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Folha de S. Paulo
Por
que os impasses institucionais persistirão no país?
"O
que podem conhecer da Inglaterra os que apenas conhecem a
Inglaterra?", interrogou
Kipling. Os EUA estão na berlinda, e especialistas em Brasil apresentam
diagnósticos institucionais sobre aquele país. O exercício reverso também é
comum: examinar o Brasil à luz de um único caso desviante, o dos EUA.
Mas não faltam estudos comparativos empiricamente robustos concluindo que o
sistema político americano caracteriza-se pela difusão de poder e tem elevado
potencial para impasses.
Há muitos pontos de veto: o Senado, a Câmara, a Presidência, o Judiciário, o
federalismo. Na Inglaterra ou na França, devido à fusão de Poderes Legislativo
e Executivo e à existência de Judiciário com baixíssimo protagonismo, além do
unitarismo, o Parlamento é o único ponto de veto.
Nos EUA, o Senado como ponto de veto é alavancado pela instituição do
"filibuster", que equivale à exigência de supermaioria de 60% para a
aprovação de legislação na Casa. Basta que uma minoria de 41 senadores (total =
100) apoiem uma moção que impeça o encerramento ("cloture") dos
trabalhos e o início da votação.
A
capacidade do sistema político de produzir mudanças institucionais ou de
políticas públicas é muito baixa, e reduz-se com a polarização. Elas só ocorrem
quando janelas de oportunidade se abrem. O caso da mais importante mudança de
política pública do país —o chamado Obamacare, que cria um sistema público de
saúde— é ilustrativo.
Uma curta janela de cinco meses abriu-se entre 9/2009 e 2/2010, porque Obama
contava com maioria nas duas Casas e, no Senado, contava com exatos 60 votos.
Assim, o voto unânime e contrário dos republicanos não foi obstáculo. Durante
seis meses após a posse, devido à pendência em torno de uma vaga no Senado, a
janela permanecera fechada, o que voltou a acontecer depois.
No entanto, na hora da implementação do Obamacare, 26 estados arguiram que a
lei era inconstitucional. Além disso, recusaram-se a expandir o Medicaid (ajuda
federal a idosos), que era parte do Obamacare. O último ponto de veto foi a
Suprema Corte, que acolheu parte das demandas dos estados, em particular a de
autonomia quanto ao Medicaid.
A democracia americana tem sido descrita como um sistema travado e
contramajoritário. Trump hiperpolitizou a máquina sem produzir mudança
institucional. A guerra cultural foi o único espaço de atuação do Executivo
hiperbólico.
Um governo Biden terá sina pior com um Senado e Suprema Corte controlados pelos
republicanos. Não só devido ao "filibuster" mas porque, ao contrário
do Brasil, o Senado deve consentir na aprovação de membros do gabinete, dos
militares e dos juízes federais. Impasses e polarização permanecerão.
*Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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