Os
gritos de dor de Beto Freitas são a trilha sonora de um filme que muitos fingem
não ver
O assassinato
de Beto Freitas no estacionamento do Carrefour, em Porto Alegre, na
quinta-feira (19), foi
gravado pela câmera afixada de frente para a porta, com visão total da
cena. É uma sequência de 17’09’’, com começo, meio e fim. Mostra o cenário
vazio, a chegada dos personagens —o homem negro, os dois seguranças e a fiscal
do supermercado— e o que aconteceu em seguida.
Vê-se
quando, ao entrar detido, Beto reage por algum motivo a um deles, desprende-se
e tenta agredi-lo. Os dois, em total vantagem, o seguram, e, com ele já
contido, o espancam. Durante dois minutos aplicam-lhe chutes, socos e joelhadas
no rosto, cabeça e costelas, até abatê-lo no chão.
A
fiscal parece filmar tudo com um celular. Pessoas se aproximam. Ela os afasta e
ameaça alguém que também tentava filmar. Uma senhora pede clemência, em vão. Um
careca, de terno, pisa no homem caído e vai embora. Outras 15 pessoas entram e
saem do quadro, com maior ou menor interesse, mas a tempo de ver o homem ser
brutalmente imobilizado, com um dos seguranças pressionando um joelho sobre
suas costas. Beto só tem agora pequenos lampejos de movimento com os pés. Aos
4’30’’ do vídeo, deixa de se mover por completo. Já não reage, mas, pelos dez
minutos seguintes, o segurança continua com todo seu peso sobre ele, como para
certificar-se de que não sairá vivo dali. Conseguiu. Beto morreu por asfixia.
Homens
e mulheres negros são vítimas diárias de toda espécie de violência, mas esse
crime é um divisor de águas. Foi filmado, tem dezenas de testemunhas e não há
atenuante possível. Mais vídeos surgirão, de novos ângulos, com os gritos de
dor de Beto Freitas. Mais do que o choro, o samba ou o funk, esses gritos são a
verdadeira trilha sonora dos negros brasileiros.
Para Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão, presidente e vice, não há racismo aqui. Escutamos isso e sentimos nojo deles e de nós mesmos.
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