Alívio
é anterior à derrota de Trump. Ele começa na prisão de Queiroz
No
auge da quarentena, pensei que a última luta de minha vida seria contra um
governo que destrói a natureza, a autoestima e a imagem internacional do
Brasil. Confesso que dramatizei. Sinto-me aliviado agora e ouso fazer planos
mais ambiciosos para depois da chegada da vacina.
O
marco temporal dessa sensação de alívio é anterior à importante derrota de
Donald Trump. Ele começa na prisão de Fabrício Queiroz. Ali emergiu com clareza
o esquema de financiamento de Bolsonaro e seu clã. Ele não teria mais condições
de pregar o fechamento do Congresso ou do STF. Os próprios militares, apesar de
ambíguos até ali, não o seguiriam na aventura.
Bolsonaro
não teve outro caminho além de buscar aliados no Congresso, precisamente
aqueles para os quais o desvio de dinheiro público não é um pecado capital. E
de se aproximar desse tipo de juiz brasileiro que não hesita em absolver quando
há excesso de provas contra o acusado.
A
eleição de Biden resultou de uma ampla compreensão de que era necessária uma
frente para derrotar Donald Trump e o Partido Republicano. A própria esquerda
dos democratas, que vive um momento de ascensão, decidiu conceder para que a
vitória fosse possível.
Ao
término das eleições municipais, comecei a duvidar se era mesmo necessária uma
frente para derrotar Bolsonaro. A construção de um instrumento como esse dá
muito trabalho. É preciso constantemente se livrar dos caçadores de hereges,
como chamava Churchill os que dentro de uma frente ampla estreitam e intoxicam
o espaço com uma permanente lavagem de roupa suja.
E
se Bolsonaro se derreter com a rapidez com que se derrete Russomanno em suas
campanhas? Ou mesmo se for resiliente como Crivella e chegar ao segundo turno
com um índice de rejeição tão alto que perca para qualquer adversário?
Não
consigo precisar o ritmo, mas acho que Bolsonaro toma decisões estúpidas
diariamente e que ele vai se desmanchar no ar. Quando o vi selecionando uma
lista de vereadores para apoiar, pensei: perdeu.
Não
adianta conferir na urna se Wal do Açaí foi ou não eleita. Um presidente que se
dedica a isso de certa forma está apenas dizendo que é pequeno demais para o
cargo. Na verdade, essa é sua mensagem cotidiana.
A
constatação, no entanto, não pode desmobilizar. Bolsonaro continua à frente de
uma política anticientífica que pode nos custar mais vidas no combate ao
coronavírus.
A
inexistência de uma frente ampla não significa que ela não possa ser erguida em
cada momento em que a democracia for claramente ameaçada.
Da
mesma maneira, o fracasso de Bolsonaro não significa que possa ser subestimado.
A extrema-direita vai ocupar um espaço, embora muito menor do que ocupou nas
eleições de 2018. Assim como na França, ela pode também trocar de líder para se
modernizar.
O
quadro eleitoral na maior cidade do país — Covas/Boulos — nos remeteu à
clássica polarização do período democrático. Ilusório também pensar que tudo
será como antes.
O
primeiro e grande tema de reflexão é este: Bolsonaro dissolve-se no ar, mas as
condições que o fizeram ascender ao governo continuam vivas.
Este
período dominado pelo discurso e prática da estupidez deveria ser usado para
uma profunda crítica do processo de redemocratização. Mesmo sem a construção de
uma frente ampla, a proximidade do abismo nos revelou como somos vulneráveis e
semelhantes no ocaso da democracia.
Os
Estados Unidos abriram o caminho livrando-se do grande pesadelo. Trilhar esse
terreno minado será também de grande utilidade para o Brasil.
Afinal,
são fenômenos políticos em realidades diferentes, mas partem de alguns pontos
convergentes, como a aversão às iniciativas multilaterais.
Imitado
por Bolsonaro, o isolamento americano abriu um imenso espaço. Biden representa
uma correção de rumos, mas seria bom lembrar o tempo perdido: 15 nações
asiáticas e da Oceania, representando um terço do PIB mundial, acabam de
celebrar um acordo comercial de grande envergadura.
Aqui Bolsonaro briga com a Europa para defender grileiros, incendiários e contrabandistas de madeira. Aqui a Terra é plana, a hidroxicloroquina fabricada pelo Exército é remédio contra a Covid-19. Até quando não sei. Não passa de 2022, estou seguro.
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