Contraste
com democracia dos EUA voltando ao normal faz situação brasileira parecer ainda
mais triste
Joe
Biden é o novo presidente dos Estados Unidos. Em seu discurso da
vitória, defendeu
a união de todos os americanos, inclusive dos que não haviam votado
nele, e prometeu que governaria para todos. Perdi o trecho seguinte porque
comecei a rir lembrando que teve gente com fama de sério apostando que
Bolsonaro um dia faria o mesmo.
Biden
fez belas citações bíblicas e mencionou os transexuais entre os americanos que
quer defender. Agradeceu especialmente aos negros americanos, que foram
decisivos para sua vitória.
Só
esclarecendo, não agradeceu apenas o Hélio Negão que estava ali do lado,
agradeceu Kamala
Harris, primeira mulher a ocupar o cargo de vice-presidente, agradeceu
seu antigo companheiro de chapa, o ex-presidente
Barack Obama, e agradeceu o poderoso movimento de organizadores negros
que lhe deram vitórias decisivas em cidades como Detroit e Filadélfia.
Biden
também anunciou que nesta segunda-feira (9) vai indicar uma força-tarefa de
cientistas para lidar com a pandemia. Duvido que chame o Osmar Terra, duvido
que alguém ali seja demitido ou humilhado publicamente se decidir trabalhar,
como aconteceu com Mandetta, Teich e Pazuello. Biden deve trazer os Estados
Unidos de volta para o Acordo de Paris, que proíbe ministros como Ricardo
Salles.
Enfim,
o contraste com um país voltando ao normal fez a situação brasileira parecer
ainda mais triste. As pessoas dançando nas ruas da Filadélfia não estão
comemorando porque Trump foi “moderado pelo centrão”.
A
única coisa na eleição americana que me lembrou o Brasil de 2020 foi a tentativa
de Donald Trump, o candidato derrotado, de dar um golpe de Estado. Mas
é aquilo, se Trump não fosse golpista, Bolsonaro não gostaria tanto dele.
Até
o momento de entrega dessa coluna, Trump ainda não havia reconhecido sua
derrota. Mentiu que a eleição foi fraudada, mentiu que teve mais votos do que
Biden, enfim, “went full Jair”. Torce para que haja protestos de rua que forcem
uma judicialização da eleição, e já escalou Rudolph Giuliani, o genro do Borat,
para conduzir a batalha legal.
Deve
dar errado. Lá não há hipótese dos militares aceitarem um golpe. O Partido
Republicano é, no geral, um partido sólido que tem certo interesse na
manutenção das regras do jogo. A rede conservadora Fox News não bancou a
palhaçada.
Mas
esse último crime de Trump contra a democracia pode ter consequências. O artigo
de Patrícia Campos Mello publicado neste sábado (7) mostrou que o
discurso da “eleição roubada” pode manter a base trumpista permanentemente
radicalizada, com cada vez menos fé nas instituições. Os próximos dias devem
ser importantes para medirmos a viabilidade desse discurso. Talvez o trumpismo
sem poder pareça patético demais para sobreviver.
É
possível repetir no Brasil de 2022 a fórmula vencedora dos democratas
americanos? O governador Flávio Dino propôs exatamente isso, uma aproximação da
esquerda e do centro para derrotar Bolsonaro. Dino tem razão, mas ainda não
bolamos uma forma de fazer isso funcionar dentro do multipartidarismo
brasileiro.
No
Partido Democrata americano estão os equivalentes ideológicos de boa parte do
PSDB brasileiro, toda a centro-esquerda e quase toda a esquerda. Sem a
estrutura partidária para forçar a união, teremos que ser mais hábeis
politicamente do que os americanos.
*Celso
Rocha de Barros, servidor
federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
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