O
eleitor em 2020 arbitrou entre ganhos de redes federais e locais
O
governismo é fenômeno quase universal, e entre nós já foi objeto da fina ironia
dos diálogos de Esaú e Jacó, de Machado de Assis: “Não se assuste, é o governo
que cai.” “Mas eu ouço aclamações...” “Então é o governo que sobe. Não se
assuste. Amanhã é dia de cumprimentá-lo!”
Mas
esse tipo de governismo não é deferente nem expressa subalternidade frente à
autoridade. Chubb, na obra
clássica sobre o clientelismo político italiano, define o qualunquismo como
apoio cínico, sem lealdades, a quem quer que seja governo.
Os
resultados das eleições municipais corroboram a previsão
feita neste espaço de que a força gravitacional do governo federal
teria intensidade maior nas regiões mais pobres. E que o qualunquismo
prevaleceria onde supostamente haveria bastiões da oposição;
o eleitor seria o árbitro entre ganhos de redes locais e federais. O
governador iria competir agora com o presidente. Ou melhor, com as redes
federais.
O
qualunquismo em estado pobre é estarrecedor: no Maranhão, a eleição do
governador do PC do B em 2014 alavancou o número de prefeitos, em 2016, em 920%.
Mas o partido agora perdeu 24 prefeituras das 46 que controlava, e foi apenas a
quarta agremiação em número de prefeitos eleitos no estado. Há também o
qualunquismo de estado rico: no Paraná o número de prefeitos do PSD saltou de
28 para 128 (458%) na eleição atual devido à vitória de Ratinho Junior em 2018.
Em
Pernambuco, o PSB perdeu quase um quarto (23%) das prefeituras que controlava,
enquanto o PT perdeu duas. Na Bahia, o PT conquistou apenas 34 prefeituras,
sete a menos do que em 2016, o que equivale a 1/3 das 92 que elegeu em 2012. O
resultado é contra-intuitivo porque a pandemia favorece os incumbentes que
estão com cofres cheios numa campanha curta e sem mobilização. Tanto é que a
taxa de reeleição de prefeitos pulou
de 46% para 63%.
Os
partidos governistas foram vitoriosos no país como um todo, embora os
candidatos bolsonaristas tenham fracassado. Não há contradição aqui. Com a
formação de uma mal-ajambrada coalizão de governo, o presidente não é mais o
Bolsonaro-candidato, apoiado pela cacofonia de setores raiz. A derrota do
Bolsonaro-candidato não eclipsa a vitória da coalizão e do governismo.
Uma
das características dos partidos políticos que ocuparam o fiel da balança no
passado —partido pivotal, no jargão— é que não possuíam candidatos
“presidenciáveis”: ele(a)s vinham do PT e do PSDB. O PMDB nunca teve um.
Bolsonaro ocupa esse lugar para seu equivalente funcional hoje, o centrão. E se
fortaleceu para 2022, embora em novo formato de disputa. Mas só será viável se
a arquitetura da escolha não mudar e a economia não naufragar.
*Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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