estrutura de sua
superpasta para tentar converter golpe em ataque, como numa luta de judô. Na
quinta-feira, entregou ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), cujo
irmão Josiel é candidato a prefeito de Macapá, um pacote de propostas para
atender a população atingida pela crise. Não concordou com a prorrogação do
auxílio emergencial, como pleiteado, mas ofereceu alternativas dentro do
arsenal pré-pandemia para casos de calamidade.
Antes
do apagão, Alcolumbre e o senador Eduardo Braga (MDB-AM), representantes de
bancadas que historicamente se opõem à privatização, estavam a caminho do
convencimento a favor da operação com a destinação de R$ 3,5 bilhões para a
modernização do parque gerador da região Norte. Outros R$ 3,5 bilhões seriam
destinados à revitalização da bacia do São Francisco, para contornar a oposição
das bancadas do Nordeste e do norte de Minas Gerais.
O
fundo para fortalecer o fornecimento de energia na região Norte e garantir a
segurança energética é a principal resposta do governo para a situação. É
oportunidade para rediscutir todo o sistema fazendo, inclusive, uma conexão com
as novas regras para o mercado do gás natural, também em mãos do senador
Eduardo Braga, ex-ministro de Minas e Energia.
Mas,
enquanto a temperatura política estiver elevada, dificilmente haverá condições
para seguir com as negociações. As eleições em Macapá foram adiadas para 13 de
dezembro e, se houver segundo turno, 27 de dezembro.
Já
as eleições das mesas da Câmara e do Senado só serão definidas em fevereiro de
2021. Até lá, o Congresso deverá funcionar em modo eleição, o que significa que
temas polêmicos não serão decididos. A privatização da Eletrobras está entre
eles, assim como as fundamentais reformas nas contas públicas, na administração
federal e no sistema tributário.
Contra dúvidas, o secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida, declarou ao Valor que a estatal será privatizada em 2021, ainda que não haja novidades no curtíssimo prazo.
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