Às
chamadas autoridades cabe realizar um acurado diagnóstico das razões que têm
levado pais a deixarem de vacinar os seus filhos nos últimos anos
Oficialmente, terminou no dia 30 de outubro a Campanha Nacional de Vacinação contra a poliomielite, mas muitos Estados, inclusive São Paulo, estenderam o prazo diante do baixo comparecimento dos pais aos postos de saúde. O objetivo do Ministério da Saúde era imunizar 11,2 milhões de crianças de 1 a 5 anos contra a pólio neste ano, mas, de acordo com balanço divulgado pela pasta, apenas 4,9 milhões de crianças foram vacinadas (44%). É desolador constatar que 6,3 milhões de crianças ainda estão sujeitas a contrair uma grave doença que há 30 anos havia sido erradicada no Brasil.
O
Amapá foi o Estado que registrou o maior porcentual de vacinação contra a pólio
na campanha deste ano (76,4%), seguido por Pernambuco (64%) e Paraíba (61%).
São números muito baixos – e perigosos – mesmo para os Estados que estão no
topo do ranking. Com 17,3% de suas crianças vacinadas, Rondônia foi o Estado
com o menor índice de cobertura do País. Em São Paulo, onde a campanha de
vacinação foi estendida até o dia 13 de novembro, registraram-se apenas 39,6%
de adesão, restando 1,3 milhão de crianças até 5 anos a serem vacinadas.
Em
setembro, o Estado revelou que os atuais índices de cobertura de vacinas
obrigatórias no País são os menores dos últimos 20 anos, algo absolutamente
incompreensível à luz da razão. O Brasil é reconhecidamente uma referência
mundial em fabricação e distribuição de vacinas. Os imunizantes aqui produzidos
pelo Instituto Butantan, em São Paulo, e pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz),
no Rio de Janeiro, são seguros e eficazes contra dezenas de doenças. Por meio
do Programa Nacional de Imunizações (PNI), são distribuídos gratuitamente cerca
de 300 milhões de doses de vacinas todos os anos.
Há
cinco anos, 95% das crianças brasileiras estavam imunes à pólio. Em 2016, esse
porcentual caiu para 84,4%. Em 2017, o número caiu novamente para 83,4%. A
tendência é de queda. O mesmo ocorre em relação à vacinação contra outras
doenças, como o sarampo, que voltou ao País em 2018.
O
que explica essa procura por vacinas abaixo dos patamares recomendados pelas
autoridades sanitárias? O fracasso, pode-se classificar assim, da Campanha
Nacional de Vacinação de 2020 pode ser fruto do receio dos pais em sair de casa
com seus filhos em meio à pandemia de covid-19, evitando ambientes
hospitalares. Mas, como os números atestam, há uma tendência que deve ser
prontamente revertida para que o País não tenha de voltar a lidar com mazelas
que ficaram no passado e lá deveriam permanecer. É inconcebível a Nação estar
às voltas com surtos de poliomielite, sarampo, caxumba e rubéola no final da
segunda década do século 21 – e é isso o que acontecerá se a sociedade rejeitar
a cobertura vacinal.
Às
chamadas autoridades cabe realizar um acurado diagnóstico das razões que têm
levado pais a deixarem de vacinar os seus filhos nos últimos anos e desenvolver
estratégias para reverter essa tendência daninha. Deveria bastar o bom senso de
pais e responsáveis, mas à falta dele se impõe uma ação estatal mais incisiva
para esclarecer a população e facilitar o acesso aos imunizantes. As escolas
também têm papel fundamental nesse processo, mais do que simplesmente alertando
pais e alunos sobre a importância da vacinação, o que é óbvio, mas realizando
suas próprias campanhas internas, como tradicionalmente sempre fizeram.
Em
São Paulo, é esperado que até o final da campanha, em meados de novembro, 95%
dos 2,2 milhões de crianças do Estado sejam vacinadas contra a pólio. É
perfeitamente possível que a meta seja atingida, mas isso exigirá uma tomada de
consciência dos pais.
Estrutura
segura para a aplicação das vacinas existe. “É de extrema importância aumentar
a cobertura vacinal contra poliomielite, além de atualizar a carteira de
vacinação de nossas crianças, contribuindo para eliminarmos os riscos de
circulação dessa e de outras doenças”, disse o secretário de Saúde paulista,
Jean Gorinchteyn.
Contra
a insensatez de pais que não vacinam seus filhos por crendices não há vacina.
Aos demais, um apelo ao bom senso: vacinas salvam vidas.
O saneamento na agenda municipal – Opinião | O Estado de S. Paulo
Autoridades
precisam apoiar a manutenção do veto sobre renovação de contratos sem licitação
O Novo Marco Legal do Saneamento foi projetado para alavancar investimentos no setor e garantir a meta de universalização para 2033. Atualmente, cerca de 16% dos brasileiros (35 milhões) não têm água tratada e 47% (100 milhões) não têm coleta de esgoto. Como a titularidade do saneamento continua a ser do Executivo municipal, as eleições são de extrema importância para sanar essas mazelas. Diante disso, o Instituto Trata Brasil preparou uma cartilha para informar autoridades, candidatos e eleitores sobre o diagnóstico de suas jurisdições e seus principais desafios.
Entidades
consultadas pelo Instituto estimam um investimento da ordem de R$ 400 bilhões a
R$ 600 bilhões nos próximos 20 anos para universalizar a distribuição de água e
o esgotamento sanitário. Calcula-se que a oferta desses serviços geraria um
retorno de R$ 1,1 trilhão, por causa da redução de gastos com saúde, aumento da
produtividade do trabalho, valorização imobiliária e receitas do turismo. Os ganhos
seriam revertidos, sobretudo, para os municípios.
Entre
as responsabilidades das autoridades municipais estão: a articulação com as
demais políticas públicas (saúde, meio ambiente, habitação ou desenvolvimento
urbano); revisão dos Planos Municipais; instituição dos Fundos Municipais de
Saneamento; regulação e fiscalização por meio de uma agência municipal ou da
delegação a uma agência intermunicipal ou estadual; instituição de mecanismos
de controle social no planejamento, regulação e prestação de serviços; e
garantia do acesso às informações sobre saneamento à população.
Como
lembra o Instituto, uma das principais tarefas de prefeitos e vereadores será
revisar as metas do seu respectivo Plano Municipal de Saneamento. Os planos
precisarão ser implementados nos anos de 2021 e 2022. Com o Novo Marco, os
contratos precisarão ser readequados até o fim de 2022. No caso dos contratos a
serem encerrados, os municípios, individualmente ou em consórcios, precisarão
organizar novas licitações para a delegação dos serviços.
Outra
área importante são os investimentos em medidas estruturais e na capacidade
gerencial do município. Particularmente relevantes são as ações para redução de
perdas de água, um problema crônico no País. Além disso, os prefeitos
precisarão avaliar e adequar os quadros existentes, preferencialmente com
técnicos concursados, a fim de implementar políticas públicas de longo prazo.
Concomitantemente,
será preciso ampliar as formas de transparência das informações em saneamento,
sobretudo por meio de canais digitais e portais na internet.
Os
prefeitos precisarão encaminhar projetos de lei e elaborar as normas
regulamentadoras do setor. Às câmaras de vereadores, por sua vez, caberá
fiscalizar os prefeitos e cobrá-los pela execução da política municipal, bem
como pela realização de investimentos no setor. É um trabalho a ser feito em
estreita colaboração com as respectivas agências reguladoras.
Por
sinal, as autoridades precisarão definir ou instituir a agência reguladora
responsável pelo monitoramento das metas contratadas, do cumprimento dos planos
municipais ou regionais e da qualidade dos serviços. Para os municípios
pequenos e médios, em geral os mais desprovidos de serviços e quadros técnicos,
a melhor opção tende a ser a adesão à prestação regionalizada, formada pelo
Estado e outros municípios. Este é um dos avanços importantes do Novo Marco: a
possibilidade de combinar em um único bloco localidades rentáveis e
deficitárias, a fim de que as primeiras subsidiem a implementação e gestão da
infraestrutura das segundas.
Vale
lembrar que o Congresso ainda precisa decidir se manterá ou não os vetos do
presidente da República ao Marco, entre os quais o que proíbe que os contratos
atuais sejam renovados por mais 30 anos sem licitação. O processo licitatório é
indispensável para garantir a concorrência nas contratações e a eficiência dos
serviços. Impedir isso só interessa aos grupos corporativos que são justamente
os principais responsáveis pelo atraso do setor. Em nome do interesse público,
as autoridades municipais precisam apoiar a manutenção desse veto.
De volta à pré-pandemia – Opinião | O Estado de S. Paulo
Indústria
voltou ao patamar de fevereiro, mas a recuperação total será longa
Com cinco meses de crescimento, a produção industrial voltou em setembro ao nível pré-pandemia, superando por 0,2% o resultado de fevereiro, quando surgiram no Brasil os primeiros sinais da covid-19. Ficou para trás, enfim, a perda de 27,1% acumulada em março e abril, quando a economia brasileira sofreu o maior tombo registrado em décadas. Em setembro, a indústria produziu 2,6% mais que em agosto e 3,4% mais que um ano antes. Mas o balanço de 2020 acusou um desempenho 7,2% inferior ao dos nove meses correspondentes de 2019. Em 12 meses sobrou uma queda de 5,5%.
Empresários
da indústria têm-se mostrado mais otimistas que os do comércio e mais
confiantes que os consumidores. Em outubro o Índice de
Confiança do Empresário Industrial continuou em alta, segundo a
Confederação Nacional da Indústria (CNI). Há diferenças entre ramos
industriais, mas os sinais de otimismo predominam. Tendência semelhante vem
sendo mostrada, há alguns meses, pelas sondagens da Fundação Getúlio Vargas
(FGV).
Otimismo
empresarial pode produzir resultados positivos, mas, no caso da indústria, a
recuperação efetiva ainda vai dar muito trabalho. Não basta retomar o nível de
produção de fevereiro, isto é, da pré-pandemia. Além disso, o percurso ainda
estará incompleto se for recuperado o patamar de 2019. Em setembro, a produção
da indústria geral ainda estava 15,9% abaixo do pico alcançado em maio de 2011,
no quinto mês do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. Examinando-se a
série histórica, o declínio é visível a partir de 2012, isto é, bem antes da
recessão de 2015-2016.
Favores
fiscais e financeiros, muito custosos e mal planejados, foram insuficientes
para impedir o enfraquecimento do setor e sua perda de competitividade. O
governo federal favoreceu alguns segmentos e grupos, especialmente aqueles
escolhidos para ser “campeões nacionais”, mas a política foi desastrosa para a
maior parte da indústria.
Protecionismo
excessivo e baixa integração nas cadeias globais compõem parte importante dessa
história. Uma diplomacia econômica mal concebida estimulou uma perigosa
acomodação de alguns segmentos industriais, com pouco ou nenhum estímulo à
inovação e à busca de eficiência.
A
aliança entre petismo e kirchnerismo é facilmente caracterizável como um pacto
de mediocridade.
Parte
importante da indústria tem dependido excessivamente dos mercados
sul-americanos, em especial do argentino. A indústria automobilística ilustra
bem essa dependência. A redução de suas vendas externas, nos últimos anos, é
explicável principalmente pela crise argentina.
Em
2017 as exportações totais de veículos montados chegaram a 766,1 mil unidades.
Essas vendas caíram para 629,2 mil em 2018 e 428,2 mil em 2019. Neste ano, até
setembro, foram exportados 207,3 mil veículos, 38,6% menos que um ano antes,
segundo a Anfavea, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos
Automotores.
Em
2020, a crise interna, ocasionada pelo coronavírus, somou-se à crise
internacional e, especialmente, às dificuldades argentinas, já consideráveis
antes da covid-19. Com o mercado interno arrasado, a produção da indústria
automobilística chegou, no pior momento, muito perto de zero. Isso explica os
números espantosos da recuperação a partir de maio. Em setembro, a produção de
veículos automotores, carrocerias e reboques foi 14,1% maior que a de agosto. O
crescimento em cinco meses chegou a quase incríveis 1.042,6%, mas o total de
setembro ainda foi 12,6% menor que o de fevereiro.
De
janeiro a outubro a exportação total da indústria de transformação ficou em US$
93,8 bilhões, com perda de 13,2% em relação ao valor de um ano antes, segundo o
Ministério da Economia. Mais do que em condições normais, a recuperação do
setor continuará a depender do mercado interno. Com o fim do auxílio
emergencial e com o alto desemprego, manter o consumo será complicado em 2021.
O otimismo dos empresários industriais é importante, mas será preciso algo mais
para sustentar a retomada. Esse algo mais depende do governo.
O recado da dívida – Opinião | Folha de S. Paulo
Encurtamento
de prazo e alta dos juros dos títulos federais evidenciam crise de confiança no
mercado
Enquanto
o presidente Jair Bolsonaro passeia despreocupado pelo país, uma crise
econômica se avizinha. O problema que se agrava a cada dia é o descontrole das
contas públicas, que poderá levar a mais inflação e a uma recaída na recessão
caso não haja avanços na agenda de reformas, hoje interrompida pela hesitação
presidencial.
Nas
projeções do Tesouro, as ações para mitigar os impactos sociais da pandemia
levarão o déficit primário (sem contar despesas com juros) para cerca de 12% do
Produto Interno Bruto neste ano.
O
Brasil foi um dos países que mais gastou no mundo durante a crise. A dívida
pública bruta, que já era a mais alta entre os principais emergentes, saltará
20 pontos percentuais, para 96% do PIB.
Tal
situação dramática tem consequências palpáveis. Os gastos adicionais precisam
ser financiados pela emissão de papéis federais no mercado financeiro. Sem um
cenário claro de estabilização da dívida, é natural que investidores —os
brasileiros que têm aplicações financeiras— fiquem inseguros e alterem seu
comportamento.
Nos
últimos meses vem ocorrendo um notável processo de encurtamento de prazos dos
títulos e de aumento da parcela indexada à taxa Selic, do Banco Central —que já
representa 36% do estoque, contra 22% em dezembro do ano passado.
Vender
papéis com juros fixos e prazos mais longos também está ficando mais caro.
Embora a taxa básica esteja em 2% ao ano, o custo médio dos títulos lançados em
setembro foi de 4,64% anuais.
Cerca
de um quarto da dívida mobiliária federal de R$ 4,5 trilhões vencerá nos
próximos 12 meses. Desde o início do governo Bolsonaro, o prazo médio das novas
emissões caiu de 5 anos para 2,1 anos.
Essa
combinação de prazos curtos e indexação ao juro de curto prazo expõe o Tesouro
a riscos. A rolagem fica mais incerta; se o Banco Central tiver de elevar a
Selic para combater a inflação, uma parcela grande do endividamento será
imediatamente impactada.
No
limite, a ameaça é de insolvência, o que se traduz em rejeição aos títulos
públicos. Quanto mais perto se chega desse cenário extremo, maior a tendência
de desvalorização do real e alta da inflação.
Está
nas mãos do governo debelar a crise de confiança. A curto prazo, o mais
essencial é assegurar a manutenção do teto de gastos, com a aprovação de uma
emenda constitucional que permita a redução de despesas obrigatórias.
Qualquer
novo programa de renda, por mais meritório que se mostre, também precisa caber
no teto, o que implica cortar em outras rubricas no Orçamento de 2021.
São
escolhas difíceis, que demandam liderança presidencial. Bolsonaro precisa tomar
decisões.
Pilares mambembes – Opinião | Folha de S. Paulo
Resultados
da alfabetização no país prenunciam dificuldades nas etapas posteriores do
ensino
Recém-divulgados,
os resultados da avaliação oficial que aferiu a alfabetização no país chamam a
atenção para uma deficiência estrutural severa de nosso ensino.
Aos
sete anos, estudantes brasileiros do 2º ano do ensino fundamental conseguem, em
média, ler cartazes e localizar informações explícitas em pequenos bilhetes.
Isso não é suficiente.
Crianças
de mesma idade em países desenvolvidos —em parte da Europa, por exemplo— são
capazes de inferir informação e identificar o assunto principal de textos
médios e longos. Tais habilidades, nos critérios da prova brasileira, renderiam
825 pontos.
Nenhum
estado brasileiro resvalou nessa marca. A maior nota, obtida pelo Ceará, foi de
765,5 pontos, e a média nacional ficou em 750. Ao todo, 17 estados ficaram
abaixo dessa cifra, entre eles todos os localizados na região Norte.
Na
metáfora usada por educadores, esses são os pilares —mambembes— sobre os quais
se assentarão as etapas restantes do ensino, fadadas à precariedade.
Os
primeiros anos da escola têm ganhado cada vez mais importância em políticas
educacionais. Já se prega, por exemplo, que os melhores professores devem
estar, prioritariamente, alocados nessa fase.
Avaliações periódicas fazem parte do processo de aperfeiçoamento. O governo acerta, portanto, ao manter o exame, após ter flertado, no ano passado, com a ideia de seu adiamento até 2021. Essa hipótese causou protestos entre especialistas e demissões no ministério.
O
olhar aos estudantes do 2º ano escolar —e não mais do 3º, como foi feito até
2016— também é meritório. A mudança se deu sob o entendimento da Base Nacional
Comum Curricular, de 2017, que, seguindo evidências científicas, reduziu em um
ano a meta para conclusão do processo de letramento.
É
preocupante, no entanto, a incerteza do MEC sobre o que significam, afinal, os
números do exame nacional de alfabetização.
Sem
definição prévia do que indicaria que uma criança está alfabetizada, o governo
anunciou que ainda debateria as pontuações. Metas devem preceder avaliações,
para não influenciarem a interpretação dos resultados.
Em
tempos de escolha de prefeitos, que atuam na etapa inicial do ensino, dados e
objetivos claros poderiam ser aliados cruciais no desenho de políticas de
educação.
Um novo incentivo à fragmentação partidária – Opinião | O Globo
Se
decidir que verba e tempo de TV podem migrar de partido, STF porá em risco meta
da ‘cláusula de barreira’
O
Supremo Tribunal Federal (STF) deverá arbitrar em breve sobre as exigências aos
parlamentares para permitir mudança de partido. A principal dúvida é se, na
migração, eles podem levar para o novo partido suas cotas do fundo partidário e
do tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão. Não é um problema
menor, restrito à rotina partidária. A resposta do STF nesse caso será
determinante para o rumo da política nacional no próximo ano. O impacto se
estenderá à estrutura partidária, com reflexos decisivos nas eleições gerais de
2022.
Apenas
19 dos 33 partidos registrados saíram das urnas em 2018 em condição de passar
pelo filtro adotado para reduzir a escandalosa fragmentação partidária
brasileira, conhecido como “cláusula de barreira”. Para se legitimar em 2022,
impõe essa medida, qualquer agremiação política terá duas alternativas. Uma é
conseguir ao menos 2% da votação em um terço das unidades federativas, com 1%
dos votos válidos em cada uma delas. Outra possibilidade é eleger pelo menos 11
deputados em, no mínimo, um terço da federação.
Para
os 14 partidos que, já em 2018, não conseguiram se enquadrar na cláusula de
barreira, são sombrias as perspectivas de sobrevivência. É isso que está
impulsionando o movimento disseminado para criação de algumas novas agremiações
e aglutinação de outras existentes. O interesse é comum à esquerda e à direita.
Há negociações para fusões de partidos, como a da Rede com o PSDB, e também
para criação de novos, como a Aliança, do presidente Jair Bolsonaro.
Na
vida legislativa, políticos com mandato sempre têm chance maior de reeleição.
Se houver permissão aos atuais parlamentares para transitarem de um partido a
outro, levando cotas do fundo partidário e do tempo de propaganda eleitoral no
rádio e na televisão, eles terão, em consequência, maior poder de barganha
individual na hora de escolher uma legenda.
Num
cenário benéfico, seria possível que isso resultasse na descentralização do
poder de decisão dentro dos partidos, um baque para o “mandonismo” que corrói
as cúpulas partidárias. Num cenário mais realista, representaria um incentivo
maior para a migração dos parlamentares a siglas menores, onde poderiam trocar
os recursos que trazem do partido que abandonam por mais poder interno no que
adotam. Haveria, portanto, um risco para a principal meta da “cláusula de
barreira”: reduzir a fragmentação partidária.
Isso
deve ser ponderado tanto pelo Congresso quanto pelo Judiciário. A história
recente mostra que não é possível ao país avançar com uma estrutura política
tão pródiga em partidos de pouca representatividade nas urnas, mas ricos em
fundos públicos, sobre os quais o controle é frágil. A redução progressiva do número
de partidos, com aumento da transparência nas contas, é fundamental para o
funcionamento das instituições.
Governo deve cumprir ordem do STF para proteger indígenas na pandemia – Opinião | O Globo
Coronavírus
chegou há oito meses, e Planalto nem tem plano decente para conter o vírus
entre os índios
O
governo Jair Bolsonaro tem até o final desta semana para apresentar ao Supremo
Tribunal Federal (STF) o novo plano de prevenção e controle da Covid-19 em 33
terras indígenas. Será a terceira versão em 120 dias. As duas anteriores foram
rejeitadas por falta de dados, objetivos, metas, indicadores, cronograma de
execução e resultados esperados.
O
governo reluta diante da ordem do Supremo para cumprir seu dever constitucional
de defender direitos e interesses das populações indígenas. Como observou o
relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, “a pandemia está em curso há
aproximadamente sete meses, e ainda não há um plano adequado para lidar com o
problema, por meio do qual a União assuma compromissos mensuráveis e
monitoráveis, situação que expõe a grave risco a saúde e a vida dos povos
indígenas”.
É
notória a aversão de Bolsonaro aos problemas dos indígenas. Sua biografia
registra desde incursões fracassadas no garimpo irregular, quando servia ao
Exército, até a recusa reiterada, já na Presidência, em homologar demarcações
de territórios. Bolsonaro tem direito a suas opiniões, mas não pode se negar a
cumprir a Constituição. Ela é cristalina ao reconhecer aos povos indígenas a
“organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e os direitos
originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União
demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
A
pandemia impôs ao Estado o dever da proteção emergencial aos brasileiros, sem
discriminação. No caso dos indígenas, isso significa adotar medidas de
segurança sanitária e alimentar, acrescidas da guarda de povos isolados e de
recente contato, que vivem sob constante ameaça de invasores de terras,
grileiros, madeireiros e garimpeiros. O governo quase nada fez pelos índios até
a intervenção do tribunal, em meados do ano, mobilizado por uma convergência de
partidos políticos, organizações não governamentais, procuradoria e defensoria
públicas, além do Conselho Nacional de Justiça. Requisitou-se, então, um
projeto de ação governamental.
O
que se viu até agora foi um par de rascunhos, rejeitados porque não continham
os requisitos mínimos. É extraordinário que, na terceira reiteração do mandado
judicial, o ministro-relator do caso tenha sido obrigado a detalhar as medidas
mais elementares que os ministérios da Justiça e dos Direitos Humanos, a Funai
e órgãos setoriais precisam tomar para atender às leis básicas sobre direitos
humanos e os manuais de saúde e segurança pública. O governo confronta a
Constituição quando refuta uma ordem do Supremo. É inadmissível.
TCU adiciona ingrediente no debate sobre incentivos – Opinião | Valor Econômico
No
caso específico da cesta básica, mesmo se o governo aceitar a sugestão do TCU,
o uso dos recursos ainda esbarra no teto de gastos
Uma
proposta apresentada na última quarta-feira pelo Tribunal de Contas da União
(TCU) trouxe mais um elemento para a discussão sobre a eficácia dos incentivos
fiscais vigentes no país. O órgão de controle sugeriu que o governo elimine as
isenções atualmente oferecidas a produtos da cesta básica e reaproveite o
dinheiro, pouco mais de R$ 30 bilhões anuais, para o reforço dos programas de
transferência de renda, seja o próprio Bolsa Família ou seu eventual
substituto, ainda em fase de gestação.
No
entendimento dos técnicos do TCU e da unanimidade de seus ministros, a
desoneração do PIS e da Cofins incidentes sobre a carne, a margarina ou o
macarrão não está entregando os resultados esperados em termos de redução das
desigualdades sociais e regionais. O relatório aprovado na semana passada
classifica como “incerto” o efeito desses incentivos sobre a redução dos preços
desses e de outros itens, que também dependem de fatores sazonais, climáticos e
ambientais.
Outro
argumento defendido pelo tribunal aponta para os aspectos regionais dos
subsídios, que estariam concentrados em empresas de grande porte localizadas
nas regiões Sul e Sudeste, as mais ricas do país. O estudo, inclusive, tem
origem na análise da eficácia dos benefícios oferecidos para o grupo J&F.
“Trata-se, portanto, de uma política de enriquecimento dos mais ricos”, alegou
em seu voto o ministro Raimundo Carreiro, relator do processo.
A
discussão é complexa e repleta de nuances. Também na semana passada, o
Congresso Nacional confirmou a esperada rejeição do veto presidencial à
prorrogação da desoneração da folha de pagamento para diversos setores da
economia. O governo contava com esse dinheiro e argumentava ser favorável a uma
futura ampliação do alcance da medida para mais setores, mas acabou atropelado
pelas evidências.
Feita
neste momento, a retirada do benefício sobre a folha de salários teria inegável
efeito sobre o emprego. Empresários dos mais diversos setores, beneficiados ou
não pela medida, alertaram sobre a onda de demissões que poderia seguir ao fim
da desoneração. Portanto, considerado o horizonte pouco promissor para o
mercado de trabalho em 2021, a decisão de deputados e senadores foi na direção
correta.
Em
outros casos, no entanto, a equação não parece ser tão simples e por isso a
importância de se olhar com lupa cada centavo dos quase R$ 400 bilhões
renunciados anualmente pelo Tesouro.
No
início do ano, o Valor revelou
que a equipe econômica havia concluído um mapa detalhado com cada benefício,
acompanhado de propostas que viabilizariam o corte de R$ 56 bilhões em isenções
já em 2021. Veio a pandemia e ninguém mais sabe dizer se o plano ainda está de
pé.
A
questão central é conhecer cada subsídio e, principalmente, o seu retorno para
a sociedade. Se a desoneração da folha de salários se mostra importante para a
manutenção de postos de trabalho, os incentivos para a cesta básica, por outro
lado, podem não cumprir seu papel da maneira esperada. De acordo com o TCU,
esses subsídios resultaram em uma redução de apenas 0,1% nos índices de
desigualdade de renda, ao passo que o Bolsa Família, com valor parecido, teria
contribuído com 1,7% no mesmo período analisado.
Somente
a análise profunda desses dados pode embasar uma discussão produtiva sobre a
necessidade de manutenção e até sobre o tamanho ideal para os subsídios. Essa
etapa, no entanto, deve ser precedida da ampla oferta de informações, o que não
tem sido o caso. No mesmo processo, o tribunal de contas também aponta a baixa
disponibilidade de dados na Receita Federal que possam subsidiar uma avaliação
mais precisa acerca da eficácia dos benefícios fiscais. O aumento da
transparência parece ser o primeiro passo para enfrentar a questão.
No caso específico da cesta básica, mesmo se o governo aceitar a sugestão do TCU, o uso dos recursos ainda esbarra no teto de gastos. Como os subsídios não são contabilizados como despesa primária, o eventual uso desse dinheiro para programas de transferência de renda estaria sujeito à regra do teto. Ao apresentar sua proposta, o ministro Carreiro disse que a manobra depende apenas de “vontade política”, mas a conjuntura recomenda mais do que isso.
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