segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Mathias Alencastro - Para os progressistas, chegou a hora da destruição criativa

- Folha de S. Paulo

O desespero dos caciques e o sumiço dos expoentes do fisiologismo são o principal indício de que a renovação partidária e geracional veio para ficar

A construção da candidatura presidencial do PT em 2018 se articulou em torno de duas disputas regionais. A cidade de São Paulo, maior reserva de votos petista no Sudeste, e Pernambuco, onde Lula investiu todo o seu capital político para isolar Ciro Gomes.

ascensão de Guilherme Boulos e o racha em Recife provocado pela disputa entre João Campos e Marília Arraes devem inviabilizar a repetição dessa estratégia e alterar o cálculo da disputa presidencial.

Um revés para os petistas, imputável à sua franja mais conservadora, que assumiu o controle da Direção Executiva durante a prisão de Lula. Desde então, o jogo da política foi preterido em favor dos arranjos burocráticos, e o debate programático substituído pela exaltação acrítica.

O abandono de São Paulo em plena pandemia a um candidato bairrista, quando o seu competidor interno era um notável ex-ministro da Saúde, é o retrato de um partido devorado pela sua própria burocracia.

Para manter algum grau de relevância, a Executiva do PT está condenada a ceder espaço às lideranças nordestinas, que movimentam a massa do seu eleitorado e sempre se mostraram favoráveis a novas alianças com partidos de todos os quadrantes. O ano de 2020 vai entrar para a história como um momento de destruição criativa.

Constará nessa história que a hegemonia petista terá sido dinamitada pela criação de novas alternativas, ao invés das guerras judiciárias e ameaças de violência política que caracterizaram a última década.

Guilherme Boulos não apenas introduziu temas e tecnologias fora do alcance dos vetustos quadros petistas, mas também levou o PSOL de São Paulo a deixar de ser um movimento de contestação para se tornar um polo de poder capaz de agregar as principais figuras da centro-esquerda.

Simbolicamente, ele contará no segundo turno da eleição municipal com o voto de Tabata Amaral, uma das mais empolgantes lideranças que emergiram desde o fatídico desmanche da social-democracia em 2018. Essa aliança de circunstância outrora impensável de duas figuras antagônicas do campo progressista deve-se ao declínio do PT, mas também do seu rival histórico na social-democracia, o PSDB.

Ao acatar a indicação de um vice que vai contra os seus valores para alimentar as ambições de João Doria, Covas contribuiu para a primeira frente verdadeiramente ampla da era Jair Bolsonaro, mas não da maneira como ele provavelmente almejava.

Vista como uma heresia, a comparação entre Guilherme Boulos e Tabata Amaral é particularmente relevante para entender a tomada de poder da nova geração. Ambos se construíram na luta contra as estruturas partidárias. Os campeões em testosterona do PDT não hesitaram em perseguir Tabata pelo crime de pensar por conta própria.

Num patético gesto de centralismo autoritário, Gleisi Hoffman ameaçou de exclusão do PT os militantes que aderissem à candidatura de Boulos, antes de terminar a campanha sabotando os esforços do seu próprio candidato. O desespero dos caciques e o sumiço dos expoentes do fisiologismo de esquerda, como Márcio França, são o principal indício de que a renovação partidária e geracional veio para ficar.

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