segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Marcus André Melo* - Bolsonarismo ou qualunquismo?

- Folha de S. Paulo

O eleitor em 2020 arbitrou entre ganhos de redes federais e locais

O governismo é fenômeno quase universal, e entre nós já foi objeto da fina ironia dos diálogos de Esaú e Jacó, de Machado de Assis: “Não se assuste, é o governo que cai.” “Mas eu ouço aclamações...” “Então é o governo que sobe. Não se assuste. Amanhã é dia de cumprimentá-lo!”

Mas esse tipo de governismo não é deferente nem expressa subalternidade frente à autoridade. Chubb, na obra clássica sobre o clientelismo político italiano, define o qualunquismo como apoio cínico, sem lealdades, a quem quer que seja governo.

Os resultados das eleições municipais corroboram a previsão feita neste espaço de que a força gravitacional do governo federal teria intensidade maior nas regiões mais pobres. E que o qualunquismo prevaleceria onde supostamente haveria bastiões da oposição; o eleitor seria o árbitro entre ganhos de redes locais e federais. O governador iria competir agora com o presidente. Ou melhor, com as redes federais.

O qualunquismo em estado pobre é estarrecedor: no Maranhão, a eleição do governador do PC do B em 2014 alavancou o número de prefeitos, em 2016, em 920%. Mas o partido agora perdeu 24 prefeituras das 46 que controlava, e foi apenas a quarta agremiação em número de prefeitos eleitos no estado. Há também o qualunquismo de estado rico: no Paraná o número de prefeitos do PSD saltou de 28 para 128 (458%) na eleição atual devido à vitória de Ratinho Junior em 2018.

Em Pernambuco, o PSB perdeu quase um quarto (23%) das prefeituras que controlava, enquanto o PT perdeu duas. Na Bahia, o PT conquistou apenas 34 prefeituras, sete a menos do que em 2016, o que equivale a 1/3 das 92 que elegeu em 2012. O resultado é contra-intuitivo porque a pandemia favorece os incumbentes que estão com cofres cheios numa campanha curta e sem mobilização. Tanto é que a taxa de reeleição de prefeitos pulou de 46% para 63%.

Os partidos governistas foram vitoriosos no país como um todo, embora os candidatos bolsonaristas tenham fracassado. Não há contradição aqui. Com a formação de uma mal-ajambrada coalizão de governo, o presidente não é mais o Bolsonaro-candidato, apoiado pela cacofonia de setores raiz. A derrota do Bolsonaro-candidato não eclipsa a vitória da coalizão e do governismo.

Uma das características dos partidos políticos que ocuparam o fiel da balança no passado —partido pivotal, no jargão— é que não possuíam candidatos “presidenciáveis”: ele(a)s vinham do PT e do PSDB. O PMDB nunca teve um. Bolsonaro ocupa esse lugar para seu equivalente funcional hoje, o centrão. E se fortaleceu para 2022, embora em novo formato de disputa. Mas só será viável se a arquitetura da escolha não mudar e a economia não naufragar.

*Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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