segunda-feira, 23 de novembro de 2020

O que a mídia pensa – Opiniões / Editoriais

Diversidade nas urnas deve ser celebrada – Opinião | O Globo

Representação maior de negros, mulheres, gays e mandatos coletivos trazem novo ar à política

A eleição municipal oxigenou a política nacional. Além da renovação significativa das bancadas de vereadores — mais de 40% em algumas capitais — , trouxe maior diversidade racial, de gênero e até na forma de organizar a representação parlamentar, com a multiplicação de mandatos coletivos.

Negros eram 42%, agora são aproximadamente 45% dos 58 mil vereadores eleitos. A tendência é a proporção aumentar, com partidos obrigados ao financiamento eleitoral equitativo por raça. O melhor desempenho nesse aspecto foi do PCdoB, com negros representando dois terços dos candidatos eleitos. Ao todo, os indígenas conseguiram 25 prefeituras no país.

A participação feminina continua incipiente. Mulheres são maioria (53%) no eleitorado, mas ficaram restritas a 33,6% das mais de 557 mil candidaturas. Houve algum avanço. Conquistaram 13% das prefeituras no primeiro turno, segundo a Justiça Eleitoral, e devem superar 18% nas câmaras. São Paulo aumentou a bancada de quatro para onze vereadoras, no total de 55. No Rio, eram sete, e a partir do próximo ano serão dez entre 51 parlamentares.

Cariocas deram nova dinâmica à disputa feminina. Rosa Fernandes, líder conservadora do PSC na Zona Norte, continuou na posição de candidata mais bem votada. É notável que, depois de 28 anos na Câmara do Rio, tenha sido reeleita com 26 mil votos, somente mil de vantagem sobre a estreante Tainá de Paula, arquiteta e militante de uma ala do movimento negro vinculado ao PT.

Outra novidade é a ascensão eleitoral de movimentos identitários de gênero ou orientação sexual. Pelo menos 30 eleitos se identificam como transexuais, bissexuais ou gays, e outros nove ficaram na suplência. Erika Hilton e Linda Brasil, ambas do PSOL, foram campeãs entre vereadoras de São Paulo e Aracaju.

Fato relevante, ainda, é a multiplicação das candidaturas coletivas, iniciativa de pequenos grupos com afinidade política, comprometidos com objetivos específicos no mandato. Não são reconhecidas pela lei eleitoral, mas desde de 2016 fazem parte da realidade política. Houve um grande aumento de candidaturas coletivas, ou compartilhadas, constatou o Centro de Política e Economia do Setor Público, da Fundação Getulio Vargas. Há quatro anos, eram 13 casos. Agora foram 257, a maioria no estado de São Paulo e em partidos de esquerda, que tentam resgatar laços rotos da própria representatividade. A Bancada Feminista (46,2 mil votos) e o Quilombo Periférico (22,7 mil) terão duas cadeiras no plenário da câmara paulistana.

Pode não parecer muito no conjunto de 5.570 câmaras, mas as mudanças nas urnas ajudam a fomentar o pluralismo de que carece a democracia brasileira, nesta etapa de sua história marcada pelos laivos autoritários e preconceituosos do governo Jair Bolsonaro.

Sem foco, o subsídio à cesta básica beneficia mais os ricos que os pobres – Opinião | O Globo

Dinheiro destinado a isenção tributária seria suficiente para dobrar recursos do Bolsa Família

A política de subsídios aos produtos da cesta básica deveria ser um instrumento para reduzir a pobreza, mas beneficia mais os ricos que os pobres. A constatação fica clara em análises da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), da Receita Federal e do Tribunal de Contas da União (TCU).

Tais órgãos sugerem que seria melhor ao país se, em vez de desonerar os impostos cobrados sobre produtos da cesta básica, os recursos do Estado fossem destinados a programas alternativos, mais eficazes na redução da pobreza e da desigualdade social. Citam como exemplo o Bolsa Família, que transfere renda diretamente a cerca de 14 milhões de famílias.

Os subsídios à cesta básica de produtos alimentícios e higiene representam R$ 32 bilhões por ano. É uma das maiores isenções tributárias federais (5,4% do total). Supera em R$ 2 bilhões o gasto com o Bolsa Família.

No entanto, pelas contas da STN, da Receita e do TCU, tal isenção é doze vezes menos eficiente na transferência de renda à população mais pobre que o Bolsa Família. Isso porque, no caso da cesta básica, é impossível distinguir o benefício tributário por nível de renda ou por tipo de produto adquirido, embora o objetivo seja atender à população de baixa renda, mais vulnerável à insegurança alimentar.

Avalia-se que realocar os recursos federais hoje destinados à cesta básica alcançaria com muito mais eficácia os mais pobres. “Estamos falando de R$ 32 bilhões”, disse há poucos dias o secretário-adjunto da Receita, Marcelo Silva, numa audiência pública. “Chegaríamos ao cúmulo de dobrar o valor do Bolsa Família ou de dobrar o número de pessoas assistidas no programa. Uma política muito mais robusta, mais ampla, muito mais eficaz que a da cesta básica.”

O TCU resolveu agir. Intimou a Casa Civil a apresentar ainda neste mês uma análise formal dos eventuais impedimentos do governo em promover uma revisão dos subsídios à cesta básica e de mudar a aplicação dos recursos. Ao mesmo tempo, encaminhou ao Congresso, onde se examina a instituição de uma política de renda mínima, a série de estudos comparativos do gasto estatal com programas sociais mais eficazes, mais abrangentes e mais focalizados na população de baixa renda.

Para além da fixação eleitoreira do presidente Jair Bolsonaro em um novo programa social, trata-se de um debate político relevante, necessário e urgente, sobretudo numa etapa de agonia fiscal e de aumento da miséria e da desigualdade.

Contas públicas e reformas – Opinião | O Estado de S. Paulo

Com eleições, a agenda do Congresso foi praticamente suspensa. O Ministério da Economia segue agitando bandeira da responsabilidade fiscal, mas sem estratégia

Há cerca de um ano o governo inundou o Congresso com um pacotaço de medidas – o chamado “Plano mais Brasil” – para, segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes, implementar “um novo regime de responsabilidade fiscal”. No papel, o programa era ambicioso, incluindo três propostas de emenda constitucional (PECs): a “emergencial”, para frear a escalada dos gastos obrigatórios; a do Pacto Federativo, para modernizar e aprimorar a distribuição dos recursos aos Estados; e a da extinção dos fundos públicos, para gerar caixa. Além disso, previa-se uma ampla reforma administrativa – que, bem tímida, chegou só há poucos meses – e um projeto de ajuda aos Estados à beira do colapso fiscal.

A pandemia tornou a adoção dessas medidas ainda mais premente do que antes, mas o governo deixou-se tomar por uma espécie de letargia. A cadeia de produção travou, o desemprego aumentou, a arrecadação caiu e os gastos cresceram. Tanto pior quando a temível “segunda onda” parece se avolumar no horizonte antes que a primeira tenha passado.

E nada saiu do papel. Com as eleições, a agenda do Congresso foi praticamente suspensa. O Ministério da Economia segue agitando a bandeira da responsabilidade fiscal, mas sem nenhuma estratégia, enquanto outros ministros pressionam pelo rompimento do teto de gastos. Em “esplêndido isolamento”, o presidente da República se entregou às negociações fisiológicas para se garantir no cargo, defender a sua prole e promover sua campanha à reeleição.

Mas a matemática é implacável: o País chegará ao fim deste ano com uma dívida pública próxima a 100% do PIB – bem maior do que entre seus pares no bloco dos países em desenvolvimento. O endividamento em si não é o problema. Os gastos emergenciais o tornaram indispensável, e um novo choque do vírus poderá pressioná-lo ainda mais. Mas ele só é sustentável se combinado com esforços para consertar os fundamentos da economia. Isso implica desengessar o Orçamento, proporcionar eficiência ao governo e tornar a tributação mais progressiva e mais favorável à alocação racional de recursos.

Mas não há qualquer programa de ação do governo para viabilizar estas reformas e, assim, as condições de empréstimo se deterioram a cada dia. Com as incertezas sobre a ancoragem fiscal, o câmbio não parou de se depreciar desde o começo do ano, os sinais de inflação despontam (sobretudo para os mais pobres) e cresce o risco de o Banco Central ter de subir os juros.

A flexibilização do teto de gastos para atender a demandas emergenciais seria, em tese, possível. Mas isso precisaria vir acompanhado de um compromisso firme com reformas estruturais. Na prática, o Planalto e seus apaniguados no chamado Centrão buscam flexibilizar o teto apenas para continuar gastando.

“Quando há um governo de má qualidade”, precisou o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore ao Estado, “é preciso impor a esse governo a restrição fiscal de fora para dentro.” Sem nenhuma confiança em quem está com as mãos no timão, o País não pode se dar ao luxo de abandonar a sua âncora, a saber: o teto de gastos previsto constitucionalmente. “Com a dívida pública ascendendo a 100% do PIB”, alertou recentemente um parecer técnico do FMI, “preservar o teto constitucional de gastos como âncora fiscal é fundamental para apoiar a confiança no mercado e manter contido o prêmio de risco soberano”, ou seja, o risco associado à dívida pública.

A ousadia nos gastos é possível num ambiente de confiança. Mas, realisticamente, nada no Planalto sugere essa confiança. A curto prazo, a única saída para evitar a espiral de depreciação do câmbio, aumento dos juros e o risco de inflação é pressionar o Poder Público para colocar os projetos de reformas na linha de produção, além de cortar gastos.

Como as reformas patinam no Congresso, seja por conveniências corporativas, seja pela desarticulação do governo, a PEC Emergencial torna-se mais emergencial do que nunca: ela garantirá os gatilhos para impedir reajustes salariais, contratações e ações dos Três Poderes que impliquem aumento de despesas acima da inflação. Esses gatilhos darão fôlego de um a dois anos para que se possa discutir uma reforma fiscal consistente.

Saindo do buraco – Opinião | O Estado de S. Paulo

A economia se move, mas é preciso investir muito mais para ganhar dinamismo

A recuperação continua, as vitrinas se enfeitam e o fim de ano traz a perspectiva de melhores negócios, mas as contas disponíveis mostram uma retomada incompleta. O avanço de 7,5% no terceiro trimestre foi insuficiente para reverter o tombo do trimestre anterior, quando a economia despencou 9,7%. Além disso, a atividade no período de julho a setembro foi 4,4% inferior à de um ano antes e 5% menor que a dos três meses finais de 2019, segundo o Monitor do PIB-FGV.

Monitor, publicação mensal da Fundação Getúlio Vargas (FGV), é em geral uma boa prévia das contas nacionais, apresentadas a cada três meses pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O anúncio oficial do Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre está programado para 3 de dezembro. O balanço geral de 2020 só deverá ser conhecido no começo de março do próximo ano. As projeções divulgadas até agora apontam uma queda em relação a 2019 – um recuo na faixa de 4% a 4,6%.

Sair do buraco tem sido difícil também para países do mundo rico e para a maior parte dos emergentes. Depois de afundar 10,6% no segundo trimestre, os 37 membros da OCDE, a Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento, avançaram em média 9% nos três meses seguintes, sem recobrar, portanto, o espaço perdido. Nas sete maiores economias a queda de 11,9% foi seguida de um repique de apenas 4,2%.

A comparação fica muito menos confortável para o Brasil quando se examinam outros dados. O desempenho da economia brasileira foi muito fraco nos últimos dez anos. Nesse período o País cresceu menos que outros emergentes, incluídos os mais dinâmicos da América do Sul, e, além disso, atravessou uma recessão em 2015 e 2016.

O avanço a partir de 2017 foi também muito lento. O crescimento do PIB em 2018 foi revisto pelo IBGE de 1,3% para 1,8%. Segundo o Monitor, o dado de 2019 será provavelmente retificado de 1,1% para 1,6%. Se essa expectativa for confirmada, o desempenho no primeiro ano de mandato do presidente Jair Bolsonaro continuará inferior ao do último ano do presidente Michel Temer. A sequência de números nesses anos passará de 1,3% e 1,1% para 1,8% e 1,6%.

É preciso levar em conta a fraca evolução da economia no último decênio para avaliar a situação atual e as perspectivas de expansão a partir do próximo ano. Por enquanto, os números da reação a partir de maio dão algum alívio.

O balanço elaborado pela FGV mostra um terceiro trimestre com recuperação da indústria e, em ritmo bem mais lento, dos serviços. A agropecuária passou pelo choque de março-abril praticamente sem dano, ou sem dano significativo. Houve recuo na exportação de bens e serviços, mas do lado da importação o encolhimento foi maior. O consumo foi o motor principal da recuperação iniciada em maio.

Na comparação interanual, a boa notícia é o desempenho da indústria, com produção, em setembro, 2,2% maior que a do mês correspondente em 2019. A melhora nesse tipo de confronto ocorreu depois de seis meses de quedas consecutivas.

Para 2019 as projeções do mercado e de fontes oficiais indicam crescimento econômico na faixa de 3% a 3,5%, insuficiente para o País voltar ao nível de produção de 2019. Também na maioria dos países avançados e emergentes será necessário mais de um ano para eliminar a queda de 2020.

Depois dessa primeira fase, muitas economias poderão deslanchar. Isso dependerá do potencial de crescimento de cada país. No caso do Brasil, o baixo investimento em máquinas, equipamentos e obras será uma provável limitação.

Desde o primeiro trimestre de 2000, a taxa de investimento mensal corresponde a 17,9% do PIB. No terceiro trimestre, a relação, segundo a FGV, ficou em 16,4%. Foi mais alta que a média calculada a partir de 2015 (15,6%), mas inferior ao padrão nacional de duas décadas e muito baixa pelos padrões internacionais e para as necessidades brasileiras. O maior desafio será elevar o investimento em infraestrutura. Isso dependerá de concessões e privatizações, duas linhas de ação emperradas no atual governo.

Ruído nas pesquisas eleitorais – Opinião | O Estado de S. Paulo

Está claro que elas precisam passar por um contínuo processo de recalibragem

Nos últimos anos, concomitantemente com os ruídos no debate público suscitados pela ascensão dos populismos e a polarização nas redes sociais – que deveriam ser uma ferramenta do processo democrático –, as pesquisas de intenção de voto têm mostrado imprecisões preocupantes. Especialmente desde as eleições norte-americanas de 2016, quando as pesquisas subestimaram amplamente o eleitorado de Donald Trump apontando a vitória de Hillary Clinton, os institutos de pesquisa têm sofrido severas críticas e ataques à sua credibilidade.

Nas eleições norte-americanas de 2020, as projeções apontaram corretamente que Joe Biden levaria a maioria absoluta dos votos e dos delegados. Contudo, a margem de diferença foi bem menor do que se previa e em vários Estados as pesquisas apontaram equivocadamente a derrota de Trump.

Ainda tomará muitos meses até que a indústria de pesquisas colete todos os dados necessários para extrair sólidas conclusões de sua atuação. Mas o Pew Research Center, um dos mais reputados institutos de pesquisa do mundo, apresentou um diagnóstico preliminar com uma série de hipóteses sugestivas e prescrições terapêuticas. A avaliação é restrita aos EUA, mas, abstraídas as particularidades do sistema eleitoral americano, pode ser útil aos analistas que lidam com o mesmo problema em outros países.

Possivelmente, a principal hipótese a justificar os erros de avaliação seria a “não resposta partidária”. Segundo ela, eleitores democratas são mais acessíveis e bem-dispostos a responder pesquisas do que os republicanos, em geral mais desconfiados de instituições como a grande mídia e institutos de pesquisas. Isso implica uma sub-representação sistêmica a ser compensada pelos procedimentos estatísticos não só para as pesquisas de intenção de voto, mas para as pesquisas de opinião em geral, como por exemplo as relacionadas ao coronavírus ou às mudanças climáticas.

O desafio é duplo: estimar corretamente e recorrentemente a parcela de eleitores conservadores e corrigir na sua amostragem os eventuais desequilíbrios entre aqueles predispostos a participar das pesquisas e os não predispostos.

Uma segunda hipótese foi popularizada como a dos eleitores “envergonhados”. Nesse caso, muitos eleitores de Trump teriam se esquivado de declarar seus votos ou por temor de constrangimento social ou para deliberadamente desorientar os pesquisadores. A ideia é plausível, mas, segundo o Pew Research, improvável: uma quantidade considerável de pesquisas não foi capaz de produzir evidências que a corroborem. Muitas pesquisas eleitorais, por exemplo, subestimaram os eleitores de diversos candidatos republicanos bem menos controvertidos do que Trump.

As duas outras hipóteses estão relacionadas com falhas nas estimativas de comparecimento. Em sistemas nos quais o voto não é obrigatório, as pesquisas têm de estimar não só a intenção de voto, mas a intenção de votar. Nesse caso, é possível que os institutos até tivessem uma amostragem correta dos apoiadores de Trump, mas não tenham mensurado corretamente o seu entusiasmo para comparecer às urnas.

A outra possibilidade é mais circunstancial: eleitores democratas revelaram tendencialmente mais apreensão com o vírus, e talvez tenham declarado o voto, mas acabaram por não comparecer às urnas, enquanto os eleitores republicanos conduziram um esforço eleitoral mais tradicional, indo às ruas e comparecendo aos colégios eleitorais. Neste caso, a pandemia teria só acentuado um risco de distorção, de resto bastante evidente, a ser minimizado: nem todas as intenções de voto podem ser consideradas efetivamente como votos.

Tudo somado, é possível que todos estes fatores tenham convergido numa “tempestade perfeita” que acabou por tirar as pesquisas dos eixos. De todo modo, é promissor que as imprecisões tenham sido bem menores que em 2016. Resta claro, contudo, que, sendo a democracia, por natureza, como que um ser vivo em constante mutação, as pesquisas precisam passar por um contínuo processo de recalibragem para acompanhar as transformações comportamentais do eleitorado.

Bomba-relógio – Opinião | Folha de S. Paulo

Com previsões sombrias para dívida pública, Bolsonaro tem pouco tempo para agir

Passado o segundo turno das eleições municipais, marcado para o próximo domingo (29), restará muito pouco tempo para que o governo de Jair Bolsonaro tome decisões fundamentais a respeito do Orçamento de 2021 e o reequilíbrio futuro das finanças públicas.

Os riscos de grave crise econômica são elevados, tendo em vista a inércia gerencial e a covardia política para lidar com temas difíceis demonstradas pelo presidente. A pandemia de Covid-19, que derrubou a economia e levou a um aumento inaudito de despesas, tornou sombria uma situação fiscal que já era das mais difíceis.

Segundo projeções da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado, a dívida pública terminará o ano em 93,1% do Produto Interno Bruto, o maior número entre os principais emergentes, e continuará crescendo até atingir 112,4% do PIB em 2030.

No cenário base da IFI, que pressupõe uma retomada modesta da economia a partir do ano que vem, o governo não voltará a ter superávits primários (excluindo gastos com juros) até pelo menos o fim da década. No cenário pessimista, com crescimento menor e juros mais altos, a dívida explode e atinge 156% do PIB no período.

Em meio ao quadro dramático, ainda está por ser votada a lei orçamentária do próximo ano e não há clareza sobre os objetivos do governo —se haverá ou não prorrogação do auxílio emergencial e quais são as medidas para conter a piora do endividamento.

O primeiro passo deveria ser reforçar o teto de gastos inscrito na Constituição, com a previsão de gatilhos para a redução automática de despesas obrigatórias. Mesmo com problemas de funcionamento, o teto é hoje a única referência para a solvência do Estado.

Enfraquecê-lo a esta altura provavelmente levaria a uma disparada dos juros de longo prazo e da desvalorização do real ante o dólar. Esta resultaria em mais inflação e obrigaria o Banco Central a elevar sua taxa básica.

Com o salto da dívida ocasionado pela pandemia, o ajuste gradual das contas do Tesouro Nacional terá de ser complementado por medidas mais fortes para restaurar superávits nas contas.

É preciso reduzir benefícios fiscais injustificáveis e fazer avançar a reforma tributária. A versão em discussão na Câmara, que simplifica a miríade de impostos indiretos em favor de uma coleta única sobre valor agregado, tem potencial de alavancar a produtividade e o crescimento, o que facilitaria enormemente o ajuste fiscal.

Todos esses temas são complexos, envolvem interesses poderosos e exigem coragem e estratégia política. Por motivos óbvios, não é fácil ser otimista no momento.

Agruras socialistas – Opinião | Folha de S. Paulo

Em baixa, governo português tem sucesso ameaçado por Covid e pressão por gastos

Pouco mais de um ano após as eleições que o reconduziram ao cargo, quando desfez o insólito arranjo de siglas de esquerda que com sucesso governou Portugal de 2015 a 2019, o primeiro-ministro António Costa vê-se às voltas com as agruras de um governo de minoria.

Dificuldades para aprovar o Orçamento, críticas à condução do combate à pandemia, perda de popularidade e um inesperado revés eleitoral compõem o cenário turbulento no qual se equilibra o líder do Partido Socialista (PS).

O desafio mais premente concerne ao Orçamento para o ano que vem. Sem contar com maioria no Parlamento, o premiê português vem sendo emparedado tanto à direita como à esquerda.

O Partido Comunista e o Bloco de Esquerda, antigos parceiros de governo, subiram o preço do apoio, exigindo o cumprimento de uma série de compromissos sociais para aprovarem o projeto.

Já a oposição cobra mais recursos para o enfrentamento dos problemas econômicos resultantes da pandemia. Ao todo, foram propostas nada menos que 1.365 modificações à peça governamental.

Tais imposições colocam em xeque a política de disciplina fiscal que os socialistas vêm aplicando nos últimos anos —uma combinação algo heterodoxa de corte de despesas e investimentos públicos com aumento de salários.

A dificuldade no Parlamento faz par com a insatisfação das ruas. Com o recrudescimento da pandemia, o governo adotou uma série de novas restrições que atingiram em cheio o setor de comércio e serviços, impactando sobretudo a cadeia de restaurantes, cujo peso na economia do país é grande.

As medidas não foram bem recebidas por empresários e funcionários, que reclamam, em protestos organizados por todo o país, maior apoio estatal. Isso, somado à explosão de casos de Covid-19, fez a popularidade de Costa recuar 12 pontos nos últimos três meses.

Como se não bastasse, o Partido Socialista acaba de perder o comando da região autônoma dos Açores, que administrou nos últimos 24 anos. A coalização direitista vitoriosa sinaliza um novo arranjo político que pode vir a ameaçar a hegemonia nacional do PS.

Apesar do desgaste acumulado, é improvável que o governo socialista soçobre por ora, perto do pleito presidencial. Entretanto nada garante que, passado o sufrágio de janeiro, suas fragilidades não venham a cobrar um preço mais alto.

Apagão no Amapá municia grupos contra privatização – Opinião | Valor Econômico

Tragédia foi politizada, subiu no palanque eleitoral de Macapá

O trágico apagão no Amapá e a entrada da Eletronorte em cena para restabelecer o fornecimento de energia deram mais munição aos grupos que, desde sempre, atuam contra a privatização da Eletrobras no Congresso Nacional. Pior ainda, o tema foi politizado: subiu no palanque eleitoral de Macapá. Para adicionar incerteza, a disputa pelas mesas diretoras da Câmara e do Senado dificulta as discussões sobre o tema. Mas esta deveria ser uma oportunidade para destravar o debate.

O episódio expôs uma situação em que a institucionalidade criada em torno da privatização de serviços públicos não funcionou. Uma concessionária privada que falhou em criar condições para cumprir seu compromisso de fornecer energia e uma agência reguladora que não foi capaz de evitar o desfecho desastroso, embora conhecesse o problema há anos. E a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), diga-se, está entre as mais bem avaliadas.

Nada disso, porém, deveria justificar a manutenção da Eletrobras na situação em que se encontra. A estatal apresentou prejuízo em 2017 e atualmente, embora com lucro, tem baixa capacidade de investimento. A solução proposta pelo governo não é entregar a estatal a um grupo privado, e sim trazer mais dinheiro para ela, pulverizando suas ações e diluindo a participação estatal. Com isso, em tese, é ampliado o controle da sociedade sobre a condução da empresa. Deve haver, porém, uma golden share para o governo utilizar em situações específicas.

Em várias aparições públicas ao longo da semana passada, o ministro da Economia, Paulo Guedes, reafirmou a prioridade na privatização da estatal de energia. Reconheceu serem justas as críticas que lhe fazem pelo atraso na venda de empresas, uma promessa de campanha que até agora não saiu da estaca zero. E admitiu que há um problema “nosso”, referindo-se ao governo, de uma “opção definitiva” pela privatização.

No caso da Eletrobras, apontou o dedo acusador para o Congresso. Haveria uma aliança de centro-esquerda contra a operação que ele, “ingenuamente”, desconhecia quando anunciou que privatizaria a empresa e outras três este ano. Nos bastidores, a queixa é que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) teria acordado com a oposição barrar o processo, em troca de apoio a seu candidato à própria sucessão, ainda indefinido.

Além de jogar os holofotes sobre o tema, Guedes movimentou a estrutura de sua superpasta para tentar converter golpe em ataque, como numa luta de judô. Na quinta-feira, entregou ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), cujo irmão Josiel é candidato a prefeito de Macapá, um pacote de propostas para atender a população atingida pela crise. Não concordou com a prorrogação do auxílio emergencial, como pleiteado, mas ofereceu alternativas dentro do arsenal pré-pandemia para casos de calamidade.

Antes do apagão, Alcolumbre e o senador Eduardo Braga (MDB-AM), representantes de bancadas que historicamente se opõem à privatização, estavam a caminho do convencimento a favor da operação com a destinação de R$ 3,5 bilhões para a modernização do parque gerador da região Norte. Outros R$ 3,5 bilhões seriam destinados à revitalização da bacia do São Francisco, para contornar a oposição das bancadas do Nordeste e do norte de Minas Gerais.

O fundo para fortalecer o fornecimento de energia na região Norte e garantir a segurança energética é a principal resposta do governo para a situação. É oportunidade para rediscutir todo o sistema fazendo, inclusive, uma conexão com as novas regras para o mercado do gás natural, também em mãos do senador Eduardo Braga, ex-ministro de Minas e Energia.

Mas, enquanto a temperatura política estiver elevada, dificilmente haverá condições para seguir com as negociações. As eleições em Macapá foram adiadas para 13 de dezembro e, se houver segundo turno, 27 de dezembro.

Já as eleições das mesas da Câmara e do Senado só serão definidas em fevereiro de 2021. Até lá, o Congresso deverá funcionar em modo eleição, o que significa que temas polêmicos não serão decididos. A privatização da Eletrobras está entre eles, assim como as fundamentais reformas nas contas públicas, na administração federal e no sistema tributário.

Contra dúvidas, o secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida, declarou ao Valor que a estatal será privatizada em 2021, ainda que não haja novidades no curtíssimo prazo.

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